*Roberto Pompeu de Toledo
A questão da legitimidade ainda persegue o presidente Temer
O presidente Michel Temer é um homem sereno. Eis uma qualidade útil ao país nestes tempos de tormenta, e que mais útil será caso as turbulências no Rio de Janeiro se revelem apenas a preliminar do que em breve se espalhará por outras praças. O programa Roda Viva da semana passada ofereceu a mais longa exposição de Temer na TV desde que assumiu a Presidência. O ambiente era amigável e o local da entrevista foi o Palácio da Alvorada, ou seja, o presidente jogava em casa, uma vantagem que o futebol ensinou ser decisiva. Dá para presumir porém que, mesmo se fosse diferente, a serenidade se imporia. Ela é inerente a seu modo de ser.
A atuação do presidente no programa permite um balanço de seu desempenho rios seis meses de governo que ora se completam. Ele mostrou firmeza na perseguição das reformas julgadas necessárias para superar a crise econômica. Louvou o fato de a PEC do Teto dos gastos ter passado com folga na Câmara e garantiu que ainda neste ano, tão logo ela seja aprovada no Senado, será encaminhada ao Congresso sua irmã gêmea, a reforma da Previdência. Não mostrou a mesma firmeza no combate à corrupção. Indagado sobre duas suspeitas medidas tramadas mais à sombra do que à luz do dia entre os parlamentares – a anistia ao caixa dois e a repetição do programa de repatriação de recursos no exterior, agora permitindo a adesão de parentes de políticos -:-, deu em ambas as ocasiões a mesma resposta: “Isso é com o Congresso”.
Temer se gaba de fazer um governo em estreita parceria com o Congresso. Ele tem aí sua força e sua fraqueza. A força, porque lhe permite fazer passar difíceis reformas constitucionais; a fraqueza, porque o obriga a uma omissão com cheiro de cumplicidade nas tenebrosas transações de interesse dos políticos. A parceria é tão estreita que o presidente costuma compará-la, e a comparou de novo, no Roda Viva, ao regime parlamentarista. A comparação é discutível. No parlamentarismo o primeiro-ministro é o líder de uma maioria, a qual lhe cabe conduzir e comandar. Em Temer o frequente recurso ao “é com o Congresso” soa a renúncia à liderança.
A questão da legitimidade ainda o persegue. Os repetidos rapapés em direção aos deputados e senadores fazem supor a persistência de uma dívida a pagar. Seis meses depois, Temer continua a recitar a ladainha de que venceu ao mesmo título da cabeça da chapa, na eleição de 2014; de que ascendeu posteriormente à Presidência por um imperativo constitucional; e de que nesse processo foram observados todos os ritos legais. Perguntaram no programa se a eventual prisão do ex-presidente Lula poderia ter um efeito desestabilizador no governo. Temer respondeu que sim. Os “movimentos sociais”, acrescentou, poderiam “criar uma instabilidade”. Implícita era a admissão de que a um governo não oriundo das urnas sobra o dobro de dificuldade para lidar com a desgraça do supremo representante do regime destronado.
Além de sereno, Temer é um cavalheiro, e o cavalheirismo é um bem de primeira ordem, num tempo de vulgaridades e boçalidades em curso livre. Ao menor sinal de que o interlocutor pretende aparteá-lo, interrompe-se e lhe concede a palavra. Há políticos que, por quererem driblar questões incômodas, fingem não percebê-lo. Outros o fazem por pura prepotência, para vergar à devida insignificância quem ousou interrompê-los. Bom entrevistado, Temer não deixa pergunta sem resposta. Quando o entrevistador engata duas ou mais perguntas de uma vez, é fácil ao entrevistado escolher a mais fácil e esquecer a outra, ou as outras. Ele não as esquece.
Por fim, ao falar de Temer, é impossível deixar de lado o capítulo das mãos. Ora espalmadas, em atrevida extroversão, ora recolhidas, uma junto à outra, em eclesiástica contrição, elas nunca param. No Roda Viva, dada a longa duração do programa, de urna hora e meia, e dado o enquadramento frontal do entrevistado, o espectador pôde render-se a todo o seu virtuosismo. Num momento elas tremelicam, vacilantes, em outro apontam, decididas. Também se revezam, ora para ajeitar o nó da gravata, ora para fechar o paletó. De todos, o mais extraordinário dos movimentos é uma espécie de pirueta, em que a mão rodopia em torno do pulso, e parece querer alçar voo. Temos um presidente em que a eloquência das mãos captura a atenção de tal forma que por vezes faz esquecer o que ele está dizendo.
*Jornalista. Articulista da Revista Veja. Texto na edição 2505, de 23/11/2016.
Views: 7



















