Recortes Pessoais
Continuação…
Capítulo 11
Manaus e a incrível Cidade Flutuante

Cidade Flutuante
Quando falamos de Manaus sob a perspectiva histórica logo lembramos da cidade esplendorosa da Belle Époque, que floresceu com a riqueza da exploração da borracha. A Manaus do Teatro Amazonas, do Palácio da Justiça, do prédio da Alfândega, do Palácio Rio Negro, das praças lindamente decoradas, do Largo de São Sebastião, da Igreja da Matriz, dos bangalôs, das ruas arborizadas, dos bondes, das galerias feitas pelos ingleses e das lâminas de igarapés translúcidos que a entrecortavam.
Pouco se fala dessas outras cidades, nas quais sempre habitaram as classes menos favorecidas. Ao tocar no assunto, o primeiro reflexo que temos, contudo, é o de pensar nas invasões, que constituíram a maioria dos bairros de Manaus, depois do advento da Zona Franca. Sabe-se, também, que mesmo na época áurea da borracha, os pobres viviam nos arrabaldes da Paris dos Trópicos…
Os mais jovens não conhecem, com uma ou outra exceção, que a nossa Manaus já teve um grande complexo habitacional sobre as águas do Rio Negro, o qual ficou conhecido como Cidade Flutuante, que surgiu a partir de 1920, como resultado de uma conjunção de fatores, especialmente por causa da débâcle da borracha e como rescaldo da crise econômica que se seguiu ao fim da Primeira Guerra Mundial. Ribeirinhos e nordestinos, então, sem o trabalho relacionado ao látex, vieram do interior para a capital. Ao chegarem, porém, não encontraram moradia e nem uma política pública, emergencial de médio ou de longo prazos, para abrigá-los, dentre outros motivos, pela falta de recursos do combalido tesouro amazonense.
O certo é que, aí, entrou a engenhosidade do homem dos rios e da floresta, aliada às necessidades daquelas dramáticas circunstâncias. Leandro Tocantins, notável ensaísta paraense, naquela que é a sua obra-prima, falou dessa incrível capacidade de sobrevivência e de adaptação do hinterlandino às peculiaridades da região. Disse ele que, na Amazônia, “o rio comanda a vida”. Foi essa herança cultural e esse fazer ancestral que tornaram possível, portanto, digo eu, essa singular obra de engenharia. Em cima de toras de madeiras próprias para as águas, ergueram-se, ao longo de 47 anos, mais de duas mil casas e pequenos estabelecimentos comerciais, umas atadas às outras, para um contingente, no ápice de ocupação, de aproximadamente doze mil pessoas, todas elas na orla de Manaus e nos seus principais igarapés.
Reportagem da extinta revista O Cruzeiro, reproduzida no site idd.org.br, faz um relato preciso e fascinante da vida no lugar e ainda informa, em detalhes, o tipo de material utilizado pelos moradores nas suas casas, que inicialmente eram cobertas por palhas do buçu, trocadas a posteriori por folhas de zinco, as quais estavam sustentadas por caibros de andiroba, cujo odor servia para afastar os mosquitos; a acariquara ficava nos parapeitos e nas varandas; o louro vermelho era usado nas paredes e nos assoalhos; e as toras de acaçu faziam o papel de boias. A ligação entre as casas, as ruas da cidade, era feita por meio de tábuas de Samaumeira, a árvore-rainha da Amazônia. É algo impressionante! Sugiro que os leitores consultem os registros fotográficos na Internet.
Tratando-se, todavia, de uma situação improvisada e anômala, as condições de vida eram precárias e insalubres, marcando, ainda por cima, um incômodo contraste com a Manaus remanescente do fausto da borracha, em 1967, por determinação do governador Arthur Cézar Ferreira Reis, a Cidade Flutuante foi desmantelada e seus moradores transferidos para os bairros em terra firme e outros voltaram para o interior.
*Referencio, para quem deseja saber mais sobre o assunto, a tese de doutorado em História Social pela PCU-SP do prof. Leno José Barata Souza, intitulada “Cidade Flutuante, uma Manaus sobre as águas”; e o livro “Aspectos econômicos e sociais da Cidade Flutuante”, de autoria Wilson Rodrigues da Cruz e Celso Luiz Rocha Serra, publicado em 1964 pela Editora Gráfica Amazonas.
Continua na próxima edição…
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