O Brasil continua não tendo um projeto de desenvolvimento consistente e integrado para a Amazônia.
O atual governo, lentamente está conseguindo recompor as políticas de proteção ambiental na região, mas ainda não se dispôs a estimular e financiar uma política de desenvolvimento social e econômico integrada aos seus processos culturais e ecológicos e às suas vocações regionais. Política que também possibilite a transição de suas matrizes industriais à Era da sustentabilidade. Os Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio do Brasil ainda não compreenderam que o futuro do Brasil depende mais da Amazônia que da Avenida Paulista. O impacto da implantação da nova política tributária brasileira na matriz econômica do Amazonas gera muitas incertezas no futuro de seu polo industrial. Questão reincidente há mais de cinquenta anos, que pode ser expressa pelo clichê: O Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia?
Há outros agravantes: os estados da região também não têm políticas de desenvolvimento consistentes e os empresários, sem alternativa, continuam defendendo as suas sobrevivências econômicas participando de modelos obsoletos cujos fundamentos encontram-se desalinhados da modernidade. Em geral, as políticas públicas na região não funcionam e os seus arranjos produtivos não se encontram integrados a uma política econômica regional e nacional. As autoridades das instituições públicas não conseguem e não querem mobilizar os seus ‘pares’ para um processo contínuo de discussão e organização de proposituras para a solução dos problemas estruturantes da região. Muitas acreditam que possam resolvê-los somente por meio de decretos, resoluções, editais e portarias. Por outro lado, os governos dos países centrais e, também, as Organizações Não Governamentais têm projetos para o desenvolvimento da Amazônia. Em contraponto aos contínuos assédios e intervenções que colaboram para a sua destruição ecológica por razões já esclarecidas em artigos desta série já publicados. O fato é que há contínuo crescimento da miséria social e da destruição ecológica na região.
A incompreensão e a tirania contra a Amazônia se remete à época de sua colonização. A negação de suas culturas e o uso e a ocupação de seus ambientes pelo colonizador e os seus seguidores, muitas vezes, assumiram proporções sanguinárias, esquizofrênicas e devastadoras. Estes são alguns dos fundamentos que ainda têm guiado a implantação e a construção de modelos de desenvolvimento na região. O livro “Tesouro Descoberto no Rio Amazonas” escrito na prisão entre 1757 e 1776, pelo Padre João Daniel, descreve os princípios-guia com várias ilustrações sobre o processo de construção de um modelo de desenvolvimento para a Amazônia.
Mostra como integrá-la por meio de sua tecnologia naval, e a necessidade de construir uma política de segurança alimentar e habitacional para proteger as suas populações. Apresenta um esboço plausível sobre as formas de explorar os recursos naturais da Amazônia em forma integrada aos seus ambientes e às suas culturas. Na contramão da história colonial, à época, corajosamente, também, defendia a liberdade dos povos originários. Pode-se afirmar que o Padre João Daniel (1722-1776), da Companhia de Jesus, construiu, em forma consistente, o primeiro design de uma proposta de desenvolvimento econômico e social, em bases sustentáveis, para a Amazônia. Por sua postura crítica e inovadora, junto com outros jesuítas, João Daniel foi expulso da Amazônia em 1757, preso em presídios portugueses, torturado e afastado definitivamente do convívio social pelos poderes imperiais e eclesiásticos vigentes naquele período histórico. Morreu em 1776, confinado na fortaleza de São Julião. A obra de João Daniel apresenta elementos fundamentais para a construção de um futuro próspero para a Amazônia. No contexto da época, protegeu e promoveu as culturas e os ambientes amazônicos e, simultaneamente, mostrou como desenvolver esta região em bases sustentáveis.
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O último presidente do Brasil acelerou a destruição cultural e ecológica da Amazônia em proporções nunca registradas desde o advento da República brasileira. Assediou, também, a Zona Franca de Manaus constrangendo os seus trabalhadores e os empresários locais. Período de trevas, difícil e agravado pelos experimentos clínicos realizados pelo sistema de saúde federal no combate à pandemia da covid-19 junto à população amazonense. Experimentos que contaram com o uso de medicação sem efeito comprovado e a falta de assistência médica e de oxigênio nos postos de saúde resultando numa dos maiores taxas mundiais de mortalidade pela covid-19. Quadro político, que infelizmente foi referendado pelo governo estadual e os parlamentos estaduais e municipais. À exceção dos senadores Omar Aziz, com uma atuação exemplar, e Eduardo Braga, e de quatro deputados, dois federais e dois estaduais, as vozes políticas locais se silenciaram. Que horror!!! Parecia um filme de terror protagonizado por um grupo político e que também contava com a participação de um segmento das forças armadas que insistia em vampirizar o sangue e as esperanças do povo e da juventude amazonense. Um grupo militarizado que comandava os destinos da Zona Franca e de outras instituições públicas do Amazonas por meio de clichês e o empreguismo desqualificado. Segmento antidemocrático que também se somava às forças das trevas e do golpismo que se aglomeravam nos portões dos quartéis e em espaços estratégicos de instituições públicas e privadas, da imprensa e da mídia clamando por ditadura e liberalismo absoluto. O fascismo, as psicopatias, as alienações, a rudeza intelectual, os assédios doentios ainda continuam guiando muitos representantes deste tipo de conduta anticivilizatória, vários ainda infiltrados em instituições amazonenses, camuflados pelo uso do óleo de peroba e de peles de cordeiros. Quadro que, em âmbito nacional, se desdobrou numa recente e nova tentativa de golpe civil e militar em Brasília. Que tragédia!!! Constata-se que muitos inimigos da Amazônia encontram-se nela. Conspiram contra um processo democrático que alavanque a sustentabilidade plena da Amazônia, em âmbito local e global.
A Amazônia, em especial o formato e a existência institucional da Zona Franca de Manaus, apesar de garantidas pela constituição brasileira, têm sido muito dependente dos humores políticos do governo brasileiro. O governo do presidente Lula ainda encontra-se em processo de organização política e de reconstrução das políticas públicas federais na região. Mas, a Amazônia continua morrendo. Quem a salvará? Quando? Como? Mas, Lula tem insistido sobre o seu plano de governo, também, se guiar pela ‘reindustrialização verde do Brasil’. O fortalecimento das relações diplomáticas entre ‘Brasil e China’ põem elementos novos neste cenário promissor. O seu discurso global focado no desmatamento zero e na preservação da Amazônia deveria, também, estar centrado nos apelos para que os grupos transnacionais façam investimentos em empreendimentos sustentáveis nesta região, em especial no Estado do Amazonas. Na Amazônia, preservar sem desenvolver é uma ficção que pode se transformar numa tirania contra as suas populações. E vale também o contrário: desenvolver preservando é um imperativo regional e global. Este quadro de referência deveria guiar as ações políticas dos governantes amazônicos principalmente aqueles que continuam apoiando atividades ilícitas na região.
Os artigos anteriores, este décimo nono artigo e os sete seguintes, mostram porque o compromisso político da ‘reindustrialização verde do Brasil’ tem que começar na Amazônia, em especial no estado do Amazonas. Indicam novos caminhos e estratégias políticas e econômicas para implantar um modelo de desenvolvimento sustentável consistente e duradouro na Amazônia, tirando-a das estatísticas das regiões mais miseráveis e desprotegidas, social e ambientalmente, do planeta. A frase é um clichê, mas é verdadeira: Não há futuro para o Brasil sem o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E é também verdadeiro que não há futuro para o Amazonas com a sua atual política de desenvolvimento dependendo exclusivamente deste modelo de Zona Franca, refém da burocracia niilista e desprovida de agentes formuladores de novas propostas econômicas estruturantes inovadoras para a Amazônia. Uma política industrial moderna e consistente, um sistema tributário e fiscal alinhado às demandas científicas e tecnológicas exigidas, simultaneamente, pela sustentabilidade amazônica e global, e a construção de mecanismos operacionais que alinhem a sua matriz industrial à preservação da região são prioridades prementes. Somente o seu adensamento, termo difuso e confuso, não resolve esta questão estruturante. Por outro lado, a não identificação dos erros cometidos no passado gera uma autovitimização inconsequente.
O novo Superintendente da Zona Franca, Bosco Saraiva tem grandes desafios, entre os quais destaco: a desmilitarização e a democratização da instituição, a organização de um plano de metas e de modernização da instituição, a institucionalização dos fundamentos da Era da sustentabilidade à matriz industrial local e aos arranjos produtivos municipais. Precisa, também, rapidamente reaglutinar uma equipe técnica capacitada e interdisciplinar desta instituição. Em nenhum momento, em especial nesta Era de transição científica e tecnológica, Bosco Saraiva pode deixar que a Suframa, instituição pública, se transforme num cabide de emprego de indicações políticas desqualificadas. Deve estabelecer um diálogo direto com os grupos de pesquisa em ciências aplicadas e tecnologias das universidades locais e estabelecer novas cooperações internacionais em setores industriais e comerciais estratégicos ao Amazonas. Deve, também, coordenar uma sinergia política que colabore para a nucleação de entidades promotoras de pesquisa e desenvolvimento, nacionais e internacionais, em Manaus, tipo: BNDS, FINEP, CNPq, Fundo Amazônia, SUDAM, Banco Mundial, INPE, Instituto Rio Branco, entre outras. Por outro lado, Bosco Saraiva, político amazonense experiente, precisa imprimir transparência às ações da Zona Franca, desconstruir este emaranhado de armadilhas que tem guiado as gestões anteriores. Esclarecer tecnicamente e colocar, com as devidas retificações, a Portaria ME/SUFRAMA nº 9.835, de 17.11.2022, acessível a todas as instituições de ciência e tecnologia, públicas e privadas, do Amazonas. Esta Portaria dispõe sobre o Plano de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I; a apresentação e julgamento dos projetos de PD&I; e os procedimentos para o acompanhamento e a fiscalização das obrigações previstas no art. 5º do Decreto nº 10.521, de 15.10.2020.
No Amazonas, o acesso ao financiamento público de projetos de ciência e tecnologia por meio de Fundos Setoriais constitucionais sob a coordenação da Suframa tem sido privilégio de grupos minoritários. Esta dimensão da Zona Franca precisa, também, ser democratizada em benefício da juventude e do desenvolvimento do Amazonas. O tempo longo tem demonstrado que somente a Zona Franca, na forma em que ela se apresenta, não dá conta do desenvolvimento social e econômico do Amazonas. A evolução econômica dos indicadores econômicos e sociais do Amazonas comprova esta premissa. Mudanças estruturantes são necessárias e urgentes, em especial às suas novas articulações com os arranjos produtivos municipalizados conforme mostrado nos artigos 14-15/30, contexto no qual a implantação dos núcleos municipais de inovação assume importância singular. Embora esta dificuldade não justifique o imobilismo e a desarticulação política e executiva dos governos estadual e municipal na operacionalização das políticas públicas.
Mas, a questão central pode ser posta da seguinte forma: Qual é a importância da Zona Franca de Manaus para a construção de uma política de desenvolvimento sustentável para o estado do Amazonas? Como organiza-la para que ela se transforme num modelo econômico estruturante para o desenvolvimento sustentável deste estado? Como ampliar o seu alcance social e econômico reduzindo a crescente desigualdade social na região? Como municipaliza-la em bases sustentáveis, conforme expresso nos textos 14 e 15 desta série de publicações. Este décimo nono e os próximos sete artigos analisarão estas questões-chave e estratégicas ao futuro-próximo do estado do Amazonas. Questões que põem novos desafios aos gestores públicos e aos empresários e abrem novas oportunidades para a sustentabilidade do Brasil e do Mundo.
Antes de abordar estas questões farei um breve comentário sobre o Relatório do Banco Mundial divulgado em Maio de 2023, que apresenta apreciações confusas, rasas e preconceituosas sobre a Zona Franca de Manaus. Comentarei apenas o princípio-guia deste Relatório intitulado: “A Balancing Act for Brazil’s Amazonian States: An Economic Memorandum”. Este documento não apresenta nenhuma novidade econômica ou política à região. O Relatório, divulgado em Maio deste ano, também se apoiou no isolamento internacional e na fragilidade política do ex-presidente do Brasil que não tinha compromissos com a sustentabilidade da Amazônia.
A equipe do Banco Mundial que organizou este Relatório, esclarece, em suas próprias palavras, que: “Esta obra foi produzida pelo pessoal do Banco Mundial com contribuições externas. As constatações, interpretações e conclusões expressas nesta obra não refletem necessariamente as opiniões do Banco Mundial, de seu Conselho Diretor, ou dos governos que representam. O Banco Mundial não garante a exatidão, integralidade ou atualidade dos dados apresentados nesta obra, tampouco assume responsabilidade por quaisquer erros, omissões ou discrepâncias nas informações, ou pelo uso ou omissão de informações, métodos, processos ou conclusões. As fronteiras, cores, denominações e outras informações apresentadas nos mapas desta obra não indicam nenhum julgamento do Banco Mundial sobre a situação jurídica de qualquer território, nem o endosso ou a aceitação de tais fronteiras. Nada aqui constitui ou pode ser considerada uma limitação ou dispensa dos privilégios e imunidades do Banco Mundial, os quais são especificamente reservados.” (ver a folha de catalogação do relatório). Portanto, há omissão técnica assim como irresponsabilidade política em se divulgar um Relatório (do e pelo Banco Mundial) sem concretude e responsabilidade institucional. Trata-se de um desserviço público, que demonstra o grau de perversidade e incompetência técnica de seus autores e do próprio Banco Mundial. Os seus responsáveis deveriam ser interpelados judicial e politicamente. E ponto final.
As questões de produtividade, eficiência, incentivos fiscais, tributos federais, formato institucional da Zona Franca e congêneres, geração de empregos, preservação da Amazônia, sustentabilidade, mudanças climáticas, novos arranjos produtivos, agrobusiness, desmatamento, garimpo ilegal, tráfego de drogas e animais silvestres, ilícitos na região, governança e gestão ambiental e florestal globalizada, entre outras são apenas pano de fundo para o controle internacional sobre a região, na perspectiva do Banco Mundial e de quem ele representa, majoritariamente. Por que o Banco Mundial não sedia uma representação em Manaus, e discute com os atores locais um plano de desenvolvimento sustentável para o Amazonas? Simples e legítimo. Entretanto, a macro e a microeconomia do Banco Mundial não alcança os atributos humanos e as culturas amazônicas. O silêncio dos agentes públicos nacionais também é preocupante. Precisamos estar atentos, pois continuamos sós.
O Estado do Amazonas abriga a maior floresta tropical e a mais complexa bacia hidrográfica do planeta. Sua grandiosidade territorial abraça mais de setenta diferentes povos e culturas que iluminam suas representações materiais e simbólicas, e se põem como elementos imprescindíveis à construção de sua sustentabilidade local e global. A importância cultural e ecológica do Amazonas já foi descrita nos textos anteriores.
A partir de 1967, instalou-se na Amazônia ocidental, a Zona Franca de Manaus, linha de montagem e corredor de exportações dos maiores grupos eletroeletrônicos transnacionais presentes no Brasil, nas décadas dos anos setenta e oitenta. Atualmente esta matriz industrial produz mais de 90% do Produto Interno Bruto do Amazonas. Este projeto que mobilizou e mediou um conjunto de interesses da elite financeira brasileira, continua contribuindo para movimentar a economia desta região, em especial no estado do Amazonas. A concentração da matriz industrial deste projeto de desenvolvimento em Manaus e a sua pequena institucionalidade física, econômica e social nos municípios contribuem para a sua desconexão com as políticas públicas da região sob sua influência. O seu distanciamento tecnológico de a grandeza cultural e ecológica da região também conspira contra o seu enraizamento local.
Grupos transnacionais sediados na Zona Franca de Manaus desde a primeira década deste século. Fotos apresentadas no site da Suframa em diferentes tempos
Este quadro agrava-se com o desinteresse e a não obrigatoriedade dos grupos transnacionais investir em pesquisa básica e aplicada avançada e no desenvolvimento de novos processos de gestão e inovação de produtos hightech, em suas plataformas e redes locais. No limite, em alguns casos, desenvolvem pesquisas coordenadas por laboratórios sediados no exterior. Em outras situações lançam programas de pesquisas ‘requentados’. ABRA OS OLHOS AMAZONAS!!! Este quadro precisa mudar com uma nova política industrial para esta plataforma tecnológica. A implantação de laboratórios de pesquisa – principalmente nas áreas de física e química atômicas, fotônica, cibernética, instrumentação científica fina, novos materiais, engenharia eletrônica, energia limpa, tecnologias culturais, robótica, bioindústria e design – pelas indústrias da Zona Franca de Manaus é estratégica e imprescindível ao seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sem esta dimensão científica continuaremos sendo um centro de montagem de produtos descartáveis. Em mesmo grau de importância devem-se ser materializadas as suas parcerias com os grupos de pesquisa consolidados das instituições regionais.
Amazonizar a Zona Franca de Manaus é uma dívida política dos governantes, do estado nacional e dos empresários com a juventude e a população da região. Um marco científico e tecnológico para que a Amazônia se liberte do atraso social e econômico e qualifique melhor as suas contribuições materiais e simbólicas para o aperfeiçoamento das sociedades e da humanidade. A inexistência de proposta alternativa ao desenvolvimento do Amazonas, consistente e integrada à região, contribui para as consecutivas chantagens políticas contra os seus trabalhadores e empresários por grupos econômicos das regiões sul e sudeste brasileiras, principalmente. Por outro lado, o discurso empresarial regional que a matriz industrial impede o desmatamento regional soa, também, como uma chantagem política. A realidade, por si só, tem desconstruída esta hipótese.
Em forma ampla, a gênese e o design da Zona Franca de Manaus contribuem para a sua desconexão com as políticas sociais e econômicas do Amazonas, em bases sustentáveis. A passagem desta matriz de montagem de produtos para uma plataforma de inovação, em bases sustentáveis, requer medidas audaciosas dos governos regionais, do estado nacional, dos sindicatos dos trabalhadores e da classe empresarial.
Por outro lado, sua matriz energética relativamente limpa, seu baixo impacto ambiental, a diversificação dos seus processos industriais e programas de gestão, e a geração de mais de 120 mil empregos diretos e 500 mil indiretos no Brasil são aspectos positivos que fortalecem o atual modelo. Ele, também, poderá ter um papel importante para a construção de inovações voltadas ao uso e à conservação da cobertura vegetal na região, em particular no Amazonas, estado com mais de 95% de 1.570.745,680 km2 de suas florestas primárias preservadas. Alinhar as tecnologias da matriz industrial de Manaus ao desenvolvimento de novos produtos da floresta, mantendo-a em pé, também, se põe como um desafio à Nova Zona Franca. Reafirmo que a sua existência institucional não está sendo obstáculo ao intenso processo de desmatamento em curso no estado. Há controvérsias sobre o grau de importância e de intensidade de seu atual modelo para a preservação do Amazonas. Esta é outra questão que precisa ser desmistificada.
Entretanto, a contabilidade da Zona Franca encontra-se em pleno declínio desde 2014. A geração de cerca de US$ 38 bilhões na Zona Franca de Manaus em 2013 reduziu para cerca de U$22.81 bilhões em 2020, com impactos recessivos nas políticas públicas nas regiões sob sua influência política e econômica. A ausência de uma matriz científica e tecnológica consistente na região, a péssima logística e a crescente dificuldade em inovar localmente os seus processos produtivos básicos, a dificuldade política e operacional em posicioná-la no mercado global, e uma força de trabalho desalinhada das novas formas de fazer-operar e da gestão globalizada têm diminuído a sua capacidade de competitividade em âmbito internacional. A covid-19 agravou a crise deste polo de desenvolvimento com a demissão de milhares de trabalhadores. A extensão desse cenário recessivo ainda precisa ser mensurada.
Os registros contábeis deste polo de desenvolvimento mostram que ele já lucrou mais de US 600 bilhões (em valores atualizados) desde a sua implantação em 1967, e ainda não tem uma plataforma de laboratórios de pesquisa e inovação na região para dar suporte às suas atividades de inovação aos processos produtivos. Seus vultosos lucros transbordam para o exterior sem compromissos duradouros com o combate às crescentes desigualdades sociais e com o futuro tecnificado e sustentável da região.
Atualmente, Manaus é a cidade-capital com o terceiro pior índice de miséria e o segundo índice de favelização do Brasil. A naturalização da miséria humana absoluta pelos seus governantes, fóruns políticos e gestores públicos transformaram este ‘paraíso’ no ‘inferno’ de Dante Alighieri. O processo de pauperização já entranhou no tecido social e econômico da Amazônia, principalmente no Estado do Amazonas. Os gestores públicos e os empresários esclarecidos precisam tomar medidas urgentes para reverter este quadro social mórbido. Afinal de contas, a Zona Franca de Manaus, subvencionada com tributos públicos, não foi criada para promover o desenvolvimento social e econômico do Amazonas?
Quando se compara a qualidade de vida de Manaus do início do século passado com a atual, constata-se como a gestão política de uma plataforma de ciência e tecnologia pode se transformar numa arma contra os cidadãos. Em outras palavras: como a incompetência governamental – política e econômica – salvo em raros períodos, pode contribuir para a construção de tanta miséria e desesperança. E atenção: no início do século nasceram a Universidade Federal do Amazonas e as respectivas academias e institutos de ciências, letras e geografia do Amazonas, criados pelos seus pioneiros para enfrentar os grandes desafios da região. Juntas com os povos originários, estas instituições e as demais congêneres criadas posteriormente são as nossas últimas resiliências ao capitalismo predatório que destrói as ecologias, as culturas e as manifestações compartilhadas de acolhimentos e pertencimentos amazônicos.
Portanto, embora este Polo Industrial de Manaus (PIM) se globalize a custa de incentivos fiscais e de processos tecnológicos com inovações desenvolvidas nos laboratórios das matrizes das indústrias transnacionais, o governo brasileiro não tem potencializado, com a intensidade necessária, outras formas de desenvolvimento para a região. Após mais de cinquenta e cinco anos de existência, a eliminação dos seus incentivos fiscais colocará em xeque o futuro de desenvolvimento econômico deste estado, com impactos devastadores em suas políticas públicas, especialmente em suas políticas básicas assim como nas de proteção ambiental e em seus arranjos produtivos.
Por outro lado, à medida que ele se fortalece, expandindo e ampliando as suas atividades comerciais, a miséria social cresce em proporções alarmantes. Isto se deve a várias causas internas e externas ao modelo. Uma tragédia política e econômica que parece não ter fim.
No plano interno, há várias alternativas que contribuem para este quadro dependente e esta realidade trágica, constrangedora e não republicana, dentre as quais destaco duas: a incompletude do modelo industrial; e o engessamento político dos governantes – há, também, a composição destes dois fatores. O termo engessamento político refere-se à total dependência de seus governantes por programas e iniciativas federais. A migração regional também colabora para esta tragédia social: mais de 50 mil pessoas migram anualmente para o Estado do Amazonas, maioria iletrada ou com uma educação formal técnica precária (este dado precisa ser atualizado). Enfim, há também elementos técnicos que precisam ser resolvidos por seus governantes em outras instâncias políticas. Portanto, há muitos desafios para efetivar a sustentabilidade amazonense, em âmbito local e global, simultaneamente.
O processo de globalização da Zona Franca de Manaus precisa ser esclarecido. Desde as décadas dos anos oitenta e noventa, a ‘Zona Franca de Manaus’ sempre se impôs sobre o modelo de desenvolvimento do Amazonas. Embora exista crescente desconexão política e econômica entre este projeto em processo de anacronismo e a política de desenvolvimento estadual, em bases sustentáveis. Em dois capítulos do livro recentemente lançado nos Estados Unidos “Who Will Save Amazonia: World Heritage or Full Destruction”, Nova Science Publishers, 2021, Marilene Corrêa da Silva Freitas analisa e explica como a globalização abraçou e configurou a Amazônia desde a década dos anos setenta. Mostra como os grupos transnacionais e as Ongs subverteram o futuro da economia regional e os seus desígnios culturais aos processos mundiais descompromissados com uma ética situada e globalizada, simultaneamente.
A importância da Amazônia para o Mundo, como já demonstrada, desencadeia um conjunto de chantagens políticas dos sucessivos governos federais e estaduais, dos sindicatos e da classe empresarial brasileira diante das dificuldades em superar os limites econômicos e políticos do referido modelo. Optam pela manutenção de seu formato institucional e a continuidade do processo de construção das crescentes desigualdades sociais regionais, em nome da preservação da Amazônia. Decisão política equivocada e conveniente que precisa ser esclarecida, e ressignificada com a expansão e a qualificação do modelo, o uso sustentável da Amazônia e a eliminação das desigualdades sociais, simultaneamente.
Há, também, excelentes exemplos bem-sucedidos. Citarei quatro deles, materializados em diferentes tempos e contextos desde o início deste século 21. A política cultural do Amazonas, liderada por Robério Braga onde se destacam os festivais de ópera, jazz, música, teatro, etc. Enfim, as manifestações culturais atualmente acessíveis e compartilhadas por todas as pessoas interessadas, uma marca de suas gestões que orgulha o Amazonas. São arranjos produtivos inovadores e produzidos integralmente no Amazonas, desde as suas concepções às suas operacionalizações, em laboratórios inventados e organizados para este tipo de pesquisa.
O segundo exemplo refere-se à implantação e organização da Universidade do Estado do Amazonas, UEA, por Lourenço Braga e, posteriormente por Marilene Correa da Silva Freitas. Os fundamentos e os mecanismos operacionais desta Universidade totalmente idealizada e organizada sob a coordenação do Professor Lourenço Braga compõem uma plataforma de educação superior diferenciada e incomparável no cenário educacional brasileiro. Certamente, trata-se da principal invenção institucional da educação brasileira desde a instauração da República Brasileira. Num período de sete anos após a sua criação, a UEA, totalmente interiorizada e vocacionada, alcançou cerca de 50 mil alunos matriculados regularmente e um efetivo de mais de 1200 professores em atividade contínuo, já na gestão de Marilene Corrêa. Na condição de ex-aluno da Universidade de Brasília, implantada por Darci Ribeiro, posso afirmar que a grandeza, os desafios e o alcance político, econômico e social da UEA são incomparáveis e suplantam todas as experiências estruturantes anteriores de ensino superior. Trata-se de um exemplo virtuoso à Amazônia e ao Brasil. O Brasil tem uma dívida histórica com os seus criadores e gestores que lhe deram uma identidade e uma organização institucional diferenciada e exitosa.
O terceiro exemplo refere-se ao sistema de ciência e tecnologia do estado do Amazonas organizado a partir de 2003 pela Professora Marilene Corrêa da Silva Freitas. Este Sistema compunha-se da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, SECT, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, FAPEAM, e do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas, CETAM. Este sistema de ciência e tecnologia tirou o Amazonas da posição de lanterninha no ranking nacional de número de profissionais pós-graduados elevando-o à posição de décimo lugar em 2010-2011. Criou as condições de fomento e apoio logístico à ampliação e ao aperfeiçoamento da pesquisa básica e aplicada no Amazonas. Contribuiu, também, para a incorporação da ciência e da tecnologia às políticas públicas do Amazonas. Desde então, o Amazonas passou a compor um quadro de referência nacional para os sistemas de gestão e fomento da ciência brasileira.
Finalmente, tem-se o exemplo virtuoso da criação e implantação, em Manaus, da primeira Universidade Aberta da Terceira Idade, FUnATI, pelo Dr. Euler Ribeiro. Iniciativa guiada pela solidariedade e a competência gerencial e acadêmica de Euler, constitui uma plataforma de educação para pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Instalada inicialmente como Núcleo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em 2018 foi legitimada pela Assembleia Legislativa do Amazonas como uma Fundação da Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI), devido a relevância de suas atividades institucionais em prol da população da terceira idade do estado do Amazonas. Em menos de 10 anos desde a sua criação, o Reitor Euler Ribeiro consolidou a sua existência com articulações em vários municípios amazonenses e inúmeras parcerias nacionais e internacionais. Atualmente tem mais de 3 mil alunos matriculados regularmente, para os quais oferece cursos e atividades laboratoriais que abarcam desde a formação cultural, ao atendimento médico, e à formação técnica que resultem em melhor qualidade de vida, em forma sustentável e compartilhada. Euler reafirma a máxima que a vida é para ser vivida em forma prazerosa desde o primeiro suspiro à despedida ao mundo celestial. FUnATI, uma dádiva ao povo amazonense.
Os gestores públicos do Amazonas, em particular os da Zona Franca de Manaus deveriam se mirar nestes exemplos atuais e bem-sucedidos. O sucesso de um empreendimento inovador depende muito do preparo técnico e também da independência e da generosidade institucional de seu gestor. Os quatro exemplos citados são matrizes de sustentabilidades ao desenvolvimento regional. Ainda há tempo para injetar prosperidade ao futuro social e econômico do Amazonas a partir da Zona Franca de Manaus.
Neste sentido, há dois desafios que se apresentam em forma entrelaçada e dinâmica. Como modernizar os fundamentos, as diretrizes e os mecanismos operacionais do modelo “Zona Franca de Manaus” numa perspectiva integradora à Política de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, a partir da Amazônia. Em outra forma: como construir uma política de desenvolvimento sustentável para o Amazonas incorporando em seu design e em suas diretrizes, os fundamentos e os mecanismos operacionais de uma nova Zona Franca de Manaus? Este não é um problema para a filosofia, nem tão pouco para a economia. Este é um desafio para as ciências políticas.
Para melhor compreensão sobre as análises apresentadas, farei breves comentários sobre aspectos relevantes da macroeconomia contemporânea.
Desde o passado remoto, o nacionalismo brasileiro tem conspirado contra o desenvolvimento da Amazônia, em especial do Amazonas. Torna-se premente implantar a sua política de desenvolvimento sustentável centrada em elementos universais, mas assentada em suas potencialidades e diversidade culturais e ecológicas, além do PIM, e no mesmo grau de importância global da Amazônia.
Os atuais modelos de desenvolvimento ocidentais têm algumas similaridades e pressupostos: inserem-se em processos democráticos – guiados pela educação, a ciência e a tecnologia – e dialogam diretamente com a sociedade e o mercado por meio de suas políticas públicas e os seus fóruns políticos. Com a emergência do paradigma da sustentabilidade eles têm incorporado dois novos fundamentos estruturantes: os arranjos produtivos, simultaneamente, situados e globalizados, e os compromissos de atendimento às necessidades humanas básicas imediatas e, no tempo longo, a garantia da perenidade da humanidade e do planeta.
Estes modelos têm privilegiado as políticas públicas de segurança alimentar, de saúde preventiva e curativa, de educação pública e com qualidade, de emprego pleno, de proteção ambiental, de segurança e controle social, as parcerias público-privadas, e os programas de ciência e tecnologia estratégicos aos países. Os especialistas têm construído mecanismos econômicos e políticos para libertá-los do anacronismo nacionalista e do capital predatório.
As suas existências e intervenções têm movimentado os seguintes fundamentos e exigências: consenso político, recursos humanos especializados, disponibilidade de capital, diversidade empresarial, relações internacionais, controle sobre fontes de recursos naturais, logística e metas de produtividade e eficiência e, também, o combate às desigualdades sociais, às mudanças climáticas e à injustiça ambiental, em bases sustentáveis e globalizadas. Em certa forma, a ecologia foi incorporada aos arcabouços estruturais dos atuais modelos de desenvolvimento dos países centrais.
Este novo ordenamento dos modelos de desenvolvimento resultaram em novas formas de organização das sociedades, do mercado e das relações das pessoas com a natureza. Tem demandado tecnologias limpas; produtividade eficiente e eficaz; políticas industrial, fiscal e tributária atualizadas e flexíveis; descentralização e diversificação do capital e dos parques industriais; e novas profissões e formas de comunicação. A economia-guia deste novo ordenamento se materializa no formato de camadas sobrepostas que incorporam, em forma ponderada, desde as respectivas conquistas civilizatórias do passado remoto às vigentes atualmente.
A complexidade deste quadro de referência envolvem logísticas sofisticadas; fluxos de capital intensivo; políticas fiscal, monetária e comercial flexíveis; plataformas e redes de globalização; inovações e empreendedorismos contínuos; vantagens comparativas e uma estatização moderada.
Um elemento estratégico e necessário para o sucesso de um modelo de desenvolvimento econômico moderno é a sua política industrial. Em geral ela considera os setores econômicos estratégicos à região e ao país, as vantagens comparativas e as restrições, as prospecções promissoras e as estratégias comerciais, em todas as escalas do produtor e do consumidor. Seu sucesso pleno também depende do estado nacional ou regional facilitador, de disponibilidade de financiamentos estratégicos, de estabilidade institucional, de pesquisa básica e aplicada, das tecnologias de informação e comunicação ágeis e acessíveis, de tecnologias de produção e de mercado de produtos assim como de inovações e logísticas complexas. Todos estes elementos permeados pelos mecanismos de desenvolvimento limpo e os processos de globalização. Neste universo complexo não há lugar para a incompetência gerencial, o clientelismo político e a endogenia doentia. O insucesso nunca é premiado e cultuado. Não há lugar para a filosofia do ufanismo, da incompetência e da bajulação.
Os modelos de desenvolvimento dos países centrais adquiriram graus de especialização tão sofisticados e estratégicos que exigem as parcerias dos estados-nacionais em seus investimentos e financiamentos para as suas contínuas inovações, apropriações e inserções em suas políticas públicas. Para ilustrar cito a intervenção estatal em vários países. O Japão e os seus apoios à sua indústria naval, à mineração, à indústria têxtil, entre outras; a Alemanha no financiamento nacional aos projetos de infraestrutura, à sua indústria de base, entre outras; a França e os seus financiamentos aos contratos públicos; a Inglaterra e os seus financiamentos aos contratos públicos e aos de defesa nacional; os Estados Unidos e o seu financiamento aos contratos de defesa nacional e os de transporte, entre outros. Por que o governo brasileiro não financia o desenvolvimento sustentável da Amazônia?
As mudanças climáticas introduziram novos diferenciais nestes modelos de desenvolvimento. Emergem tendências para a governança global e o novo ordenamento político e econômico mundial centrado na diversidade socioambiental e nas ciências e tecnologias compromissadas com o mercado verde. Essa conjuntura complexa tem incorporada a Amazônia em suas bases existenciais numa posição política estratégica para a perenidade do planeta e da humanidade.
A Zona Franca de Manaus, incluindo o Centro de Biotecnologia da Amazônia, CBA – atualmente denominado Centro de Bionegócios da Amazônia – insere-se nesta conjuntura global demandando novas formas de organização e operação. Como utilizar a experiência exitosa acumulada pela Zona Franca para transformá-la num instrumento imprescindível ao desenvolvimento sustentável do Amazonas? Em outras palavras: Como garantir que a sua institucionalidade, desde a sua existência como centro comercial à zona de montagem de mercadorias e dispositivos hightech materialize-se, em médio prazo, na principal matriz global geradora de mecanismos de desenvolvimento limpo e de sustentabilidades? Estas questões serão analisadas no próximo texto.
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