
*Sebastião Vital de Mendonça
GERSON VITAL DE MENDONÇA, meu irmão (26.04.1915 / 04.12.1985) – Nasceu em Urucurituba, município do baixo Amazonas. Já expliquei em outros textos que, até meus 12 anos de idade, fui levado a acreditar que eles eram meus primos e não meus irmãos. Com o Gerson, o mais velho e eu o caçula, aconteceu diferente
O meu herói
Nos meus 4 para 5 anos de idade, fui ameaçado por um menino mais forte. Eu disse que não tinha medo pois o meu irmão, aí o chamei de irmão, era do Exército e, se preciso fosse, viria me defender com fuzil, metralhadora e até canhão. Acreditaram até os que duvidavam pois me viram de mãos dadas com ele, num dia em que visitava Itacoatiara e vestia sua linda farda de gala, com túnica e quepes brancos ornados com símbolos e botões dourados.
Serve ao Exército, muda de residência e tem sua primeira profissão
Gerson servia no 27º. Batalhão de Caçadores. Nessa época deu grande apoio ao papai, em 1934, quando nossa mãe viajou, gravemente enferma, de Itacoatiara para Manaus. Depois passou a residir em Rio Branco, capital do Território Federal do mesmo nome, hoje Estado Roraima. Nessa época, foi exposto a doenças graves como malária, febre amarela e outras da região, nas longas viagens por rios e matas distantes da cidade, nas fronteiras com a Venezuela e Guiana, ex Inglesa. Ao dar baixa do Exército, segundo informação de sua filha Vera Lucia, foi nomeado em 28/10/1939 Escrivão de Polícia do Território Federal, e efetivado em 09/11/1948, exercendo suas funções com sua peculiar e reconhecida dedicação.
O casamento – a proteção às irmãs – a saúde comprometida
Casou-se em 27/04/1946 com Raymunda Irene Dutra Martins, parintinense, professora eficiente, pessoa admirável, séria e serena ao conduzir o lar com muito amor. Eles sempre conviveram muito bem com a Da. Antonia, a querida Dona Antonica, a quem o Gerson, em uma dedicatória, chamou-a de “minha querida sogra e verdadeira mãe”. Preocupado com o futuro das irmãs Tereza e Ermelinda, levou-as de Itacoatiara para Rio Branco, onde, através de concurso, foram admitidas como funcionárias do Governo do Território. Não demorou, por volta de 1950, eles tiveram a saúde abalada por tuberculose. A Ermelinda foi se tratar em BeloHorizonte, onde já se encontrava o irmão João Batista. A Tereza, em outro momento eu explico, mesmo sem estar doente, arranjou um jeito de acompanhar a irmã. O Gerson, passou por BH e foi encaminhado para o especializado Hospital Alcides Carneiro, emCorreias, distrito de Petropolis-RJ, local em que o clima era considerado como um dos quatros melhores no Brasil, para esse tipo de tratamento. Não tardou Irene apresentar alguns sintomas da mesma doença, foi para o Rio de Janeiro e logo depois para Correias ao encontro do esposo. D. Antonica acompanhou a filha nessa mudança, deixando em Rio Branco as netas, Vera e Gersirene, sob cuidados seu filho Martins.
O encontro com as filhas e as sucessivas mudanças
Foram dois anos separados das crianças. Quando elas chegaram em Correias, em virtude da pouca idade e do distanciamento havido, um fato interessante aconteceu: as duas não reconheciam o Gerson como pai, nem ele avaliava que elas já estavam crescidinhas. Num primeiro contato pela manhã chamou-as: –Venham tomar fefé. E elas, rindo, disseram: engraçado, ele não sabe falar café! O retorno a Manaus se deu meses depois do nascimento do Antonio Sálvio, o Salvinho, em virtude de a família sentir-se deslocada de seu habitat e com saudade de amigos e familiares. Elizete nasceu dois anos depois quando passaram a morar numa das poucas casas de madeira, com quintal cheio de plantas frutíferas, num bairro em formação, o de São Francisco. Em 1957 Gerson concluiu seu Curso de Contabilidade no excelente Colégio Solon de Lucena. Não tardou, Elizete e Salvinho começam a adoecer com tanta frequência, a ponto de um médico sentenciar: vocês nunca deveriam ter saído do clima de Petrópolis onde se davam tão bem. Nova mudança se tornou imperiosa para Petrópolis, onde nasceram Vânia e Maria Antonieta, a caçula Mariazinha.
Novo curso, novas atividades e o vencedor
Contando com parcos recursos de uma licença saúde, corroídos pela inflação, e com filhos para criar, decidiu complementá-los com venda de livros, tipo enciclopédias, Tesouro da Juventude e outras coleções. Em seguida, trabalhou como contador em um escritório no Rio. Sofria muito com as viagens de ônibus, de ida e volta pela sinuosa estrada da Serra, na época de mão dupla, sujeitando-se às mudanças climáticas e se expondo aos constantes riscos de acidentes. Fez, em seguida, um Curso de Secretariado para sentir-se apto em aceitar o convite que lhe fora feito padre Luís Brasil Cerqueira, pároco da Igreja e fundador do Liceu São José de Itaipava. Distando 15 km de sua casa, enfrentava, de ônibus, novos congestionamentos pela sinuosa Estrada União e Indústria, também estreita e de mão dupla. Sua dedicação e esmero ao trabalho o fez reconhecido como excelente Secretário, ao restabelecer a escrita do Colégio e mantê-la sempre em dia, cumprindo todas as exigências do Ministério da Educação. Ao sair do Colégio, teve uma despedida emocionante pelo carinho recebido de seus superiores, colegas e funcionários. Anos depois, durante as comemorações de 50 anos de existência do Liceu São José, o Gerson foi homenageado durante a sessão solene que contou com a presença de Diretores, Professores e Funcionários, oportunidade em que foi realçado seu excelente trabalho, sempre com eficiência, disciplina e pontualidade, e as sólidas amizades conquistadas nos 40 anos de convivência naquele Colégio. Como convidada de honra esteve presente a Irene, sua viúva, acompanhada de seus filhos e demais familiares, com os quais tive a felicidade de estar presente.
A nossa convivência…
Se tornou bem maior quando mudamos para Niterói, em 1965. Meus filhos tinham, e até hoje têm, imensurável amizade com os do Gerson. Por vários anos, em nossas frequentes visitas a Petrópolis, sempre fomos recebidos com especial carinho. Ele pensava em tudo para nos agradar. Vejam só. Certa vez, chegou a comprar discos de Silvio Caldas e Orlando Silva, para ouvirmos, evitando, no seu entender, constranger-nos com aquela “música barulhenta de uns cabeludos”, enquanto as meninas curtiam a radical mudança no estilo de música popular e dançavam o tempo todo, diante da eletrola, ao ritmo de : I want to hold you hand, Girls, Michelle, Help, Yelow Submarine etc. Por sua vez, Irene se preocupava em oferecer-nos farto almoço, ajudada por d. Antonica que era infalível com suas deliciosas empadinhas para o lanche, momento em que se divertia ao me ver, a seu pedido, dançar uma valsa com a Juliana. O Gerson, disciplinador, era alegre, gostava de música, vez por outra tirava uns bons acordes ao violão ou ao piano.Era ponderado, um pai totalmente dedicado à família,severo porém bondoso. Hoje os pais vibram quando o filho se interessa em jogar futebol orientado por profissionais, porém, na época, ele se preocupava com os riscos de influências negativas pois a molecada, sem qualquer controle, praticava livremente o futebol de rua. O Salvinho, que na juventude chegou a jogar futebol quase profissional, em criança não resistia o soar da bola desses campinhos improvisados, para onde fugia e se desligava do tempo, sendo o mais repreendido , porque muitas vezes encontrava fechada a mercearia onde deveria fazer as compras que lhe eram confiadas.
O testemunho de uma colega de trabalho
Recentemente surgiu-me a grata oportunidade de conversar ao telefone, sobre o Gerson, com a Senhora Maria Elenice Claveri Constancio, residente em Petrópolis. Vejam a bela mensagem que me enviou, e que tento resumir: “Com 6 anos de idade, estudante do LICEU São José, conheci o Professor Gerson, era assim que as pessoas o chamavam. Ele não lecionava, era Secretário da escola, mas como era uma pessoa muito sábia, inteligente, educada e honesta, para nós era sempre o Mestre. Convivi com ele mais aos 16 anos de idade, quando deixei de ser aluna e passei a ser funcionária da escola, trabalhando como auxiliar do meu grande e inesquecível secretário e mestre, Gerson Mendonça. Não recordo exatamente quantos anos trabalhamos juntos, mas, posso afirmar, que foram uns dos melhores anos de minha vida profissional. Disciplinado e sempre buscando fazer o melhor, não esqueço seu conselho quando eu tentava corrigir um erro datilográfico, lembrando que a máquina de escrever não tinha o recurso que hoje temos no computador. Dizia: “Tutucha, assim me chamava, quando uma coisa está errada, não adianta tentar consertar, melhor fazer de novo”. Nos meus 40 anos de serviço, nunca mais trabalhei nem conheci ser humano igual a ele. Com seu espírito alegre, às vezes brincava de fazer inocentes versinhos, alguns deles ainda guardo com carinho.Vejam este, inspirado no rato que roeu todo seu dicionário que guardava em sua escrivaninha:
Mágoas de comundongo
De tanto roer dicionário / Descobriram minha existência / Seu Pedro arranjou ratoeira / Seu José negou-me clemência // Li o dicionário contente / Para não morrer analfabeto / Convidei três companheiros / O Lulu, a Lalá e o Anacleto // De nada veleu meu desejo / Em morar na Secretaria / Seu Gerson e a “Tutucha” diziam / Matem os ratos pra nossa alegria // Agora sei que morri / Não aprendi mais um ditongo / Todos estão satisfeitos / Com a morte do Camundongo // De meus velhos companheiros / Só resta a recordação / Do barulho que fazíamos / nas noites de solidão.
O meu herói ressurge fulgurante!
Eu teria muitos exemplos para lhes dar. Mas, para terem uma ideia da dimensão de seu valor humano, vou contar-lhes um fato que me tocou profundamente. Ao visitá-lo na UTI do hospital, encontrei-o sob fios que se cruzavam com as sondas. Restou-me dizer: mano, você é forte e vai vencer mais esta batalha. Agora, peço que vocês sintam um pouco da grande emoção que me envolveu, e que me fez sentir pequenino, diante da grandeza daquela criatura, preocupado não consigo, mas comigo, ao dizer-me, com voz pausada e ofegante, quase inaudível, vindas de um coração vibrante e de alma generosa:– mano…. me disseram…. mas eu te peço…. não te separes… da Juliana.
Agradeço a Vera Lucia e a D. Elenice, as suas valiosas informações que resultaram em melhoria deste texto.
*Natural de Itacoatiara, onde fez o curso primário, no Colégio Coronel Cruz. Ainda, em sua terra natal, trabalhou na Farmácia de Francisco Ferreira Athaide e Jurandir Pereira da Costa; no Escritório do Despachante Floro Rebelo de Mendonça (seu pai de criação); com seu irmão Antônio Vital de Mendonça, em Contabilidade; como cobrador da Prudência e Capitalização no escritório de Ilídio Ramos & irmãos; e em Contabilidade e Atendimento na Agência local da Panair do Brasil. Transferido para Manaus, após servir à empresa I. B. Sabbá, fez concurso o Banco do Brasil e Banco da Amazônia, logrando em ambos o primeiro lugar. No Banco do Brasil trabalhou dois anos em Manaus. Transferido a pedido para o Rio de Janeiro onde se aposentou em 1991, com 41 anos de contribuição ao INSS e 28 anos ao Banco.
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