Esclareço aos leitores que vários textos publicados nesta série intitulada “Uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos: O Estado do Amazonas, um caso ilustrativo” se baseiam em pesquisas publicadas em livros e jornais especializados internacionais, nas quais me identifico como autor principal, detentor dos respectivos direitos autorais. Eles têm livre circulação neste espaço editorial, mas os seus usos em outras publicações editoriais exigem as suas respectivas identificações e citações conforme divulgados neste Blog do Francisco.
Esclareço, também, que a análise dos fundamentos e dos mecanismos operacionais das matrizes industriais modernas é complexa. A sua excessiva simplificação banaliza e confunde os leitores, especialmente a juventude, distribuindo falsas facilidades numa área de produção da humanidade que abarca estudos e aplicações técnicas e culturais civilizatórias, acumuladas por meio de camadas superpostas e entrelaçadas entre si. Este quadro de referência exige, principalmente, esclarecimento e experiência técnica dos gestores públicos e privados.
Conforme mostrado nos artigos anteriores, encontra-se em curso um novo ordenamento econômico e político em âmbito mundial. A emergência de uma nova métrica política baseada, simultaneamente, no tempo breve de atendimento às necessidades humanas básicas assim como no tempo longo associado à preservação ecológica do planeta tem papel relevante na legitimação histórica deste reordenamento. Conjuntura política que valoriza os empreendimentos sustentáveis, desde o local ao global. Este quadro de referência requer a ressignificação dos conceitos de cidadania e desenvolvimento econômico (Freitas e Silva Freitas, 2013). Ele, também, exige mais cooperação internacional e uma regulamentação inovadora e diferenciada do mercado financeiro global. O Financial Stability Board (FSB) é uma instituição-chave neste processo, embora ela esteja mais preocupada com os efeitos e não com as causas da crise econômica mundial.
Eric Helleiner (2011) explica a importância do FSB neste cenário econômico e financeiro global, e destaca o papel do G20 na formação de um novo consenso sobre a regulação dos mercados financeiros internacionais. Helleiner destaca os objetivos macro-prudenciais para evitar os grandes riscos financeiros sistêmicos e os esforços do FSB para construir uma regulação mais eficaz das instituições financeiras. Ele também apresenta as novas leis que abrangem as complexidades financeiras e econômicas emergentes, e as justificativas para uma regulamentação e uma supervisão mais eficaz e rigorosa do sistema bancário paralelo, entre outros problemas secundários. É importante constatar que os especialistas em macroeconomia não percebem o sistema financeiro como uma das principais fontes dos processos econômicos e políticos que constroem a pobreza e a degradação ambiental mundial. Eles insistem em uma concepção econômica que potencializa uma sustentabilidade excludente, como se existisse uma sustentabilidade para os pobres e outra para os ricos. Mas, gradualmente, o FSB, também, tem incorporado a sustentabilidade compartilhada em suas decisões e deliberações.
O crescente fluxo financeiro do ocidente ao oriente pôs novos elementos neste processo econômico mundial. Embora a preservação do meio ambiente e a pobreza ainda não sejam preocupações centrais para as instituições globais que controlam a produção, circulação e reprodução do capital, as sociedades organizadas têm exigido a inclusão da sustentabilidade nas políticas públicas. Isso significa que condições estruturais estão sendo construídas para um quadro social e econômico que incorpore a sustentabilidade como um dos seus fundamentos. A crise das políticas sanitárias dos estados nacionais, a recessão econômica mundial provocada pela covid-19 e pelas guerras e as mudanças climáticas potencializaram novos arranjos produtivos e novas cooperações internacionais. Multiplicar, integrar e politizar as redes sociais e econômicas e as novas formas de organização dos grupos sociais contribuem para a instauração de um novo contrato natural global.
As matrizes industriais, o mercado e as instituições financeiras se encontram em processo de adequação a este novo quadro global. Em conjunturas ponderadas pelos estados nacionais e pelas relações de poder em âmbito regional. O capitalismo periférico também está fazendo os seus ajustes estruturais e sistêmicos aos seus centros operacionais.
O desenvolvimento sustentável constitui um eixo-motor desta nova conjuntura global que reserva um papel estratégico à Amazônia, em especial, ao estado do Amazonas. A Zona Franca de Manaus, incluindo o Centro de Bionegócios da Amazônia-CBA, insere-se nesta conjuntura demandando novas formas de organização e operação. É importante frisar que este quadro econômico local se dá numa escala sem impacto na economia global, mas torna-se significativo diante da fragilidade econômica e do atraso científico, tecnológico e social do Amazonas.
As cooperações financeiras internacionais para combater a emergência climática por meio do seu desmatamento zero e de sua sustentabilidade têm que ser coordenadas e manejadas por instituições público-privadas sediadas em Manaus e em Belém, majoritariamente. Devem-se privilegiar a institucionalização da sustentabilidade aos fundamentos da Zona Franca de Manaus e os arranjos produtivos municipalizados por meio de parcerias das respectivas prefeituras com os segmentos empresariais, as Ongs e as instituições responsáveis pelos fundos de investimento pertinentes, sediados na Amazônia e sob o controle social. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social, BNDS, a Financiadora de Estudos e Projetos, a FINEP, a Sudam, as Representações da UNESCO, ONU e do FMI, o Fundo Amazônia, o Conselho Nacional de Pesquisa, CNPq e o Banco Mundial, entre outras, são instituições-chave neste processo que precisam ser parceiras da Amazônia, a partir dela. Atendendo, principalmente, as suas demandas públicas e privadas alinhadas à sua sustentabilidade, centrada em programas estruturantes de ciência e tecnologia municipalizados conforme discriminado nos textos 14 e 15. Construir a governança do desenvolvimento sustentável da Amazônia por meio de instituições sediadas fora dela é mais um engodo político inaceitável por suas sociedades e pelos seus segmentos políticos e empresariais. Da mesma forma, implantar programas científicos e tecnológicos internacionais, com financiamento público, na Amazônia sem uma discussão transparente e as participações oficializadas de suas instituições públicas e privadas é mais uma arbitrariedade e opressão política sobre os seus segmentos sociais e econômicos. O Governo federal, o Governo do Amazonas e a Zona Franca de Manaus precisam assumir o protagonismo deste processo de alcance global.
Preliminarmente à apresentação de outras propostas para a revitalização da Zona Franca de Manaus, encaminho ao leitor, um conjunto de esclarecimentos sobre a importância da educação ambiental e da bioindústria para a Amazônia, em especial sobre os seus fundamentos e as suas multidisciplinaridades. Os programas de educação ambiental, centrados na sustentabilidade amazônica, já foram analisados e propostos em textos anteriores desta série de publicação.
A Amazônia tem fortes conexões com a bioindústria. Os modelos de desenvolvimento econômico não podem continuar considerando a natureza como matéria-prima descartável. A degradação ambiental planetária tem estimulado a organização de novos arranjos produtivos. O meio ambiente e a reestruturação das políticas públicas são elementos-chave nesse processo que incorporou grandes desafios na última década. Mudanças climáticas, segurança alimentar, mecanismos de desenvolvimento limpo, saúde e qualidade de vida, novas políticas industriais, segurança energética, mobilidade urbana, entre outros, são questões interligadas à bioeconomia articulada à bioindústria, que desafiam os gestores públicos. A construção de soluções para os problemas colocados por esta nova agenda social, econômica e tecnológica global é fundamental para as novas formas de organização das sociedades e do mercado que estão em curso.
A educação ambiental é um elemento chave neste processo. Em linhas gerais, os conteúdos e as competências da educação ambiental abrangem os seguintes temas: Natureza e cultura, territórios e povos, economia e inovações tecnológicas, guerra e paz, serviços ambientais e desenvolvimento sustentável, artes e antropologia das técnicas, ética e políticas públicas, e outros temas secundários. Quatro textos anteriores desta série de publicações apresentam diversas propostas para a educação ambiental na Amazônia centrada em sua sustentabilidade e, simultaneamente, com nexos globais.
A construção de abordagens e metodologias que integrem esses temas, interna e externamente, e de acordo com os seus graus de relevância para cada sociedade e estado nacional, é um complexo desafio posto aos especialistas em educação. Essas pesquisas interdisciplinares têm fortes associações com as mudanças climáticas e a injustiça ambiental. O desenvolvimento sustentável, em especial a bioeconomia, é essencial para o sucesso desta nova etapa de transição econômica na história da humanidade.
Como este texto define bioeconomia? Neste estudo, ela é considerada como “o setor da economia que produz biomassa bem como a sua conversão em produtos de mais-valia”, tais como alimentos, produtos de base biológica e bioenergia. Este setor econômico é estratégico para o desenvolvimento sustentável considerando o processo de substituição da atual matriz energética mundial baseada no consumo de combustíveis fósseis. Alimentos, engenharia genética e engenharia química, novos materiais de base biológica, bioenergia, medicamentos e cosméticos são exemplos de suas cadeias produtivas que estão em contínuo processo de expansão na bioindústria.
A bioindústria, alicerce da “economia ecológica”, utiliza-se da ciência e tecnologia de ponta para construir novos arranjos produtivos e matrizes industriais voltadas para a exploração dos recursos, serviços e dos ciclos da natureza, em forma sustentável. Sua base teórica e empírica é muito dependente do uso de linguagens científicas e processos tecnológicos próprios da mecânica e química atômica e molecular, fitoquímica, biogenética, farmacologia, engenharia de materiais e das tecnologias sociais para a invenção de novos produtos renováveis e não poluentes. Ela, também, se propõe estudar e desenvolver mecanismos operacionais que inter-relacionem atividades e práticas econômicas com a dinâmica dos ecossistemas, em forma sustentável. A intangibilidade das causas e dos efeitos dos ciclos ecológicos e dos impactos das ações humanas na natureza dificulta a regulação financeira e contábil desse tipo de economia. Medir e avaliar a dinâmica desses processos envolve muitas incertezas e riscos. Em geral, requer cooperação interdisciplinar e temática, bem como a formulação de novas linguagens científicas. Essa nova economia também é potencializada pela diversidade biológica e tem os mecanismos de desenvolvimento limpo como a sua principal matriz econômica. As geociências, a botânica e a biogeografia, também, têm papéis estratégicos no seu desenvolvimento. Os químicos afirmam que cada planta é uma fábrica natural de produtos químicos sustentáveis. Um desafio para a juventude amazônica desvendar nesta região que abriga mais de 400 bilhões de árvores.
A bioeconomia é muito dependente da relação entre o ser humano e a natureza por meio de tecnologias e da educação ambiental. Num nível mais vertical, a sua evolução tecnológica encontra-se centrada em pesquisas complexas e multidisciplinares e na inovação tecnológica. Na Amazônia, há o entrelaçamento entre as técnicas e as relações culturais e sociais. Ou seja: nessa região, a cadeia de operação de um determinado produto abrange um conjunto de processos que incorporam determinadas ações sobre o produto, o uso do conhecimento tradicional bem como a transformação de recursos naturais em mercadorias elaboradas. Os marcos regulatórios, tributários e legais da bioeconomia amazônica precisam ser diferenciados e inovadores. Eles têm que abraçar os saberes tradicionais das populações regionais e as inovações tecnológicas centradas em novos produtos florestais, em forma sustentável e em grande escala.
Os altos custos da pesquisa básica na bioindústria recomendam priorizar arranjos produtivos globais bem-sucedidos. Isso requer priorizar regulamentações que atinjam tanto pequenos quanto grandes laboratórios consolidados, integrando as suas atividades por meio de redes e plataformas tecnológicas, e diversificando as suas atividades devido à grande disponibilidade de recursos naturais na região.
Bioeconomia e sustentabilidade possuem relações técnicas e simbólicas. Elas se encontram inseparáveis entre si e no imaginário das pessoas. A bioeconomia terá um papel estratégico nos processos econômicos locais e globais assim como nas futuras formas de organização da humanidade. Esse arranjo produtivo fortalece o sentimento universal comprometido com a preservação ambiental. Estende-se desde os processos de coleta e troca de produtos de natureza renovável inventados por nossos ancestrais até a economia ecológica e o desenvolvimento de pesquisa e inovação de novos materiais em laboratórios de alta tecnologia. Diversos programas de pesquisa visam substituir a matriz energética poluidora por alternativas renováveis geradas pela bioindústria, em especial, por meio da produção da bioenergia.
A crescente incorporação de linguagens científicas e métodos de matemática, cibernética, engenharia genética, e física e química na bioindústria permitiu a construção de produtos mais complexos e integrados às concepções de um “mundo” sustentável. Pesquisas científicas e tecnológicas inovadoras centradas no desenvolvimento de biomarcadores, genômica, anticorpos associados à imuno-oncologia, compostos medicinais nanoestruturados e nos processos de síntese de produtos biológicos complexos já estão em fase de testes clínicos. Suas aplicações terão grande impacto na medicina preventiva e curativa, abrindo novas perspectivas para a qualidade de vida das pessoas e o aperfeiçoamento das sociedades. Os modelos de desenvolvimento e o mercado já estão incorporando essa nova dimensão tecnológica e econômica da bioindústria. No entanto, a sua compreensão sistêmica, o seu alcance heurístico e os seus impactos em outras áreas do conhecimento e na sociedade demandam novas pesquisas na filosofia e nas ciências humanas. Sua crescente importância para a humanidade precisa ser analisada e avaliada em todas as dimensões materiais e simbólicas. A incorporação da transcendência neste quadro de referência cria novas interlocuções entre a religião, a ciência, o mercado e a sociedade.
O desenvolvimento sustentável tem fortalecido a integração global dos arranjos produtivos e o aprimoramento de diversas políticas públicas. Inovação, inclusão social, empreendedorismo, proteção ambiental, transcendência e marketing são os alicerces desse processo socioeconômico de alcance global, que abarca diferentes formas de relação das pessoas com a natureza.
As novas matrizes industriais da bioindústria empregam poucos trabalhadores, são dinâmicas na comercialização dos produtos e de suas técnicas inovadoras e têm grande impacto econômico e social. Esta é uma tendência mundial que contribuirá para a consolidação do desenvolvimento sustentável tendo a bioindústria como sua principal matriz produtiva. O futuro promissor dos países tropicais é muito dependente do desenvolvimento da bioindústria em suas matrizes industriais.
A bioindústria é prisioneira das linguagens e técnicas científicas especializadas. Suas conexões e integração global por meio de redes e plataformas de laboratórios têm acelerado a invenção de bioprodutos com impactos em todos os setores sociais e econômicos. Nunca antes tantas patentes foram registradas na história da humanidade. A inserção da Amazônia nesse mercado global é paradigmática. A inclusão de seus povos originários nesse empreendimento é um desafio que precisa ser exercitado. A implantação da Universidade Intercultural pode acelerar esse processo, em bases sustentáveis e na promoção social de seus povos.
Hans ter SteegeI et al. (2016) identificaram 11.676 espécies de árvores na Amazônia. A região tem potencial para abrigar até 16 mil espécies diferentes, num total de pouco mais de 60 mil existentes no mundo. Certamente, esta grande biblioteca viva tem respostas para muitos problemas da humanidade. É o maior banco genético do mundo em terra firme contígua ou o maior jardim botânico do planeta. Seus fluxos gênicos e as suas conexões com os processos econômicos precisam ser devidamente medidos, valorizados e industrializados, em bases sustentáveis, devido à sua importância material e simbólica para a região e à humanidade.
Novos produtos alimentícios e medicinais, inovações em cosméticos e perfumaria derivadas de óleos essenciais e diversas ervas tropicais, inclusive corantes, têm sido inventados em laboratórios de biotecnologia com grande impacto social e econômico. Os corantes derivados do pau-brasil, urucum, látex da seringueira, juta, pimenta-do-reino, jenipapo e camomila têm sido amplamente utilizados pela humanidade, no passado e no presente. Segundo Barata (2012) “A floresta amazônica registra 2.000 espécies medicinais utilizadas pela população local como medicamentos, além de 1.250 espécies aromáticas produtoras de óleos essenciais”. É um complexo laboratório aberto a inovações biotecnológicas.
Os bionegócios abrangem diferentes graus de complexidade. Na Amazônia, em geral, estão associados ao aproveitamento da biodiversidade em seu estado natural ou ao simples processamento por meio de instrumentos mecânicos. O comércio de peixes, frutas, folhas, raízes, flores, cascas, entre outros, ilustra esse tipo de economia. Há outro setor que utiliza métodos e técnicas mais elaboradas, como tratamento químico e físico, filtração, destilação, conservação, entre outras, como preparo de bebidas, concentrados, polpas, doces e óleos essenciais. Por fim, há o setor que utiliza tecnologia de ponta para gerar inovações de maior impacto. Todos os setores da biotecnologia têm sido impactados por inovações baseadas principalmente na biogenética, na química fina e na física de novos materiais.
Ênfase às pesquisas para identificar novos princípios bioativos. Em especial, os produtos naturais com atividades antioxidantes contra o envelhecimento celular, antifúngicos, antibacterianos e larvicidas são indicados como remédios contra doenças causadas por fungos, bactérias e larvas. Há também remédios com uso em terapias anticancerígenas e anti-inflamatórias. A atividade larvicida é testada em larvas do mosquito da dengue, por exemplo. Atualmente encontram-se em andamento inúmeras pesquisas sobre o processo de interação das plantas com a luz nos trópicos, para o desenvolvimento de produtos de proteção à saúde humana. Embora muitas espécies em processo de pesquisa sejam de uso popular, é necessário identificar e isolar princípios bioativos e realizar ensaios clínicos voltados para as finalidades pré-estabelecidas. Em mesma ordem de importância faz-se necessário modelar os arranjos atômicos e moleculares da biomassa amazônica voltados à fabricação de novos produtos para uso em todas as dimensões práticas da humanidade. Este é um desafio complexo para a Engenharia de novos materiais que já se encontra em curso em alguns cursos de pós-graduação sediados na Universidade Federal do Amazonas desde a primeira década deste século. Repito: desde a primeira década deste século, nos programas de pós-graduação de produtos naturais e de física de materiais dos departamentos de química e de física dos materiais, respectivamente.
A tecnologia de novos materiais de recursos florestais mundiais é uma fonte inesgotável para a invenção de novos produtos. Essas inovações na bioindústria estão focadas nos setores de alimentos, cosméticos, perfumaria, habitação, vestuário, aeronáutica, engenharia naval, móveis, design, biojóias, floricultura, cerâmica, entre outros. Na Amazônia, o grande desafio é usar a ciência e a tecnologia para agregar inovações de ruptura e valor econômico aos elementos da biodiversidade, preservando as suas culturas e ecologias. Infraestrutura, laboratórios instrumentalizados, recursos humanos especializados, mecanismos adequados para comercialização e marketing em larga escala, plataformas de exportação, regulamentação tributária e fiscal adequada, cooperação tecnológica e financiamento estratégico e programas de pesquisa voltados para o desenvolvimento sustentável são dimensões econômicas que os setores públicos e privados amazônicos precisam exercitar para o sucesso da bioindústria na região. A inserção da Amazônia nesse universo teórico e empírico, sob a ótica empresarial, favorece o estabelecimento de parcerias internacionais para o desenvolvimento da bioindústria na região.
Os governos dos estados amazônicos têm que ousar, empreender e inovar as suas gestões executivas. Têm que fortalecer as suas políticas de ciência e tecnologia, financiar a implantação de uma rede de laboratórios de pesquisa e inovação em tecnologias de novos materiais e construir parcerias com o setor privado. Sem esta dimensão política, econômica e tecnológica a bioindústria não se consolidará na Amazônia, que já conta com mais de 300 centros universitários e de pesquisa interiorizados.
Ecoturismo, commodities ambientais associadas aos serviços ambientais com ênfase nos ciclos de carbono, hidrológico, nitrogênio e calor são outras dimensões da bioeconomia nas regiões tropicais. A utilização de tecnologias de ponta pelos arranjos produtivos regionais e globais para explorar as suas riquezas preservando a floresta é um dos grandes desafios da modernidade ecológica. Alinhar os sistemas de ciência e tecnologia às culturas locais e aos saberes tradicionais é outro diferencial que acelerará o desenvolvimento dessas regiões, em bases sustentáveis e na perspectiva de seus povos. O início de operação do CBA em Manaus, também em forma empresarial, poderá ter impactos significativos na economia regional, embora a sua inserção regional ainda seja muito incipiente. A sua integração com os núcleos municipais de inovação, conforme proposto nos textos 14 e 15, poderá abrir novas perspectivas sociais e econômicas ao Estado do Amazonas.
Este vigésimo texto e outros que serão publicados posteriormente propõem estratégias e propostas para integrar a Zona Franca e o CBA ao desenvolvimento econômico do Amazonas, em bases sustentáveis. Quadro de referência que exige um conjunto de providências técnicas, aqui sumarizadas: privilegiar as tecnologias limpas e a implantação de laboratórios de pesquisa e inovação; prospectar as áreas econômicas e comerciais estratégicas; priorizar a instalação de indústrias bem-sucedidas; induzir e financiar as pesquisas aplicadas de inovação estratégicas ao desenvolvimento; redirecionar o parque industrial para o desenvolvimento sustentável local e global; incubar indústrias vocacionadas e em rede; diversificar, descentralizar e municipalizar os núcleos de inovação e produção; flexibilizar a política fiscal e tributária por meio de novas parcerias público-privadas, e avaliar e estabelecer metas de produção e crescimento, entre outras providências necessárias.
Há mais de quarenta anos se discute, sem sucesso, entre setores econômicos amazonenses, isolados e fragmentados, modelos alternativos à Zona Franca de Manaus. Esta discussão, de natureza pública, precisa ultrapassar a barreira pragmática e positivista de segmentos isolados da economia dependente do Estado do Amazonas, aglutinando outras contribuições consequentes e fecundas. Embora tardiamente, ainda há tempo.
O papel do Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) na política de desenvolvimento sustentável do Amazonas é destacado e qualificado neste texto, ainda que em forma sumarizada e com possibilidades de incertezas devido ao seu precário funcionamento na última década, principalmente. O seu potencial papel como agente indutor e construtor de inovações à sustentabilidade amazônica pode ser mensurado e avaliado pelos esclarecimentos sobre a bioindústria já apresentados neste texto. O seu novo formato institucional, sob a responsabilidade da Fundação Universitas de Estudos Amazônicos, FUEA, terá personalidade jurídica própria e poderá captar recursos privados para inovar a partir da biodiversidade amazônica.
Somos testemunha que o Prof. Dr. Lourenço Braga iniciou o processo de implantação da Universidade do estado do Amazonas com alguns esboços consistentes em suas mãos, Marilene Corrêa da S. Freitas coordenou a implantação do Sistema de Ciência e Tecnologia do Amazonas a partir de estudos teóricos e empíricos e, também, de sua experiência nacional e internacional acumulada ao longo de sua carreira acadêmica, e o Dr. Euler Ribeiro implantou a primeira Universidade Brasileira da Terceira Idade a partir de seu profundo conhecimento sobre a Amazônia e de uma proposta acadêmica ainda incipiente, à época. Vejam bem, estas são experiências estruturantes exitosas que se iniciaram em condições e logísticas muito frágeis e que certamente contaram com amplo apoio político. Experiências que exigiram muito trabalho e dedicação, para transformar estas plataformas em instituições sólidas e de referência, que atualmente fazem parte das políticas públicas do Amazonas.
Em tese, a implantação e a organização do CBA não têm as complexidades acima citadas. A sua estrutura física já se encontra parcialmente consolidada. O desafio, que não é simples, é integrar e ajustar a sua materialidade política e econômica às demandas tecnológicas e econômicas da modernidade. Seus gestores não podem transformá-lo num escritório gerador de burocracias imobilizadoras.
O CBA foi estabelecido em 1997 e institucionalizado por meio do Decreto No. 4284 de 26/06/2002. Tem como missão colocar-se como principal vetor da bioindústria do Brasil com a utilização de recursos naturais da Amazônia, em forma sustentável, e centrada na produção de biofármacos, cosméticos e produtos alimentícios. Até maio de 2023, ele foi gerido pela SUFRAMA, órgão vinculado ao Ministério de Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior do Brasil (MDIC). Desde a sua implantação até 2023, o financiamento público para a implantação de sua estrutura técnica e organização administrativa já ultrapassou US$50 milhões (em valores atualizados). Em 3 de Maio de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula assinou o Decreto que qualifica a Organização Social que passará a gerir o CBA. Esta Organização Social é formada por um pool de instituições que conta com as participações da Universidade do Estado do Amazonas, UEA, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, IPT.
Com independência técnica, administrativa e financeira e personalidade jurídica própria, o CBA terá plena autonomia para construir novas parcerias estratégicas, captar recursos financeiros e construir um portfólio de pesquisas e negócios mais consistente e integrado à Amazônia e ao mercado. Os administradores responsáveis pela gestão do CBA tem que compreender que similar à Zona Franca de Manaus ele não se posiciona como o ‘Polo de Desenvolvimento Redentor do Amazonas’. Atualmente o CBA não tem a potência tecnológica e empresarial necessária para transformar este estado brasileiro numa referência da economia verde global. Entretanto, ele poderá se constituir um vetor tecnológico importante para a construção da matriz de um conjunto de biofábricas estratégicas ao desenvolvimento de inovações para este segmento econômico, empreendimento que, também, forma a base material do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Dimensão científica e tecnológica que, bem manejada, poderá criar conexões fecundas entre ele e o Polo Industrial de Manaus, por meio da pesquisa aplicada ao desenvolvimento de novos materiais sustentáveis, a partir dos recursos naturais da Amazônia.
O capítulo 5 (Amazonia: A New Civilizing Framework and Bioeconomy) do livro “Who Will Save Amazonia? World Heritage or Full Destruction”, Marcílio de Freitas e Marilene C. da Silva Freitas, Nova Science Publishers, NY, 2021, apresenta as potencialidades, os fundamentos científicos e tecnológicos e as possíveis articulações da bioeconomia amazônica com os processos econômicos globais. Em direção ao futuro promissor à sua bioindústria. Aproveito para fazer uma breve pontuação sobre os três principais desafios das pesquisas aplicadas à bioindústria sob o ponto de vista tecnológico.
A base da pirâmide deste tipo de desenvolvimento ainda encontra-se assentada nas modelagens atômicas e moleculares desenvolvidas pelos físicos, químicos, os geneticistas, e os engenheiros moleculares que compreendem e aplicam as linguagens próprias da genética e da mecânica quântica às propriedades da matéria e dos seres vivos. Sem essa dimensão científica e tecnológica não há bioindústria mais consequente e consistente.
Portanto, a essência e o principal fundamento da bioindústria é a pesquisa básica e aplicada e não o empreendedorismo. Tratando-se de bioindústria, sem pesquisa básica e aplicada não há o que empreender no que se refere às tecnologias de ruptura. Isto significa: disponibilidade de laboratórios bem equipados, planos de pesquisa bem ajustados e factíveis, grupos de pesquisa qualificados, financiamentos adequados e forte participação da iniciativa privada, entre outras providências secundárias. Isto exige: definir um portfólio de pesquisas em novos materiais estratégicos à região e ao mercado; estabelecer metas; criar um modelo que possibilite uma interação proativa com o setor privado; nuclear especialistas com competências comprovadas; priorizar os grupos locais e regionais com produções científicas e tecnológicas consolidadas; investir na estrutura e na logística de pesquisa; e envolver, se possível – em grande escala -, a nossa juventude nos processos de formação e de desenvolvimento desta plataforma de inovações que também estará conectada aos núcleos de inovação municipais.
Exige-se, também, muita paciência e tolerância, pois erros ocorrerão, mas no limite, num prazo de seis a dez anos, os resultados positivos surgirão e impactarão o mercado regional e global, e o desenvolvimento sustentável do Amazonas. Os grupos e os programas de pesquisa em nível doutoral, os especialistas de referência, as instituições universitárias e os potenciais estudantes envolvidos ou em disponibilidade para este tipo de atividade já existem nas instituições e nos institutos de educação e pesquisa, sediados em Manaus, desde a primeira década deste século. Bem próximos do CBA e da Zona Franca de Manaus. Muitas vezes, por falta de esclarecimento e de empreendedorismo de ruptura de seus gestores, a Zona Franca tem freada a consolidação da bioindústria no Amazonas, e também na Amazônia.
Os gestores públicos e os empresários não esclarecidos têm dificuldades em compreender esta dimensão da ciência e da tecnologia e, também, do mercado. A bioeconomia da coleta, do extrativismo e a dos arranjos produtivos tecnificados de mercadorias de origem biológica também são importantes, mas não têm alcances econômicos para movimentar as bolsas de valores globais. Ambos têm que ser apoiados, mas sempre fortalecendo a ciência aplicada, matriz das inovações de ruptura e das sustentabilidades locais e globalizadas. Certamente uma unidade fabril para produção de farinha ou de sorvete com os deliciosos sabores regionais é importante, mas não determinante nesta plataforma de alcance global.
Retornando, ao foco dessa intervenção, apresento em seguida as principais características e desafios do CBA. A sua estrutura física abrange 12 mil m² construídos com vinte e cinco salas, 100 m² cada, para laboratórios. Possui, também, áreas de apoio à inovação tecnológica como: núcleo de produção de extratos, planta piloto de processos industriais, núcleo de informação em biotecnologia, núcleo de gestão de negócios e incubadora de negócios de base tecnológica. Conta com cinco áreas técnico-científicas: (1) central analítica, (2) produtos naturais, (3) farmacologia e toxicologia, (4) microbiologia e (5) bioquímica e biologia molecular.
O seu quadro técnico e administrativo é muito móvel considerando os seus diferentes ritmos de funcionamento ao longo de sua existência e os entraves burocráticos à sua plena operação técnica. O sucesso em suas atividades é muito dependente da qualificação de seus servidores e de suas condições estruturantes voltadas à invenção de inovações biotecnológicas. Atualmente, 3 de Maio de 2023, o CBA tem um quadro funcional muito frágil, 28 profissionais para também manejarem suas pesquisas em seus 26 laboratórios (A Crítica, 3.5.2023, p. A16). Este quadro burocrático precisa ser revertido por meio da fixação de mestres e doutores em sua estrutura funcional. Sem esta iniciativa não haverá inovação, nem bioindústria.
Os seus principais serviços ofertados abarcam: avaliações e análises físico-químicas e microbiológicas dirigidas à construção de novos produtos biotecnológicos; ensaios de eficácia e segurança toxicológica; e, participação em redes tais como: Rede de Inovação da Biodiversidade da Amazônia, Rede FitoAmazônia, Rede de Dermocosméticos, Rede de Fitomedicamentos, Rede de Extensão Tecnológica do Estado do Amazonas e Rede de Conhecimentos Tradicionais e Biodiversidade, entre outras, em diferentes momentos e contextos.
Em tese, o CBA deveria ter uma atuação conjunta aos órgãos do Estado na formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável com base biotecnológica; apoiar as iniciativas técnico-científicas dirigidas à criação de indústrias de base biotecnológica nas municipalidades da Amazônia, em especial no Amazonas; interiorizar o empreendedorismo em biotecnologia por meio de incubadoras nas principais centros de desenvolvimento dos municípios da Amazônia ocidental; e atuar diretamente nas cadeias produtivas dos setores de biofármacos, fitoterápicos e produção de alimentos.
Deveria, também, integrar-se às parcerias do Ministério de Ciência e Tecnologia com os Estados da Amazônia no processo de implantação e organização dos Centros de Vocações Tecnológicas nas capitais e nas municipalidades amazônicas; induzir e liderar a criação de uma rede de núcleos de base biotecnológica na Amazônia; envolver a sociedade neste processo por meio da divulgação de resultados e ações de extensão tais como: cursos, palestras, seminários, promoção de prêmios, entre outras.
É sua responsabilidade institucional: construir novas parcerias nacionais e internacionais que possibilitem entrelaçar o conhecimento tradicional dos povos amazônicos ao conhecimento científico desenvolvido em seus laboratórios, respeitando os direitos de posse e usufruto deste tipo de ação; investir fortemente na capacitação por meio da formação de pessoal em todos os níveis (técnicos, graduados, especialistas, mestres e doutores); aprimorar as relações com as universidades e os institutos de pesquisa internacionais, incorporando novas tecnologias e mobilidade científica regional em projetos e programas de interesse da Amazônia e do Brasil; e finalmente melhorar a infraestrutura das tecnologias de informação e comunicação para aprimorar os bancos de dados e as redes científicas acelerando o acesso do cidadão aos benefícios do conhecimento e aos produtos da bioindústria.
O CBA tem que ter uma estrutura orientada ao desenvolvimento de programas e projetos. Estrutura flexível e capacidade em se adaptar à inovação e à evolução do saber, dando resposta rápida à crescente interdisciplinaridade do conhecimento em biotecnologia e à racionalização da gestão dos recursos. Os seus projetos exigem foco, organização e gerência independentes, e orçamentos, metas e cronogramas de execução bem estabelecidos. A ausência de um quadro técnico bem qualificado e atuante na área básica e aplicada, o sucateamento dos equipamentos laboratoriais mais sensíveis, a falta de um plano de cargos e salários compatível com um empreendimento deste porte, a ausência de colaborações internacionais de grande porte tecnológico com os seus projetos e programas, a falta de recursos suficientes para financiar os programas estratégicos de médio e longo prazos, e as intervenções clientelistas de grupos políticos estaduais e federais têm conspirado contra o sucesso desta importante instituição, agora denominada ‘Centro de Bionegócios Amazônico’.
Neste sentido, a nucleação e a fixação no Amazonas, de grupos empresariais transnacionais bem sucedidos e vocacionados são estratégicos ao seu ecodesenvolvimento induzido. Um projeto Além-PIM. Uma forma de globalizar o parque industrial e a economia do Amazonas por meio de redes de prosperidade sustentáveis, criando novas formas de induzi-lo ao desenvolvimento sustentável. A intervenção política do Presidente Lula neste processo poderá potencializar a sua materialização em curto prazo. O seu discurso global de desmatamento zero e preservação ambiental da Amazônia tem que estar alinhado ao fortalecimento do desenvolvimento sustentável da região, em especial ao combate de suas desigualdades sociais.
No setor de biofábricas, em especial nos setores farmacêutico e de alimentação destacam-se: Nestlé, Johnson & Johnson, Novartis, Roche, Pfizer, Sanofi, Merk, Kraft Heinz Company entre outras. Nos demais setores estratégicos destacam-se a ‘Industrial Design Companies’ e a ‘CocoChanel’ no eco-design; a ‘Eurobois’ no eco-movelaria; a ‘BHP Billinton’ no eco-mineração; a ‘Alliance’, a ‘Hyundai Heavy Industries’ e a ‘UK Marine Industries’ no polo tecnológico naval, em bases sustentáveis; a ‘International Eco tourism Society’ no eco-turismo; e a eco-economia que precisa ser institucionalizada por meio dos serviços ambientais amazônicos nas bolsas de valores de New York, Tokyo, London, Euronext, Shanghai, Hong Kong, entre outras.
Certamente com as inclusões e as participações das instituições acadêmicas e de pesquisa assim como das iniciativas empresariais regionais, com as devidas regulamentações e normatizações técnicas e jurídicas que defendam os interesses do estado do Amazonas, das instituições acadêmicas públicas e privadas regionais, dos segmentos empresariais, do estado nacional e dos povos originários.
A construção de uma política industrial que integre as estruturas, os sistemas e os processos da matriz industrial (ainda que parcialmente) da Zona Franca à política de desenvolvimento sustentável do Estado do Amazonas é premente. Até mesmo para que ela se transforme num Polo Industrial de Desenvolvimento Sustentável, matriz de sustentabilidades locais e globais. Isto requer marcos regulatórios globalizados, uma reforma fiscal e tributária local e atualizada assim como a criação de logísticas que possibilitem inovar e interiorizar o modelo, nos moldes das propostas apresentadas nos seis artigos anteriores. Certamente isto requer altos investimentos em projetos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento, à instalação e ao desenvolvimento de laboratórios de pesquisa aplicada e à formação de recursos humanos especializados atuando em áreas estratégicas, tais como: tecnologias de novos materiais, novas formas de energia limpa, bioindústria, tecnologias de convergência, robótica, artes e design, ecoturismo, tecnologias sociais e culturais, tecnologias das florestas, das águas e das várzeas, entre outras.
Reafirmo que atualmente a Amazônia abriga mais de 300 instituições de pesquisa e de ensino superior, públicas e privadas, incluindo os seus campi universitários. Uma plataforma científica e tecnológica especializada e pronta para integrar e mobilizar o conhecimento organizado para a construção do seu desenvolvimento regional.
Insisto que a participação das universidades e dos institutos de pesquisa locais neste projeto, assim como a criação de parques tecnológicos vocacionados aos diversos processos produtivos apresentados nesta série de publicação, com as devidas colaborações internacionais, são garantias de seu sucesso pleno.
A imediata criação de um fundo de investimento específico para o desenvolvimento de inovações para as áreas tecnológicas e culturais sustentáveis, a partir dos lucros das empresas deste polo industrial, é uma alternativa factível. A criação de novos Fundos econômicos para a captação de contribuições internacionais e/ou do Fundo Amazônia, também são alternativas concretas. Destaca-se que a legislação atual da Zona Franca de Manaus com este propósito é confusa, difusa e alcança somente alguns setores científicos e tecnológicos, sem impactos consideráveis na sociedade e na inovação científica e tecnológica gerada localmente. A parceria público-privada, também, é fundamental para a geração e a aplicação de inovações tecnológicas nos trópicos úmidos. Paralelamente, deve-se insistir que, também, o estado-nacional financie a sustentabilidade da Amazônia, em especial do Amazonas.
Logo, a falta de uma política industrial integrada à região e a total dependência da Zona Franca pelos incentivos fiscais projetam um futuro incerto e imprevisível para a Amazônia ocidental, região com a maior cobertura vegetal no mundo e que abriga mais de cem diferentes povos indígenas. Há grande tendência de deterioração dos seus indicadores de desenvolvimento humano.
O rápido processo de pauperização da sociedade nacional, a crescente queda de consumo interno no mercado nacional e a mudança de seu sistema tributário também conspiram contra a Zona Franca. Estas mudanças potencializam a fuga de grupos econômicos transnacionais de sua matriz industrial com impactos sociais e econômicos irreversíveis em suas políticas públicas. O desdobramento deste quadro na sua preservação ecológica ainda precisa ser mensurado. A sua destruição cultural e ecológica tem sido agravada com danos sociais e ambientais ainda imprevisíveis após a difusão da covid-19 e de outras doenças epidêmicas e pandêmicas na região.
Para a Amazônia, é fundamental incubar as indústrias vocacionadas em redes e induzir o apoio às plataformas tecnológicas estratégicas por meio do financiamento público e privado. As dimensões continentais e ecológicas da região também exigem implantar e integrar os mecanismos de desenvolvimento limpo às tecnologias de informação e comunicação e à bioindústria. Isso reafirma a importância de sua integração por meio de uma política de desenvolvimento com estruturas polivalentes, e concessões e privatizações com diferentes regulamentações e participações públicas e privadas na região. Com regulamentações adequadas e contextualizadas, o desenvolvimento sustentável na Amazônia poderia incorporar os princípios e as diretrizes positivas assemelhadas às utilizadas na política industrial da Coreia do Sul, algumas delas já apresentadas neste texto.
Integrar e desenvolver a Amazônia pan-americana com a sua preservação ecológica é urgente e desafia os gestores públicos. A importância estratégica de suas trezentos e oitenta e cinco culturas indígenas e de sua complexa biodiversidade para a humanidade reafirma o seu status como o principal signo cultural e ecológico global. O futuro da região, também, depende fortemente do desenvolvimento sustentável de outros países que compõem a Amazônia pan-americana.
Colômbia, Peru e Venezuela são países amazônicos com muitos conflitos sociais e econômicos em suas fronteiras com a Amazônia brasileira. Nestas regiões fronteiriças há muitas práticas ilícitas, como o crescente contrabando de madeira e outros produtos coletados nas florestas e nos seus rios. O tráfico de drogas, armas, animais silvestres e minerais preciosos, e os movimentos de guerrilheiros também são problemas presentes nesta vasta região. A ausência de políticas públicas e de projetos de desenvolvimento nessas regiões contribui para esse quadro social, que gera profundas desigualdades socioeconômicas em suas populações, nossos parentes desde o passado remoto. O mercado sul-americano e caribenho continua sendo muito importante à Zona Franca de Manaus. O apoio federal, certamente, acelerará este processo.
Portanto, o desenvolvimento pleno de uma economia sustentável na Amazônia depende de mudanças estruturais na região e no estado brasileiro. A implantação das estruturas, dos sistemas e dos processos do desenvolvimento sustentável encontra-se em curso em maioria dos países centrais. Cultura, educação, saúde, ciência, tecnologia e inovação são os agentes motores deste promissor cenário regional que precisa ser construído.
O Brasil necessita institucionalizar uma Política de Estado de Desenvolvimento Sustentável, priorizando um conjunto de compromissos federativos com a sustentabilidade da Amazônia. Ela não pode continuar refém da burocracia niilista de Brasília, do pragmatismo e da arrogância de segmentos empresariais, científicos e de Ongs que insistem em reduzi-la num poço de carbono. Torna-se premente as ações públicas que possibilitem o acesso às políticas públicas plenas pelas suas comunidades ribeirinhas. Uma questão de justiça social que se complementa com o combate às injustiças ambientais localizadas.
No período de 2019-2022, o governo federal acelerou a destruição cultural e ecológica da Amazônia em proporções nunca registradas desde o advento da República brasileira. A gestão administrativa do atual presidente Lula ainda encontra-se em processo de organização política e reconstrução das políticas públicas federais na Amazônia. Mas ela continua morrendo. Quem a salvará? Quando? Como?
Portanto, torna-se imperativo ressignificar a matriz industrial de Manaus com a implantação de uma cadeia de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em rede entre si e com os arranjos produtivos municipais, e a nucleação de colaborações tecnológicas internacionais estratégicas. Destaque também à necessidade de um fundo de investimento à sustentabilidade da região e o estabelecimento de uma Zona Franca ágil, eficiente, indutora de novos programas sustentáveis, e sem empreguismo, entre outras iniciativas apresentadas nesta série de publicações.
Como afirmado no início do artigo anterior, a ‘reindustrialização verde do Brasil’ tem que começar na Amazônia. As relações diplomáticas, econômicas e tecnológicas ‘Brasil-China’ põem elementos novos neste cenário promissor. O governo do Amazonas, os gestores da Zona Franca de Manaus e os diversos segmentos representativos, públicos e privados, da economia amazonense têm que construir propostas alternativas ao atual modelo econômico do Amazonas e da Amazônia. Referendá-las politicamente e defendê-las nos fóruns preparatórios e na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 30), que será sediada na capital paraense, em 2025, com a participação de representações políticas de mais de 130 países e de importantes instituições financeiras mundiais. As instituições públicas e privadas do Amazonas não podem deixar que as Ongs internacionalistas e os segmentos econômicos nacionais centralistas solapem as legitimidades e os protagonismos amazônicos no desenvolvimento sustentável deste estado brasileiro, a partir do mesmo. As instituições regionais precisam assegurar que os financiamentos internacionais priorizem os programas de desenvolvimento sustentável desenvolvidos pelas instituições e os setores econômicos amazônicos, a partir da região. É importante que os setores econômicos percebam que o futuro da Amazônia depende mais da política que da economia. Isto exige mais mobilização e intervenção destes segmentos econômicos regionais em fóruns desta natureza.
Por meio de macro cenários, os seis próximos artigos apresentam mais onze programas estruturantes e um conjunto de proposituras estratégicas para a construção de uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia, em especial no Estado do Amazonas. Várias delas articuladas à Nova Zona Franca de Manaus. Para finalizar apresento o poema “Amazônia: utopia matrimonial”.
AMAZÔNIA: UTOPIA MATRIMONIAL*
Ontem me casei com a Amazônia.
Foi uma cerimônia diferente,
Por que não tinha convidados,
E nenhuma outra pessoa presente.
Ontem me casei com a Amazônia.
Às margens do rio Amazonas,
Numa tarde chuvosa e silenciosa,
Sombreada por nuvens cinzentas.
Ontem me casei com a Amazônia.
Emoldurada com os hijabes das Arábias,
E, também, com os véus do Vaticano.
Presentes de povos amigos.
Ontem me casei com a Amazônia.
Declarei-me para ela, e ela para mim.
Juramos amor eterno,
Com as promessas de muitos filhos.
Ontem me casei com a Amazônia.
Foi o dia mais feliz de minha vida,
Pois rimos, dançamos e celebramos
As uniões das naturezas com as culturas.
Ontem me casei com a Amazônia.
Ainda me encontro emocionado,
Com tanta beleza e ternura
De minha querida esposa.
Ontem me casei com a Amazônia.
Com as suas heranças ancestrais,
E com as suas representações materiais
E simbólicas, locais e globais.
Ontem me casei com a Amazônia.
E também com as suas sustentabilidades
Das abundâncias e das sabedorias,
Que nos abraçam universalmente.
Ontem me casei com a Amazônia,
Numa tarde cinzenta que foi sendo
Dissolvida pelo esplendor do por do sol,
E pela alegria compartilhada da natureza.
Ontem me casei com a Amazônia.
E comemoramos com os povos originários.
Ao nos despedirmos para nossa lua de mel,
A Amazônia me pergunta:
Para onde vamos Brasil?
Manaus, 13 de Maio de 2022
*Poema dedicado aos amigos Marcus Barros e Izane Torres Barros. Publicado no livro: “Amazônia nosso tesouro”, Kindle-Amazon Book, 2022
Manaus, 29 de Junho de 2023
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