Manaus, 21 de novembro de 2024

A escravidão na Amazônia

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Foi iniciada com a escravização maciça das etnias indígenas, com mais de 600 línguas diferentes, que o padre Vieira comparou a história bíblica da confusão de línguas, estabelecendo que se Babel existira um dia, ela teria sido aqui, ele que tinha recebido o dom do Espírito Santo, depois do seu célebre estalo…

Segundo o jesuíta Bettendorf, em 200 anos saíram das florestas amazônicas, para repovoar a região de Belém, São Luiz e Marajó, pelo massacre dos tupinambás, caetés e aruãs, mais de 2.000.000 de escravos, descidos ou resgatados, através de guerras justas, por roubo, antropofagia, impedimentos à difusão da religião cristã e outros crimes, vendidos em hasta pública, no mercado de Belém. Assim despovoava-se o Alto, Médio e Baixo Amazonas, em favor do repovoamento daquelas regiões, além da obtenção de mão de obra barata.

Embora a entrada de escravos negros na Amazônia remonte ao século XVII, foi a Companhia de Comercio e Navegação do Grão Pará e Maranhão, que iniciou a introdução maciça dos mesmos, pela liberação do trabalho indígena, com a extinção das missões religiosas.

O pico máximo de participação da raça negra, na composição da população amazônica, talvez tenha sido alcançado por volta de 1787, quando ela participou de 50% dos habitantes de Belém.

 

AFRICANOS QUE VIERAM PARA A AMAZÔNIA

Diretamente da África para a Amazônia, durante todo o período colonial e até 1850, quando entrou em vigor a Lei Eusébio de Queiroz, de 4/9/1850, secundando o Bill Aberdeen inglês, que autorizava à Marinha Inglesa, a abordar e apreender os navios negreiros de qualquer bandeira entraram,  pelo porto de Belém, dezenas de milhares de escravos oriundos principalmente de duas regiões daquele continente: Guiné Portuguesa e Angola. Espalharam-se por toda a Amazônia, em sua fuga para as zonas despovoadas, formando numerosos quilombos, ou mesclaram-se com as populações indígenas, onde a sua chegada era comemorada com as festas do genipapo. Posteriormente o fato se repetiu com a Cabanagem e com a chegada de afrodescendentes entre os emigrantes nordestinos do ciclo da borracha e os trabalhadores negros do Caribe, trazidos pelas companhias inglesas.

Os números de escravos entrados, no país, são difíceis de serem levantados. Segundo o IBGE, eles elevaram-se, entre 1801 e 1855, aos seguintes valores aproximados:

Ao norte da Bahia                     268.000

Bahia                                        311.000

Ao Sul da Bahia            1.137.000

Total                             1.716.000

 

porao navios negreiro

PORÃO DE NAVIO NEGREIRO

As estatísticas da Amazônia são melhores conhecidas, pelas suas entradas quase que exclusivamente pelo porto de Belém, salvo os fugitivos das fazendas e plantações do Maranhão.

A maior introdutora de escravos, na Amazônia Colonial, foi a Companhia de Comércio e Navegação do Grão-Pará e Maranhão, fundada pelo Marques de Pombal, que monopolizava o comércio de importação e exportação do Grão Pará, Rio Negro, Maranhão, Piauí, Costa da Guiné e Cabo Verde, o tráfico africano da Guiné e de parte de Angola, trazendo dessas regiões, entre 1757 e 1777, segundo Vicente Salles (1), as seguintes quantidades de escravos:

BELEM           S.LUIZ            TOTAL

Guiné Cacheu      3.604          4.758          8.362

Guiné Bissau       4.667          4.562          9.229

Parcial Guiné       8.271          9.320         17.591

Angola                 6.478          1.296          7.774

Total                  14.740                 10.616       25.365

Portanto 56,53% dos escravos introduzidos por aquela Companhia, entraram pelo porto de Belém, e 43,47%, pelo de São Luiz.  Os do porto de Belém compreendiam 8271 de Guiné Bissau/Cacheu, ou 56,22%, e 6478, ou 43,78%, de Angola, e os de entrados por São Luiz atingiam 9325 ou 88,22%, da Guiné Portuguesa, e apenas 1296 ou 11,78% de Angola, sendo esse fornecimento guineano uma verdadeira exclusividade.

Notamos, ao contrário do que se pensa, uma predominância de entradas pelo porto de Belém, sobre o de São Luiz, neste período, de mais de 16% de escravos.

Para Antonio Carreira (2), a Companhia remeteu para a região Pará-Maranhão, 31317 escravos, dos quais apenas 24985 ou 79,78% chegaram com vida, totalizando 6332 ou 20,22% de óbitos sendo 2561, nos locais de embarque, e 3771, nos porões dos navios negreiros. Os da Guiné embarcavam em Cachéu e Bissau, enquanto os de Angola saiam de Luanda e Benguela.

GUINÉ                   ANGOLA         TOTAL

COMPRADOS                                 22404              8913                31317

ÓBITOS NA ORIGEM                      1920                641                  2561

EMBARCADOS                              20484              8272                28756

ÓBITOS NA VIAGEM                      2216              1555                  3771

VENDIDOS NOS PORTOS                        18268              6717                24985

 

Vicente Salles registrou os seguintes números de negros entrados por Belém, sem contar com os períodos anteriores e posteriores a essas datas:

1755/1777                     14749

1778/1792                       7606

1793/1820                     30717

TOTAL                          53072

Para termos uma idéia da grandeza desses números, Companhia de Comércio da Paraíba e de Pernambuco introduziu, entre 1761 e 1787, em todo o Nordeste, cerca de 54.575 escravos, sendo 45079  de Angola, e 9496 da Costa da Mina(2).

Definidas, as duas regiões fornecedora de africanos, para a Amazônia, foram: a Costa da Guiné e Angola e, muito secundariamente a Costa da Mina.

 

COSTA DA GUINÉ

Corresponde à costa da África Ocidental entre o rio Gâmbia e a Serra Leoa.

Dali chegaram gentes das seguintes origens (2) :

De entre o rio Gâmbia e o Casamansa

MANDINGAS – FELUPE –SONINKÉS – BARBACIN – JALOFO – SERERÊ – FULAS

De entre o Casamansa e Cachéu

BANHUNS – BALANTAS – BIJAGÓS – BAIOTES – CASSANGE – FELUPE – BRAME – PAPEIS – COBIANAS OU CABOINAS

De Bissau

PAPEIS – BALANTAS – MANJACOS – BIJAGÓS – BIAFADAS – NALUS OU LALÔR – PAJADINCAS – SONINKÉS – MANDINGAS – JETA

Da Guiné Conacri a Serra Leoa

BOLÕES – SAPÉS – TIMENÉS – BAGAS – SOSSO – LOKOS – MENDES – SÉBORA – TANDAS – FUTA-FULAS – KISSI – DJALONKÉS – SARACOLÉS – UASSALONCAS –FULAS- LUNDUMÁS – NALÚS – MANÉS OU SUMBATOMAS

Línguas africanas de Guiné Bissau   

POVO Local onde é falada Nome alternativo []
Badjara Curva Nordeste do País Badyara, Badian, Badyaranke, Pajade, Pajadinca, Pajadinka, Gola e Bigola.
 

Bainouk – Gunyuño

Sul do rio Casamança Banyum, Banyun, Bagnoun, Banhum, Bainuk, Banyung, Elomay e Elunay.
Balanta-Kentohe No País Balanta, Balant, Balante, Balanda, Ballante, Bellante, Bulanda, Brassa, Alante e Frase. Dialetos: Fora, Kantohe (Kentohe, Queutohe), Naga e Mane.
Basari Nordeste do País Onian, Ayan, Biyan, Wo e Bassari
Bayot Noroeste do País Bayote, Baiot e Bayotte.
Biafada Sul Central, Norte de Nalu.  

Beafada, Bafar, Bidyola, Bedfola, Dfola e Fada.

Bidyogo Roxa e Ilhas Bijagós  

Bijago, Bijogo, Bijougot, Budjago, Bugago e Bijuga.

Ejamat No País  

Ediamat, Fulup, Feloup, Felup, Felupe, Floup e Flup

Kasanga Sobrevive perto de Felupe, a Noroeste, Cassanga, Kassanga, I-Hadja e Haal.
 

Kobiana

 

No País

Mandinka  

Centro-Norte, Centro e Nordeste.

 

Mandinga, Mandingue, Mandingo, Mandinque e Manding.

Mandjak Metade fala o dialecto central, 25% falam dialetos que são inerentemente inteligíveis com o primeiro.  

 

Mandjaque, Manjaca, Manjaco, Manjiak, Mandyak, Manjaku, Manjack, Ndyak, Mendyako e Kanyop. Dialetos: Bok (Babok, Sarar, Teixeira Pinto e Tsaam), Likes-Utsia (Baraa e Kalkus), Cur (Churu), Lund, Yu (Pecixe, Siis e Pulhilh).

Mankanya No País  

 

Mankanha, Mancanha, Mancangne, Mancang e Bola. Dialetos: Burama (Bulama, Buram e Brame), e Shadal (Sadar).

Mansoanka No País  

Mansoanca, Maswanka, Sua, Kunant e Kunante.

Nalu Sudoeste, perto da costa.  

Nalou

 

Papel

 

No País

 

Pepel Papei, Moium e Oium.

Pulaar Centro Norte e Nordeste do País  

Fulfulde-Pulaar, Pulaar Fulfulde, Peul e Peulh. Dialetos: Fulacunda (Fulakunda, Fulkunda, Fula Preto e Fula Forro).

Soninke No País  

Sarakole e Marka. Dialetos: Azer (Adjer, Aser, Ajer, Masiin e Taghdansh).

 

CULTURA

Os falupes, baiotes, papeis, brames, majacos, cobianas, balantas, banhuns, casangas e bisagós cultivavam o arroz e o sorgo (findó ou fundó), usavam o dendê, teciam o algodão e tinham cerâmica, criavam animais por equivalerem a dinheiro e servirem para cerimônias religiosas. As aldeias eram governadas por um régulo, por um conselho ou uma sacerdotisa, pertencente a uma família nobre. Veneravam os antepassados e tinham adivinhos. Linguisticamente pertenciam aos semi-bantus.

Os jalofos, os da lingua mandê (mandingas, soninkés, pajadincas, bambara, mendê), fulas, biafadas e nalus cultivavam o milho e o sorgo, sendo o arroz e o dendê secundários. Criavam bovinos destinados ao leite e permuta. Existia uma classe de artesãos: tecelões, ferreiros, tingidores, curtidores, sapateiros, marceneiros e ambulantes.

Os fulas (bororo, futa-djalon e futa-toro), eram criadores de gado. Já possuiam uma estrutura social de nobres, sacerdotes, artesãos e servos. Estavam sendo islamizados, no interior, por influência dos mandingas.

As linguas jalofo, mandês e fula eram consideradas sudanesas, enquanto as demais eram banto-congolesas.

De ANGOLA chegaram à Amazônia (2), embarcados:

De Cabinda

Anzico, iombe, oio, vili e cacongo.

De Benguela

Sela, quissange, balundo, dombo, itanha, libolo, quibaba, quilenge, ganguela, nhemba e bieno.

Do Litoral e do Zaire

Sorongo ou mussorongo, muxocongo, itungo, ambundo, pemba, bondo, bângala, songo e lunda.

Da Costa da Mina, que vai da Serra Leoa ao Zaire veio uma minoria para a Amazônia, onde se incluíam: Iorubas – ôios, ifés, egbas, egbados, ibadãs, ondos, nagôs e ijebus.

Achantis – Eué – Pauim.

 

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COMPRA DOS ESCRAVOS

Entre 1761 e 1764 foram adquiridos, na Costa da Guiné, principalmente por troca de mercadorias, entre as quais:

Aneis de ouro –barras de ferro – pólvora – bretanha –bengalas com castão de prata – chitas – caixas para rapé em prata –espadas- espadins de prata –

Espingardas – facas flamengas – cachaça –missangas – pistolas- rolos de tabaco – terçados.

Eram trazidos para os portos de Cachéu e Bissau e ali embarcavam nos navios da Companhia de Comércio, que durante a sua existência utilizou 43 navios, em 175 viagens de tráfico negreiro, durando de 45 a 90 dias. Antes de embarcar, muitos recebiam as marcas de propriedade dos negreiros, feitas com um ferro em brasa, altamente estigmatizante, pois jamais poderiam ser apagadas.

A bordo, nos porões, sem condições de higiene e com uma alimentação precária a mortalidade, principalmente entre as crianças atingia números alarmantes.

Para o sustento dos escravos a bordo usava-se basicamente arroz,inhame e jerimuns, além de milho, azeite de dendê, farinha, limões, caldo de limões, aguardente, sal, chavéo (fruto do dendê), feijão fradinho, carne moqueada e fumada, e alguns poucos animais (galinhas).

 

VIAGEM NEGREIRA TÍPICA

A 15 de janeiro de 1774, saiu de Bissau a corveta São Pedro Gonçalves trazendo em seus porões 221 escravos, sendo 91 homens, 62 mulheres, 40 rapazes e 28 moças, dos quais só 186 chegaram ao porto de Belém (2/3):

Valor dos Escravos                               14.676$500

Mantimentos antes do embarque     1.233$130

Comissões                                               1.113$674

Custeamento da viagem (custeio)     561$973

Total                                                         17.585$227

 

Entre os mantimentos gastos durante a viagem foram relacionados os seguintes:

Arroz                     550 alqueires                 Jerimuns                150 unidades Arroz c/casca          6 alqueires                  Galinhas               44  bicos

Porcos                   2 cabeças                        Aguardente             1 frasqueira

Vaca                       1 cabeça                          Azeite                       2 barris

Inhames               700 unidades                 Caldo de Limão      1 frasqueira               Panelas de Fumar 100 unidades                Tabaco

A revolta da Cabanagem que desestruturou a vida social, econômica e política da Amazônia descentralizou a população negra concentrada no Marajó, em torno de Belém e no baixo Tocantins, disseminando essa populações, a procura de refúgio, pelas perseguições e matanças prepertadas, pelas tropas legais, à medida que as forças cabanas recuavam em todo vale. Mais tarde, durante o ciclo da borracha muitos negros do Nordeste e principalmente do Maranhão, desempregados com a libertação emigraram para a região produtora, bem como contingentes de negros caribenhos de Barbados e da Guiana, que vieram trabalhar nas empresas inglesas.

Fontes:

(1)Vicente Sales – O Negro no Pará –  Belém – 1971

2) Antonio Carreira – As Companhias Pombalinas – Editorial Presença- 1982

3) Manuel Nunes Dias- A Companhia Geral do Grão Pará  e Maranhão-

Belém -1970

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2 respostas

  1. Gostei muito de ter visitado a pagina do BLOG DO FRANCISCO, estou fascinado e agradecido. Estou fazendo doutorado em ciência social da amazônia e muitos trabalhos aqui lidos estão me ajudando muito a entender mais sobre a escravos na amazônia. Gostaria de receber documentário e artigos sobre Quilombolas na Am.azonia e principalmente no Pará.

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