Lembro muito bem de vê-lo posto em terno branco e gravata azul de listas brancas, – tal como o vejo agora diante de mim em porta retrato que me inspira na mesa de estudo –, pois era como gostava de estar em horas formais e solenes, documentos à mão, pronto para o cumprimento do direito-dever cívico e político de exercer a capacidade de escolha dentre os candidatos inscritos para governar o Estado e o País, ou selecionados para o crivo popular visando o cumprimento de mandato legislativo.
Não era um homem novo, nesse tempo que me aflora à memória, mas o vigor e o viço que apresentava vinham não só de sua capacidade e formação física, mas de seu espírito democrático, rijo na moral e na ética, edificado em lutas antigas inclusive na fundação de um partido que ajudou a criar e a fortalecer e, desiludido, presenciou desfazer-se por obra e graça dos trabalhistas anelados que chegaram para substituir os trabalhadores da faina partidária, trazendo consigo interesses e conchavos menores.
Era um homem de caráter. Preciso e curto nas palavras. Poeta e belo orador. Afável com todos. Carinhoso com as crianças. Amoroso com a família. Singelo, altruísta, rigoroso nos padrões de comportamento pessoal, social e familiar. Sabia, melhor do que eu poderia imaginar nos anos da juventude rebelde e tempo dos cabelos revoltos e largados aos ombros, ele sabia, melhor do que todos podíamos conceber, a importância do exercício do voto, das consequências de nossas escolhas e do que esse gesto pode acarretar para o País, e mais diretamente para cada um dos homens e mulheres da nossa cidade.
Por isso, até a eleição anterior a seus 97 anos de vida, e desde antes de quando foi alistado como eleitor, em 1932, sob o número 1.616, da 16.ª secção, da 2.ª Zona Eleitoral, – com última via do Título expedida em 27 de setembro de 1974 -, fosse na sede da Delegacia Fiscal, na Rua de Marcílio Dias, no Instituto de Educação do Amazonas, e mais tarde no Grupo Escolar “Gonçalves Dias”, localidades para onde seu Título foi sendo transferido conforme a mudança de endereço residencial, em qualquer destas unidades eleitorais, não havia nada nem ninguém que o impedisse de comparecer para votar, livre e espontaneamente, quando nada mais o obrigava a fazê-lo, salvo sua consciência cidadã.
Este foi, também, um dos muitos exemplos que ele nos legou a todos, familiares e amigos, sem imposição de qualquer natureza, apenas comparecendo ao local de votação. Antes, quando no Partido Trabalhista Amazonense, do qual foi tesoureiro e ajudou a redigir o moderno Estatuto para época, quando aspirou que o partido promovesse a alfabetização e a formação de uma consciência política dos trabalhadores, quando se afastou das campanhas políticas para deputado constituinte estadual (1935) e vereador de Manaus (1937), abrindo caminho para a unificação do PTA e, mesmo assim, foi sufragado nas urnas sem fazer campanha, se tornando primeiro suplente em ambos os casos, desde então, de forma decidida, pugnava em favor da democracia e dos valores morais que deveriam sustentar a vida político-partidária.
Fortalecido nestes princípios, atuou na organização partidária, no alistamento de eleitores e eleitoras – sim, na primeira vez que as mulheres puderam inscrever-se para o exercício do voto -, na composição de diretórios pelo interior, no fortalecimento do PTA nos arrabaldes de Manaus e na pregação ideológica trabalhista por Belém e Recife, cidades nas quais também surgiram partidos trabalhistas, repercutindo o ânimo amazonense de defender a organização dos trabalhadores sem subordinação ao Ministério do Trabalho como desejava o governo federal.
Este eleitor exemplar que nos orgulha como mestre, pai e timoneiro, foi Lourenço da Silva Braga, que deixou saudades muitas, mas anima nossos corações e espíritos com uma Luz permanente.
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