Manaus, 15 de julho de 2025

Amazonas liberto

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Amazonas liberto, foi a expressão mais comum que correu nas rodas de conversa na cidade de Manaus naqueles dias que se seguiram ao 10 de julho de 1884, quando as chamadas forças vivas da sociedade e o presidente Theodureto Carlos de Faria Souto proclamaram a abolição da escravatura de africanos no território amazonense. A solenidade foi pomposa, com os rigores do cerimonial da época que incluiu bandas musicais, desfiles cívicos pelas ruas, discursos, cânticos, suspensão dos trabalhos legislativos, baile reservado a poucos convidados levado a efetivo no paço do palácio do governo, sessão festiva e branca nas lojas maçônicas que se empenharam decisivamente nesse objetivo, iluminação pública ampliada, entrega de diplomas de benemerência e honrarias aos próceres do movimento libertário.

Foi um ato político, porque a desescravização no território amazonense, seja pela pouca quantidade de escravos, seja pela aplicação de serviços a que se prestavam, como em razão da avançada idade de grande parte deles e falta de mercado para comercialização interna como sucedia em outras províncias, vinha sendo conseguida, passo a passo, desde alguns anos antes, com a criação do fundo provincial de emancipação, as emendas orçamentárias de liberdade individual, a compra de alforrias, libertações por dita generosidade de poucas famílias. Ao lado disso, havia o trabalho de clubes e associações de vários segmentos sociais em quermesses, rifas e recebimento de doações para compra de liberdades.

Ao mesmo tempo, os cofres provinciais arcaram com inúmeros pagamentos de cartas de alforria, viagens de comissões libertárias para municípios do interior, reuniões de congraçamento e das solenidades de promulgação e festejos oficiais em 24 de maio e em 10 de julho. Outro preço pago pelos amazonenses decorreu da substituição do presidente Theodureto Souto com a qual se deixou de ter um governo dedicado ao desenvolvimento local conforme os padrões da época, custo político dos atos de libertação.

Por alguns anos foi bastante comum a realização de eventos comemorativos desses feitos considerados históricos, quando parte da cidade antiga ficava embandeirada, celebravam-se missas solenes, havia discursos inflamados na Assembleia Legislativa provincial, os jornais abriam espaço para alentados artigos sobre o tema e seus destacados atores. Depois, o silêncio, como se tudo que foi tratado como virtude naquela ocasião, tivesse sido transformado em pecado inominável. Mais tarde ainda, aproximando-se do nosso tempo, recobraram-se bons augúrios pelos feitos libertadores, desconhecendo-se o lado negocial que, sem dúvida, também esteve presente quando do empenho para abolição da escravatura de africanos, bem antes que essa medida fosse adotada pelo governo do império para todo o território do país.

De nossa parte, bom recordar que, em 1984, quando do centenário desses feitos, na presidência do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, fizemos organizar seminário com debates de alto nível sobre o assunto o qual incluiu Gilberto Freyre, Arthur Reis, Mário Ypiranga Monteiro e Vicente Salles, conferimos homenagens a personalidades que se destacavam no movimento negro e na demonstração dos valores da cultura e das sabedorias de afrodescendentes, em uma semana que teve grande repercussão social, política e notadamente cultural.

O que se verifica na atualidade, e parece cristalino dizer-se, é que, de um lado vem crescendo a imposição e de outro a aceitação mais ampla de que o Brasil é um país multicultural e multirracial e como tal deve se expressar em todos os cenários da vida nacional, e que as posições ocupáveis pelos seres humanos devem estar acessíveis, indistintamente, por méritos, sem qualquer diferença ou constrangimento, o que significa palmilhar o caminho da desejada igualdade de direitos.

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