*Bertino de Miranda
XIII
Ambrósio Ayres Bararoá. – Sua primeira expedição ao Baixo Amazonas. – Derrota dos Cabanos. – Volta triunfal dos bararoenses ao Rio Negro.
Em Mariuá e Thomar, quando recebem a notícia do assassinato de Lobo de Souza, todos pegam em armas e se previnem a tempo contra qualquer agressão. Em Thomar esse movimento é mais ruidoso. Dentro da Comarca e nessa época é o mais brilhante, pelo relevo que lhe empresta Ambrósio Ayres. Este, ás seduções de um físico atraente, alia uma palavra inflamada; por isso, sem nenhum esforço, grangeia a confiança dos outros. Não lhe custa muito ser aclamado um dos caudilhos da Legalidade.
Para os Cabanos, que ele venceu muitas vezes, é «um europeu alemão»; supõem-no, é claro, um estrangeiro pela cor alva da cútis e os cabelos louros (Mem. Sena in Act. extr. de 8 de março). Rayol acrescenta que era um degradado fugido de Lima (Motins cit. V-220). Araújo Amazonas diz que um irmão, Pedro Ayres, a quem chama oficial da Marinha Norte-Americana, é que veio fugido do Perú (Dicc. do Alto Amaz. cit. 280). Todas essas versões, a nosso ver, carecem de exactitude. A tradição que se conserva ainda na família do segundo é toda outra e em certo modo não destoa também do que se colhe em outras fontes.
Ambrósio Ayres tomou parte n’um desses motins que, logo após a Abdicação do primeiro Imperador, rebentam, a cada passo, na Côrte. Deportado para o Alto Amazonas, parece que a preferência de residir em Thomar foi espontânea. Ai casa e vive na abastança, com um círculo de admiradores, que na hora do perigo o elegem chefe. Seu nome de guerra é Bararoá e os seus soldados, no auge do entusiasmo, se apelidam bararoenses. E provável que cheguem a sede do Termo e do Município (Mariuá) ao mesmo tempo que os ofícios de Manáos relatando o advento sanguinário de Felix Malcher e Francisco Vinagre.
Reunida a Câmara, Ambrósio Ayres é quem primeiro manifesta a sua opinião. «Os povos do Termo não amam as atrocidades dos apoucenos do Pará, nem a governo algum intruso». E infenso á tolerância com os Cabanos. O que convém é preparar todos os elementos e fazer-lhes caça a toda custa». Era o seu parecer, conclui, e de setenta e sete guardas nacionais do Corpo de seu Comando (Act. de 5 de junho de 1835). Depois deste ultimatum, a Câmara proclama aos patriotas: «Habitantes do Termo de Mariuá, dizia ela, estejais alerta ao primeiro brado, porque se estes monstros, em despeito da nossa moderação, pretenderem romper a barreira que por felicidade nossa nos separa, forçoso e correr as Armas para a defesa dos nossos Patrícios e lares (ibid). Os bararoenses aumentam com outros voluntários da Villa. Armam dois barcos e dentro deles fazem a larga travessia pelo Rio Negro e Amazonas a Santarém.
Os documentos desta primeira expedição escasseiam bastante. Temos de recorrer às arengas dos Cabanos para recompor as cenas e os encontros de Bararoá. Em Santarém, Rodrigues de Souza, que é o Juiz de Direito e o organizador da resistência, confere-lhe o Comando em Chefe. O inimigo se entrincheira em Icuipiranga e é ponto assente que os Legais é que levam, ali, a guerra. Neste período os Cabanos só se defendem; assim resistem quanto podem e debandam logo que as suas filas rareiam. Talvez achem mais acertado bater em retirada, para refazê-las, ou aguardar, como parece mais logico, a subida de novos reforços. Si é essa a táctica, não se enganam. Poupam um morticínio inútil e economizam uma boa parte dos seus contingentes. Dirigidos por um chefe de pulso, eles tomarão em breve uma desforra, que os levará, vitoriosos e em triunfo, até Manáos.
Por ora o Tapajós é que sustenta todo o peso das responsabilidades e o ônus das despesas. Rodrigues de Sousa e Bararoá são os dois monstros que «reduzem a Pátria a calabouços e em escravos aos cidadãos livres… (Act. dos Cabanos in Motins Polit. cit. V-494). Fuzilam e aprisionam a torto e a direito (ibid.) As relações do segundo com Sanches de Brito devem datar desse tempo; elas se estreitam mais, quando Bararoá, finda a missão de arrasar o Icuipiranga, volta para o Rio Negro. Em Faro os dois se abrem com mais franqueza; ambos possuem qualidades que no decurso do ano terrível de 1836 concorrem, ligadas umas às outras, para enfraquecer o poderio dos rebeldes. Sanches de Brito, porém, é sobretudo um organizador, um centro de convergência, hábil e fecundo em reunir e disciplinar. O plano que ele traça em 1835, é uma espécie de linha negra a que não escapa nenhum furo ou lago. Tudo obedece a um cálculo, a uma certeza absoluta do êxito. Si este se converte numa derrota é por falta de gente bastante para resistir á avalanche que se vae despenhar a modo de uma horda de vândalos.
Os bararoenses virão tocando em alguns pontos. Recolhem viveres em Luzéa e demoram alguns dias em Serpa. Bararoá examina e inspeciona todo esse labirinto de rios, furos e lagos, a que a geografia dos meados do século XIX chama Mundurucaina, região composta da margem austral do Amazonas e do Baixo Madeira. Por todos esses lugares se terá de medir com os Cabanos e derrotá-los em vários encontros. Eles guardarão por largos anos a tradição de sua bravura, da sua crueldade e a lenda fantasista de sua morte nos Autazes, no momento em que premedita cair sobre Manáos para massacrar os seus Moradores. A chegada a Mariuá é de alvoroço e surpresa. Os incrédulos se arrependem de não terem querido confiar na boa estrela do caudilho. O que es- te e os companheiros contam, inclusive os exageros, dissociáveis nestas cousas, influirá de certo nas outras saídas. Aumenta o número dos que voltarão ao baixo Amazonas para medir de novo as suas armas com os inimigos da Lei e do Império.
*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.
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