A jovem amedrontada com a primeira viagem pelos rios do interior, foi se transformando em uma fortaleza humana capaz de vencer ventos fortes e temporais.
Menino ainda, ouvia as histórias narradas em tom de conversa de varanda sem roda de verdadeira família, contadas por minha mãe ou por minhas tias, a respeito do Lago do Janauacá. Tudo se dava sempre com muita discrição, como se houvesse um pouco de mistério. Tempos depois tomei conhecimento do que aconteceu nessa região encantada e cheia de estórias e compreendi que havia belas memórias dos primeiros anos de magistério de uma jovem professora normalista,
Foi no Janauacá, na Escola “Santa Angélica”, que Sebastiana dos Santos Pereira, recém-formada e uma das melhores alunas da Escola Normal do Amazonas, assim reconhecida por colegas e professores como Adriano Jorge, Waldemar Pedrosa, Eunice Serrano, Salvador de Oliveira, deu início a sua brilhante trajetória de educadora, entre feliz e temerosa, jovem quase menina que era quando precisou se deslocar para a região no cumprimento da missão que escolhera.
Sofrida pela perda dos pais, acompanhada pela irmã mais velha, a Dinda de todos nós, ela estava com bastante receio da empreitada posto que nunca havia viajado para o interior do Estado, e não tinha qualquer notícia de como fosse o lugar. Os preparativos para a aventura incluíram organizar um rancho para atender às necessidades pessoais, comprar bilhete de passagem para a embarcação de João Galera que não era das melhoras, mas a única que cumpria esse trajeto, criar coragem para viajar das 18 às 3 horas da madrugada até chegar ao porto desejado, e adquirir um farol que servisse de aviso aos moradores e pudesse iluminar o desembarque na noite escura.
As agruras daqueles primeiros tempos jamais foram esquecidas. Eram medalhas de honra que por toda a vida ornaram o peito da jovem professora. Depois, a transferência para Manaus, o casamento com Lourenço da Silva Braga, a formação de uma família, a luta árdua para vencer as dificuldades naturais daqueles anos de 1930 – 1940, o desastre do incêndio do vapor “Manauense” e a angústia da anunciada viuvez que, graças a Deus, não se confirmou.
O passar dos anos fortaleceram o caminho do magistério. Professora do Grupo Escolar “Plácido Serrano”, professora e diretora do Grupo Escolar “Antônio Bittencourt”, mestra em casa com os filhos e netos e no preparatório para o vestibular de Medicina almejado por uma das filhas e que se completou com sucesso… enfim, a vida. E a cada passo, as alegrias e vitórias dos filhos, de alunos e ex-alunos, ampliava o quadro de honrarias e troféus da professora exemplar.
A jovem amedrontada com a primeira viagem pelos rios do interior, com a chegada no porto íngreme da pequena localidade onde experimentou as primeiras glórias com seu trabalho, foi se transformando em uma fortaleza humana capaz de vencer ventos fortes e temporais, mas sem perder a meiguice e a serenidade, sem descurar da consciência de que a melhor educação se faz pelo exemplo, sem deixar de reconhecer e proclamar que a instrução exige muitas horas de prática para o bom aprendizado. Tudoisso ela imprimia com docilidade e inovando com práticas educativas revolucionárias como feiras de ciências, de história e trabalhos manuais, palestras, debates, encontros com os pais, gincana, folclore, enfim, com um modelo de ensino à frente do seu tempo.
Quando os laços físicos com seu esposo e companheiro de mais de 50 anos se romperam pelo encantamento superior, foi ela que sustentou a família no amor de Jesus, na paz, na caridade, com fé e em harmonia, assumindo presença ainda mais marcante entre nós – seus filhos – e entre os amigos e conhecidos próximos, revelando a maior beleza que havia em seu interior, desde menina pequena quando ficou órfão de pai, logo depois de mãe, em seguida do irmão mais velho e varăo da família, saudosa das terras distantes do seu Pernambuco e da praia da Piedade onde nascera.
A mestra, entretanto, jamais encobriu ou sobrepujou a mãe de amor e quase santa que Deus nos concedeu: Sebastiana dos Santos Pereira Braga.
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