Manaus, 4 de julho de 2025

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

I

Primeiros descobrimentos no século XVI. – Orellana e Lopo de Aguirre. – A Fortaleza. – Fundação da Cidade. – Os portugueses chegam ao Orenoco. – A Capitania. – Origens da população Amazonense.

A entrada do Rio Negro foi descoberta em 1540, ao descer Orellana pelo Solimões, vindo do Napo, em demanda do Oceano. Assim se lê na Relação da Viagem, escrita por Frei Gonçalo de Carvajal. Alguns cronistas se enganam atribuindo o nome do rio a Pedro Teixeira.

O descobrimento da enseada, talvez até a baia de Boiassú, pertence aos marañones de Lopo de Aguirre em 1560. Como se sabe, após o assassinato de Pedro Orsua e Fernando Gusmão, ele se acalmar chefe da Jornada aos Omaguas e desce pelo estuário em procura do Mar do Norte. Temos de corrigir outro engano nas crônicas e em vários historiadores modernos; Aguirre não entrou pelo Jutahy, nem saiu pelo Juruá outra vez no Solimões. A descida é sempre por este último, mais rapidamente que a de Orellana, e para alcançar a toda pressa as costas de Venezuela.

A história de Manaus data de dois séculos. A Fortaleza precede ao povoado. Já em 1700 vemo-la em atitude belicosa. Foi construída por Manuel da Motta Falcão, cuja família parece ter sido especialista em obras desta natureza.

Guilherme Valente funda a Cidade ai pelo princípio do século XVIII. As tentativas anteriores fracassam sempre; as tribos se mostram indomáveis, e já os portugueses teriam perdido a esperança de chamá-las A vida civilizada, quando Valente se resolve casar-se com a filha de um dos tuxauas. Pelo menos é o que diz a lenda, que Sampayo recolhe na tradição dos fins do século XVIII em Barcellos. (Diário da Viagem de Correição, 149).

A Missão de Saracá (Silves) foi o primeiro núcleo europeu estabelecido no território do Amazonas. No rio que lhe fica mui próximo, o Urubú, Pedro Favella, com o fim de vingar o morticínio da expedição de Antonio Arau Villela em 1663, faz uma carnificina inacreditável. Pela terceira vez ele se assinalava na bacia do Amazonas pelo terror e pelo pânico. Provavelmente Favella transfere a Missão ao Tarumã, e depois a Ayrão, mais para dentro. Os portugueses realizam em seguida um dos mais belos episódios da epopeia fluvial; transpõem as cachoeiras do curso superior, embarafustam pelo Cassiquiari e descobrem a comunicação deste com o Orenoco!

Em 1740, Lourenço Belfort, um dos cresus de S. Luiz, ameaça despovoar o rio Branco com a sua tropa de resgates. Ao regressar a Maranhão, distribui os silvícolas apresados pelas suas fazendas e fabricas do Mearim e Itapecurú. Em 1763, o Bispo Miguel de Bulhões, n’uma de suas cartas ao Governador Mello e Castro, observa que a casaria mais luxuosa em S. Luiz é a de Lourenço Belfort, as melhores fazendas de gado e as olarias de que se suprem os moradores. Como se vê, o nababo argumentara a fortuna. Essa devastação de carne humana levanta um grande tumulto na Junta das Missões. O Provincial dos Jesuítas propõe que se deixem descansar por alguns anos os sertões do Rio Negro. Todos votam a favor dessa medida, e assim se atenua um pouco a crueldade dos Conquistadores.

Na segunda metade do século XVIII os portugueses se concentram em Mariuá e Thomar. É a residência de vários sertanejos; Francisco Ferreira, que descortina o vale do rio Branco, Eucherio Ribeiro, explorador do Japurá até a grande Cachoeira, Francisco Xavier de Moraes, que encontra a comunicação com o Orenoco, e Izidoro Ferreira, o famoso prático da navegação tortuosa do Tiquié. Francisco Ferreira é maior de 80 anos; mais de 50 contas ele de permanência interpolada no Rio Negro e nas razias com os índios. Com certeza fora um dos companheiros de Favella, ou dos raros que escapam á hecatombe do Urubú.

Ali o virá topar Xavier de Mendonça na sua primeira viagem em 1755. Fornecem algumas notícias curiosas. Por elas se calcula, mais ou menos, quanto o Mappa das Côrtes e o Tratado de 1750 prejudicam os domínios de Portugal. Xavier de Moraes é o mais imaginoso desses narradores impressionistas. Deve lhe pertencer a descrição pinturesca das nascentes do Rio Negro.

A ideia fixa de Xavier de Mendonça está voltada para a fronteira do Solimões. Pelo Tratado ela vira a se fixar em Tabatinga, recuando, de um modo brusco, os avanços do século XVII. Perdia-se o curso inferior do Napo, a posse de Pedro Teixeira no Aguarico, hoje pomto de discórdia entre o Peru e o Equador, e a renovação do marco divisório em 1729 por Belchior Mendes. Os portugueses levam suas expedições muito longe; encurralam os espanhóis no alto Napo, que retrocedem mais para cima do Ucayali, onde tratam de se fazer fortes, imaginando construir algumas fortalezas. Só assim, diziam eles, oporemos um grande entrave ás incursões dos nossos inimigos. O ajuste das duas Côrtes em 1750 termina essas rivalidades. Agora, todo o empenho de Xavier de Mendonça é deslocar para o Javary um pouco de seiva que floresce Belém. Tal foi, a nosso ver, o objetivo da Carta Régia de 1755. O nome primitivo da Capitania indica o empenho da Metropole em povoar e engrandecer o alto Solimões.

A instalação posterior em Barcellos talvez se origine no facto dos comissários espanhóis que vinham traçar a linha de limites preferirem descer pelo Cassiquiari. Em Madrid se resolve aproveitá-los na fundação de alguns povoados no Orenoco e na Guyania; era esse o meio mais pronto de fortalecer os domínios da Espanha por esse lado.

Mendonça deixa Lisboa sob um coro de aclamação. – «Aqui todos se regozijam com os vossos triunfos» -lhe escreve um dos amigos – «Quando recebo notícias vossas, acrescenta outro, vou logo mostrá-las ao Sr. Sebastião de Carvalho Mello». Por ali se avalia quanto o futuro Marquês de Pombal começa de ser onipotente.

Ao chegar a Belém rompe com o Ouvidor. E’ homem impetuoso, de arranques despóticos, celebres, como traços atávicos, na prepotência da família. Na época de Berredo a vitória caberia ao Ouvidor; mas as cousas tomam outro rumo. Atrás dele se acastelam as Ordens Religiosas; é preciso, portanto, fazer-lhe frente, para poder reduzir estas as impotências. Rebentam também os primeiros atritos com os Jesuítas. No princípio, Mendonça até cede em ir ao Colégio de Santo Alexandre discutir os Seminários projetados pelo Padre Malagrida e determina que o Provincial mande fundar duas Missões no Japurá e Javari. Os subterfúgios dos Padres anulam as vantagens dessa providência, que o Governador considera essencial á robustez da autoridade régia num dos confins de seus territórios.

Cheia a medida dos agravos, todos os obstáculos e todas as delongas são atribuídas aos Regulares. As viagens ao Rio Negro, que ele anuncia e desmancha a todo o instante, para toda parte em dezenas de cartas, acabam por exasperá-lo e lhe ferir o amor-próprio. Seu gênio irascível vae ao ponto de crer que os Padres, de proposito, fazem os índios desertar da Ribeira, onde se aparelham as canoas.

Mendonça abandona a capital em 1758. Sobre o rio transformando em vilas e lugares as antigas aldeias. a pressa de recolher ao Rio Negro deixará a Mello Póvoas o encargo de fundar a Villa de Silves. Borba fora instalada na viagem de 1755. Ao desembarcar em Mariuá, eleva esse povoado á categoria de Villa e sede da Capitania. A Câmara é nomeada por um decreto especial: um dos vereadores escolhidos foi Francisco Xavier de Moraes, o descobridor do Cassiquiari. A Villa de Moura foi erecta no mesmo ano; assistem á cerimonia o Padre Noronha, autor do Roteiro que leva seu nome, e José Pereira Caldas, Governador do Piaui.

Frustrada a reunião das duas Partidas Demarcadoras, a maior parte do séquito de Xavier de Mendonça acha mais lucrativo fixar residência nas novas Villas. Igual desejo manifestam os soldados. Assim se localiza o adventício e se funde a população amazonense do século XIX. Diversas Leis Josephinas cumulam de isenções e privilégios a mescla do índio e do branco. Casar-se com índia é ser preferido sempre para todos os cargos e distinção de nobreza.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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