Recortes Pessoais
Continuação…
Capítulo 9
Escravidão no Amazonas e Theodureto Souto
Theodureto Souto
A escravidão pode ser conceituada, sinteticamente, como um sistema político, social e econômico em que determinada classe de pessoas, privadas da liberdade e de quaisquer outros direitos, são submetidas a trabalhos forçados. O arcabouço jurídico no mundo e em nosso país criminalizam a prática.
Nem sempre foi assim, porém. A história dá triste testemunho disso. A Amazônia e, mais particularmente o nosso Amazonas, experimentou, por várias gerações, etnias e tempos, o látego dessa desgraça.
Aqui, os primeiros escravos de que temos notícia foram os povos indígenas, subjugados pelos invasores europeus, principalmente espanhóis e, sobretudo, portugueses. Havia quatro formas de fazê-lo: o apensamento, o mais comum, que consistia em atacar as malocas, atear fogo, matar os homens e aprisionar mulheres e crianças; os resgates, a compra de prisioneiros de conflitos interétnicos; os descimentos, quando se deslocavam tribos inteiras para as proximidades das vilas e outras localidades estratégicas; e as “guerras justas”, organizadas e autorizadas pela Coroa portuguesa. O resultado, devido à heroica resistência nativa, foi o extermínio. A floresta foi banhada em sangue… A escravidão indígena somente chegou ao fim por uma lei de 6 de junho de 1755 assinada pelo marquês de Pombal, que valia apenas para o Grão-Pará e Maranhão. Em 1758 seus efeitos expandiram-se para o restante do país.
É curioso observar que alguns historiadores se utilizam de um eufemismo para justificar a transição da mão de obra escrava para o povo negro. Dizem eles, que os “índios não se adaptaram ao trabalho escravo”. Seria risível, não fosse trágico. Nenhum ser humano se “adapta” à escravidão. Tal afirmativa é de uma indignidade tremenda. O professor Arthur Cézar Ferreira Reis, por seu turno, no seu livro História do Amazonas, noticia que os primeiros escravos negros foram trazidos pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Teriam aportado em Belém. 12.587 africanos, mas apenas um número bem menor adentrou na região de fato. No Amazonas, segundo mesmo autor, em 1860, havia 1.026 escravos. Há quem diga que ao longo do tempo nunca passou de 1500 ou 1600 pessoas.
A luta abolicionista no Amazonas foi precursora, rápida e eficiente. Libertamos os nossos escravos em 10 de julho de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, sendo precedidos apenas pelo Ceará, que o fez em 25 de março do mesmo ano. Entre nós, registre-se, porque de justiça, tiveram papel de proa as Lojas Maçônicas Esperança e Porvir n°1 e Amazonas n°2, com destaque especial para o governador da Província Theodureto Carlos Faria Souto, cearense de nascimento, ele também mestre maçom. Em 24 de maio Souto comprou os últimos 184 escravos com verbas da Fazenda Pública e, em 10 de julho, em grande festividade na praça 28 de setembro, hoje praça Heliodoro Balbi, também chamada de praça da Polícia, declarou que, “Em homenagem à civilização e à Pátria, em nome do povo amazonense e em virtude das leis, não existem mais escravos nesta Província e de hoje para sempre está abolida a escravidão e proclamada a liberdade de direitos de todos os seus habitantes”. Pouco tempo depois, já morando no Rio de Janeiro, recebeu dos amazonenses ali residentes uma caneta de ouro e um tinteiro, como agradecimento pela sua atuação naquele momento sublime de nossa história. A libertação dos escravos no Amazonas e no Ceará foi tão impactante para o resto do país que a Confederação Abolicionista, à frente João Clapp, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e André Rebouças, ofereceu um banquete no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 1884, no hotel Globo, para comemorar a abolição da escravatura no Amazonas e no Ceará, contando com a presença dos libertadores Theodureto Souto e Sátiro Dias, este governante do Ceará.
Não se deveria mais falar em cativos certo? Nem tanto. Em ambos os ciclos da borracha, porém, essa chaga, com as suas peculiaridades, corporificou-se na figura do nordestino, o qual, fugindo da seca na terra natal e com o sonho de riqueza fácil com a extração do látex (1877-1910 e 1942-1945), foi lançado no meio da selva, sujeito às doenças, às intempéries e às feras, além da pior desgraça, a exploração por parte dos seringalistas, que os mantinham cativos pelo sistema de aviamento, através do qual, para trabalhar e viver, o seringueiro tinha que adquirir bens, ferramentas, roupas, remédios etc. dos patrões. A dívida só crescia e muitos morriam sem quebrar os grilhões. Quem se rebelava era assassinado.
Continua na próxima edição…
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