Foi iniciada com a escravização maciça das etnias indígenas, com mais de 600 línguas diferentes, que o padre Vieira comparou a história bíblica da confusão de línguas, estabelecendo que se Babel existira um dia, ela teria sido aqui, ele que tinha recebido o dom do Espírito Santo, depois do seu célebre estalo…
Segundo o jesuíta Bettendorf, em 200 anos saíram das florestas amazônicas, para repovoar a região de Belém, São Luiz e Marajó, pelo massacre dos tupinambás, caetés e aruãs, mais de 2.000.000 de escravos, descidos ou resgatados, através de guerras justas, por roubo, antropofagia, impedimentos à difusão da religião cristã e outros crimes, vendidos em hasta pública, no mercado de Belém. Assim despovoava-se o Alto, Médio e Baixo Amazonas, em favor do repovoamento daquelas regiões, além da obtenção de mão de obra barata.
Embora a entrada de escravos negros na Amazônia remonte ao século XVII, foi a Companhia de Comercio e Navegação do Grão Pará e Maranhão, que iniciou a introdução maciça dos mesmos, pela liberação do trabalho indígena, com a extinção das missões religiosas.
O pico máximo de participação da raça negra, na composição da população amazônica, talvez tenha sido alcançado por volta de 1787, quando ela participou de 50% dos habitantes de Belém.
AFRICANOS QUE VIERAM PARA A AMAZÔNIA
Diretamente da África para a Amazônia, durante todo o período colonial e até 1850, quando entrou em vigor a Lei Eusébio de Queiroz, de 4/9/1850, secundando o Bill Aberdeen inglês, que autorizava à Marinha Inglesa, a abordar e apreender os navios negreiros de qualquer bandeira entraram, pelo porto de Belém, dezenas de milhares de escravos oriundos principalmente de duas regiões daquele continente: Guiné Portuguesa e Angola. Espalharam-se por toda a Amazônia, em sua fuga para as zonas despovoadas, formando numerosos quilombos, ou mesclaram-se com as populações indígenas, onde a sua chegada era comemorada com as festas do genipapo. Posteriormente o fato se repetiu com a Cabanagem e com a chegada de afrodescendentes entre os emigrantes nordestinos do ciclo da borracha e os trabalhadores negros do Caribe, trazidos pelas companhias inglesas.
Os números de escravos entrados, no país, são difíceis de serem levantados. Segundo o IBGE, eles elevaram-se, entre 1801 e 1855, aos seguintes valores aproximados:
Ao norte da Bahia 268.000
Bahia 311.000
Ao Sul da Bahia 1.137.000
Total 1.716.000
PORÃO DE NAVIO NEGREIRO
As estatísticas da Amazônia são melhores conhecidas, pelas suas entradas quase que exclusivamente pelo porto de Belém, salvo os fugitivos das fazendas e plantações do Maranhão.
A maior introdutora de escravos, na Amazônia Colonial, foi a Companhia de Comércio e Navegação do Grão-Pará e Maranhão, fundada pelo Marques de Pombal, que monopolizava o comércio de importação e exportação do Grão Pará, Rio Negro, Maranhão, Piauí, Costa da Guiné e Cabo Verde, o tráfico africano da Guiné e de parte de Angola, trazendo dessas regiões, entre 1757 e 1777, segundo Vicente Salles (1), as seguintes quantidades de escravos:
BELEM S.LUIZ TOTAL
Guiné Cacheu 3.604 4.758 8.362
Guiné Bissau 4.667 4.562 9.229
Parcial Guiné 8.271 9.320 17.591
Angola 6.478 1.296 7.774
Total 14.740 10.616 25.365
Portanto 56,53% dos escravos introduzidos por aquela Companhia, entraram pelo porto de Belém, e 43,47%, pelo de São Luiz. Os do porto de Belém compreendiam 8271 de Guiné Bissau/Cacheu, ou 56,22%, e 6478, ou 43,78%, de Angola, e os de entrados por São Luiz atingiam 9325 ou 88,22%, da Guiné Portuguesa, e apenas 1296 ou 11,78% de Angola, sendo esse fornecimento guineano uma verdadeira exclusividade.
Notamos, ao contrário do que se pensa, uma predominância de entradas pelo porto de Belém, sobre o de São Luiz, neste período, de mais de 16% de escravos.
Para Antonio Carreira (2), a Companhia remeteu para a região Pará-Maranhão, 31317 escravos, dos quais apenas 24985 ou 79,78% chegaram com vida, totalizando 6332 ou 20,22% de óbitos sendo 2561, nos locais de embarque, e 3771, nos porões dos navios negreiros. Os da Guiné embarcavam em Cachéu e Bissau, enquanto os de Angola saiam de Luanda e Benguela.
GUINÉ ANGOLA TOTAL
COMPRADOS 22404 8913 31317
ÓBITOS NA ORIGEM 1920 641 2561
EMBARCADOS 20484 8272 28756
ÓBITOS NA VIAGEM 2216 1555 3771
VENDIDOS NOS PORTOS 18268 6717 24985
Vicente Salles registrou os seguintes números de negros entrados por Belém, sem contar com os períodos anteriores e posteriores a essas datas:
1755/1777 14749
1778/1792 7606
1793/1820 30717
TOTAL 53072
Para termos uma idéia da grandeza desses números, Companhia de Comércio da Paraíba e de Pernambuco introduziu, entre 1761 e 1787, em todo o Nordeste, cerca de 54.575 escravos, sendo 45079 de Angola, e 9496 da Costa da Mina(2).
Definidas, as duas regiões fornecedora de africanos, para a Amazônia, foram: a Costa da Guiné e Angola e, muito secundariamente a Costa da Mina.
COSTA DA GUINÉ
Corresponde à costa da África Ocidental entre o rio Gâmbia e a Serra Leoa.
Dali chegaram gentes das seguintes origens (2) :
De entre o rio Gâmbia e o Casamansa
MANDINGAS – FELUPE –SONINKÉS – BARBACIN – JALOFO – SERERÊ – FULAS
De entre o Casamansa e Cachéu
BANHUNS – BALANTAS – BIJAGÓS – BAIOTES – CASSANGE – FELUPE – BRAME – PAPEIS – COBIANAS OU CABOINAS
De Bissau
PAPEIS – BALANTAS – MANJACOS – BIJAGÓS – BIAFADAS – NALUS OU LALÔR – PAJADINCAS – SONINKÉS – MANDINGAS – JETA
Da Guiné Conacri a Serra Leoa
BOLÕES – SAPÉS – TIMENÉS – BAGAS – SOSSO – LOKOS – MENDES – SÉBORA – TANDAS – FUTA-FULAS – KISSI – DJALONKÉS – SARACOLÉS – UASSALONCAS –FULAS- LUNDUMÁS – NALÚS – MANÉS OU SUMBATOMAS
Línguas africanas de Guiné Bissau
POVO | Local onde é falada | Nome alternativo [] |
Badjara | Curva Nordeste do País | Badyara, Badian, Badyaranke, Pajade, Pajadinca, Pajadinka, Gola e Bigola. |
Bainouk – Gunyuño |
Sul do rio Casamança | Banyum, Banyun, Bagnoun, Banhum, Bainuk, Banyung, Elomay e Elunay. |
Balanta-Kentohe | No País | Balanta, Balant, Balante, Balanda, Ballante, Bellante, Bulanda, Brassa, Alante e Frase. Dialetos: Fora, Kantohe (Kentohe, Queutohe), Naga e Mane. |
Basari | Nordeste do País | Onian, Ayan, Biyan, Wo e Bassari |
Bayot | Noroeste do País | Bayote, Baiot e Bayotte. |
Biafada | Sul Central, Norte de Nalu. |
Beafada, Bafar, Bidyola, Bedfola, Dfola e Fada. |
Bidyogo | Roxa e Ilhas Bijagós |
Bijago, Bijogo, Bijougot, Budjago, Bugago e Bijuga. |
Ejamat | No País |
Ediamat, Fulup, Feloup, Felup, Felupe, Floup e Flup |
Kasanga | Sobrevive perto de Felupe, a Noroeste, | Cassanga, Kassanga, I-Hadja e Haal. |
Kobiana |
No País |
|
Mandinka |
Centro-Norte, Centro e Nordeste. |
Mandinga, Mandingue, Mandingo, Mandinque e Manding. |
Mandjak | Metade fala o dialecto central, 25% falam dialetos que são inerentemente inteligíveis com o primeiro. |
Mandjaque, Manjaca, Manjaco, Manjiak, Mandyak, Manjaku, Manjack, Ndyak, Mendyako e Kanyop. Dialetos: Bok (Babok, Sarar, Teixeira Pinto e Tsaam), Likes-Utsia (Baraa e Kalkus), Cur (Churu), Lund, Yu (Pecixe, Siis e Pulhilh). |
Mankanya | No País |
Mankanha, Mancanha, Mancangne, Mancang e Bola. Dialetos: Burama (Bulama, Buram e Brame), e Shadal (Sadar). |
Mansoanka | No País |
Mansoanca, Maswanka, Sua, Kunant e Kunante. |
Nalu | Sudoeste, perto da costa. |
Nalou |
Papel |
No País |
Pepel Papei, Moium e Oium. |
Pulaar | Centro Norte e Nordeste do País |
Fulfulde-Pulaar, Pulaar Fulfulde, Peul e Peulh. Dialetos: Fulacunda (Fulakunda, Fulkunda, Fula Preto e Fula Forro). |
Soninke | No País |
Sarakole e Marka. Dialetos: Azer (Adjer, Aser, Ajer, Masiin e Taghdansh). |
CULTURA
Os falupes, baiotes, papeis, brames, majacos, cobianas, balantas, banhuns, casangas e bisagós cultivavam o arroz e o sorgo (findó ou fundó), usavam o dendê, teciam o algodão e tinham cerâmica, criavam animais por equivalerem a dinheiro e servirem para cerimônias religiosas. As aldeias eram governadas por um régulo, por um conselho ou uma sacerdotisa, pertencente a uma família nobre. Veneravam os antepassados e tinham adivinhos. Linguisticamente pertenciam aos semi-bantus.
Os jalofos, os da lingua mandê (mandingas, soninkés, pajadincas, bambara, mendê), fulas, biafadas e nalus cultivavam o milho e o sorgo, sendo o arroz e o dendê secundários. Criavam bovinos destinados ao leite e permuta. Existia uma classe de artesãos: tecelões, ferreiros, tingidores, curtidores, sapateiros, marceneiros e ambulantes.
Os fulas (bororo, futa-djalon e futa-toro), eram criadores de gado. Já possuiam uma estrutura social de nobres, sacerdotes, artesãos e servos. Estavam sendo islamizados, no interior, por influência dos mandingas.
As linguas jalofo, mandês e fula eram consideradas sudanesas, enquanto as demais eram banto-congolesas.
De ANGOLA chegaram à Amazônia (2), embarcados:
De Cabinda
Anzico, iombe, oio, vili e cacongo.
De Benguela
Sela, quissange, balundo, dombo, itanha, libolo, quibaba, quilenge, ganguela, nhemba e bieno.
Do Litoral e do Zaire
Sorongo ou mussorongo, muxocongo, itungo, ambundo, pemba, bondo, bângala, songo e lunda.
Da Costa da Mina, que vai da Serra Leoa ao Zaire veio uma minoria para a Amazônia, onde se incluíam: Iorubas – ôios, ifés, egbas, egbados, ibadãs, ondos, nagôs e ijebus.
Achantis – Eué – Pauim.
COMPRA DOS ESCRAVOS
Entre 1761 e 1764 foram adquiridos, na Costa da Guiné, principalmente por troca de mercadorias, entre as quais:
Aneis de ouro –barras de ferro – pólvora – bretanha –bengalas com castão de prata – chitas – caixas para rapé em prata –espadas- espadins de prata –
Espingardas – facas flamengas – cachaça –missangas – pistolas- rolos de tabaco – terçados.
Eram trazidos para os portos de Cachéu e Bissau e ali embarcavam nos navios da Companhia de Comércio, que durante a sua existência utilizou 43 navios, em 175 viagens de tráfico negreiro, durando de 45 a 90 dias. Antes de embarcar, muitos recebiam as marcas de propriedade dos negreiros, feitas com um ferro em brasa, altamente estigmatizante, pois jamais poderiam ser apagadas.
A bordo, nos porões, sem condições de higiene e com uma alimentação precária a mortalidade, principalmente entre as crianças atingia números alarmantes.
Para o sustento dos escravos a bordo usava-se basicamente arroz,inhame e jerimuns, além de milho, azeite de dendê, farinha, limões, caldo de limões, aguardente, sal, chavéo (fruto do dendê), feijão fradinho, carne moqueada e fumada, e alguns poucos animais (galinhas).
VIAGEM NEGREIRA TÍPICA
A 15 de janeiro de 1774, saiu de Bissau a corveta São Pedro Gonçalves trazendo em seus porões 221 escravos, sendo 91 homens, 62 mulheres, 40 rapazes e 28 moças, dos quais só 186 chegaram ao porto de Belém (2/3):
Valor dos Escravos 14.676$500
Mantimentos antes do embarque 1.233$130
Comissões 1.113$674
Custeamento da viagem (custeio) 561$973
Total 17.585$227
Entre os mantimentos gastos durante a viagem foram relacionados os seguintes:
Arroz 550 alqueires Jerimuns 150 unidades Arroz c/casca 6 alqueires Galinhas 44 bicos
Porcos 2 cabeças Aguardente 1 frasqueira
Vaca 1 cabeça Azeite 2 barris
Inhames 700 unidades Caldo de Limão 1 frasqueira Panelas de Fumar 100 unidades Tabaco
A revolta da Cabanagem que desestruturou a vida social, econômica e política da Amazônia descentralizou a população negra concentrada no Marajó, em torno de Belém e no baixo Tocantins, disseminando essa populações, a procura de refúgio, pelas perseguições e matanças prepertadas, pelas tropas legais, à medida que as forças cabanas recuavam em todo vale. Mais tarde, durante o ciclo da borracha muitos negros do Nordeste e principalmente do Maranhão, desempregados com a libertação emigraram para a região produtora, bem como contingentes de negros caribenhos de Barbados e da Guiana, que vieram trabalhar nas empresas inglesas.
Fontes:
(1)Vicente Sales – O Negro no Pará – Belém – 1971
2) Antonio Carreira – As Companhias Pombalinas – Editorial Presença- 1982
3) Manuel Nunes Dias- A Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão-
Belém -1970
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2 respostas
Gostei muito de ter visitado a pagina do BLOG DO FRANCISCO, estou fascinado e agradecido. Estou fazendo doutorado em ciência social da amazônia e muitos trabalhos aqui lidos estão me ajudando muito a entender mais sobre a escravos na amazônia. Gostaria de receber documentário e artigos sobre Quilombolas na Am.azonia e principalmente no Pará.
Eu também gostei muito,