“Num passado recente, a Terra foi morada da Amazônia, filha de ‘As Amazonas’ e mãe de culturas milenares que orientaram ‘o nosso ser, estar e relacionar’ com as naturezas e os parentes, em bases sustentáveis. A arrogância e a alienação do mundo das técnicas aliadas ao capitalismo predatório se transformaram numa arma mortífera contra ela, que se despediu da humanidade clamando por justiça social e sustentabilidade plena.”. Epitáfio inscrito na lápide da Amazônia.
Este é o último texto que compõe a proposta de uma “Política de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia, em especial ao Estado do Amazonas”. Agradeço ao amigo Francisco Gomes, pela publicação semanal dos 30 textos autorais que compõem a respectiva série. Nesta publicação farei apreciações gerais sobre as relações entre a Amazônia, o Brasil e o Mundo. Reafirmo a necessidade em se construir estratégias para a educação cidadã de nossas crianças preparando-as para o universo da sustentabilidade, que também se referencia na Amazônia. Registro ainda que a destruição total da região encontra-se salvaguardada da incompetência política e técnica dos gestores do último mandato presidencial brasileiro, 2019-2022, embora os atuais governantes, federal e estaduais, tenham dificuldades em implantar as condições estruturantes ao seu desenvolvimento sustentável, conforme mostrado nos textos anteriores e relatado em seguida.
O reposicionamento da Amazônia na geopolítica global expõe publicamente as mazelas na região. Esgarça a pobreza extrema de ampla parcela de suas populações, as suas políticas públicas ineficientes, a hipocrisia dos seus parlamentos políticos a serviço de setores econômicos descompromissados com a sua sustentabilidade plena, ausência de cidadania, em especial em suas municipalidades, a arrogância de amplo setor de sua mídia que insiste num discurso dissociado de suas realidades socioeconômicas, suas altas taxas de desemprego, economias concentradas nas capitais, falta de segurança pública subsumida pelo tráfego de ilícitos e as milícias vampirescas dos seus serviços públicos. Enfim, apresenta um “tipo de cartão postal” ilustrado por um pequeno número de condomínios de classes médias e altas incrustadas num ‘mar’ de periferias urbanas que abrigam dezenas de milhões de pessoas em situação de miséria extrema. As intervenções políticas e executivas dos gestores públicos e dos empresários não se dão na rapidez e eficiência necessária para deter e minorar as mazelas socioeconômicas municipais e regionais. Comportam-se, politicamente, como “proprietários” dos seus serviços públicos. Apropriam-se de suas institucionalidades, bem público de seus povos e populações. Um tipo de neocolonialismo endógeno, maquiado pelas aparências e estéticas palacianas, que trava e impede o desenvolvimento regional próspero e inovador. Encontra-se em processo de construção um universo político que continua projetando um futuro sem futuro às nossas crianças e juventudes. O persistente isolamento socioeconômico de suas mais de 22 mil comunidades interioranas agrava este quadro regional, que não apresenta sinais de mudanças estruturantes no tempo breve. Enfim, os gestores públicos e os empresários regionais não conseguem construir um projeto político e econômico que abarque as grandezas e complexidades amazônicas, em bases sustentáveis. Em grande medida, isto também vale para o estado nacional.
O Brasil ainda não tem uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Conforme afirmado no texto anterior, apesar da frase ser um clichê, ela continua válida: O Governo Brasileiro não sabe o que fazer com a Amazônia. Não tem um projeto de desenvolvimento social e econômico, em bases sustentáveis, para a região. Pergunta-se: O que seria do Brasil sem a Amazônia? E o que seria da Amazônia sem o Estado do Amazonas? Ao contrário do último Presidente do Brasil que acelerou a sua destruição durante a sua gestão executiva, a implantação de modelos de desenvolvimento sustentável na região exige consensos e demandas políticas, econômicas e tecnológicas amplas e qualificadas.
O Brasil, ainda, é um país com futuro incerto e difuso. A construção de sua pujança e prosperidade depende mais da Amazônia que da Avenida Paulista. Em certa medida, o desenvolvimento sustentável da Amazônia, em especial do Estado do Amazonas, constitui o seu passaporte para a sua entrada no ranking dos países desenvolvidos. Apesar de o capitalismo ainda não ter alcance heurístico para transforma-la numa commodity ecológica sustentável. Todos os governantes brasileiros, em forma ponderada, desde o século 16, após a chegada dos colonizadores europeus à região, contribuíram para a destruição cultural e ecológica da Amazônia. Os índices de desenvolvimento humano de suas populações, em forma sistêmica e persistente, são, numa linguagem popular, lanterninhas no ranking nacional e mundial. Encontram-se situados entre os piores do mundo, comparáveis aos dos países da África Subsaariana. E com outro agravante: A destruição cultural e ecológica na região não para de crescer, apesar dos atuais esforços governamentais para detê-la. Atualmente, mais de 30% de sua população vivem em condições de extrema pobreza. Herança maldita do governo anterior.
Há outro agravante: a definição da natureza dos programas nacionais de pesquisa científica e tecnológica e a distribuição dos seus respectivos fomentos públicos continuam reféns dos comitês e dos grupos de pesquisas sediados nas “Universidades de Griffe”, maioria instalada no sudeste brasileiro. Conjuntura política que dificulta a interiorização da ciência e tecnologia no Brasil e na Amazônia com danos irreversíveis às suas políticas públicas. Uma tragédia que parece não ter fim, e que tem sido legitimada pelas academias e sociedades nacionais de ciência e tecnologia. As formas de organização destas sociedades assim como a do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil reafirmam a autocracia e a natureza positivista destes especialistas e gestores políticos, no trato dos projetos e programas públicos dirigidos ao aperfeiçoamento das políticas públicas nacionais.
Apenas para ilustrar: durante mais de quatro décadas grande parcela dos cientistas e tecnólogos brasileiros têm estudado e pesquisado as propriedades eletrônicas e magnéticas da matéria, desde à macro à micro escalas. Altos investimentos públicos foram direcionados à inovação nesta área de conhecimento estratégico ao país, especialmente à indústria elétrico-eletrônica. Sofisticados laboratórios foram instalados em várias universidades brasileiras, em nome do avanço científico e na necessidade de formação de especialistas na perspectiva em se construir a autonomia nacional neste setor tecnológico estratégico. É fácil constatar que, infelizmente, por exemplo, o Brasil ainda não possui uma indústria de semicondutor consistente e que atenda as suas demandas específicas. Empreendimento estratégico para transformar a Zona Franca de Manaus – centro de referência nacional para a montagem de aparelhos eletrônicos – em Polo Industrial para a produção de mecanismos de desenvolvimento limpo. Como ilustrado nos textos 14, 15, 19 e 20, os gestores públicos e os empresários insistem em manter um “Modelo de Zona Franca” subalterno às inovações tecnológicas alhures. Constroem uma ilusão tupiniquim como fosse possível construir processos de globalização sem identidade científica e tecnológica. O Ministério de Indústria do Brasil continua postergando a solução desta problemática estruturante que persiste desde a implantação desta matriz industrial, durante a ditadura militar no Brasil.
A Amazônia é vítima desta Era marcada pela produtividade científica articulada às demandas tecnológicas globais. Esta condição, também, vitimou a Amazônia em duas dimensões estruturantes: as suas múltiplas possibilidades de uso sustentável por meio da inovação tecnológica e cultural continuam sendo ignoradas pelo estado nacional, em especial pelas lentes seletivas dos formuladores de políticas científicas nacionais. Como afirmado anteriormente, durante este mesmo período, os dois principais parques industriais da região – a ‘Zona Franca de Manaus’ e o ‘Polo Minero-Metalúrgico do Pará – continuam funcionando, respectiva e majoritariamente, como centro de montagem de produtos eletrônicos, e como plataforma global de exportação de minérios em estado bruto. Tragédias tecnológicas e políticas que contribuem para o crescimento da miséria na região e a subalternidade tecnológica aos países industrializados.
O Brasil precisa de uma Política de Ciência e Tecnologia para o seu Desenvolvimento Econômico e Social inclusivo e inovador. As lideranças científicas e tecnológicas brasileiras precisam formular e implantar planos nacionais integrados as realidades sociais e econômicas regionais e direcionados ao combate de suas desigualdades sociais que continuam crescendo em forma dramática. O estado nacional continua sendo o principal adversário da Amazônia. O fatiamento da gestão executiva das políticas públicas federais brasileiras põem barreiras políticas instransponíveis ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Este quadro de referência exige intervenções estruturantes, a partir da região.
Durante a primeira década deste século, na gestão do Ministro Sérgio Resende, o Brasil deu um passo audacioso ao formular o primeiro design para a Política de Estado em Ciência e Tecnologia do Brasil voltada ao seu desenvolvimento sustentável. Infelizmente, os poderes políticos e a estreiteza intelectual das lideranças de vários campos disciplinares subsumiram esta importante iniciativa ministerial, que precisa ser resgatada, com as devidas atualizações, e estendida aos municípios amazônicos e brasileiros. Há tempo, sabe-se que os campos disciplinares não têm alcance teórico e empírico para abarcar e propor soluções consistentes aos complexos problemas do Brasil, da Humanidade, e também, da Amazônia. Neste sentido, a sustentabilidade, simultaneamente, situada e globalizada, precisa ser, definitivamente, incrustada aos portfólios de pesquisa das instituições públicas e privadas do Brasil. Numa perspectiva que promova inovações integradas às tecnologias e às culturas direcionadas ao aperfeiçoamento das políticas públicas e ao conhecimento universal.
A Era da sustentabilidade na Amazônia não pode ficar refém das mudanças climáticas e da injustiça ambiental niilistas, na condição de Amazônia coisificada, objetivada pelo pragmatismo e a morbidez das técnicas amorais. Amazônia não é um poço de carbono nem tão pouco um conjunto de mais de 2 mil rios compostos de moléculas de H2O, e 500 bilhões de árvores caracterizadas, majoritariamente, por altas concentrações de carbono e nitrogênio. Ela é invenção e construção social e histórica de suas 385 culturas originárias e tem que ser compreendida a partir de sua integralidade socioecológica, numa perspectiva que promova a sua sustentabilidade situada e globalizada. Sempre privilegiando o singular ao universal, o local ao global.
Torna-se premente desconstruir os inúmeros programas nacionais e internacionais que, compulsivamente, aprisionam a Amazônia em proposituras desconectadas de suas representações materiais e simbólicas, e em perspectivas que depreciam a sua sustentabilidade situada. O reposicionamento da educação, ciência e tecnologia na e para a Amazônia é premente. Uma dívida política e cívica do estado nacional e dos governos estaduais com as suas populações. Por exemplo, atualmente não há mais que três programas científicos e tecnológicos estruturantes sobre a Amazônia, com fomento público, de grandes impactos e alcances locais e globais, sediados e coordenados localmente. Água, atmosfera, ecologias, populações, economia ecológica, bioindústria, preservação, desigualdade social, desenvolvimento sustentável, diplomacia, povos e culturas originárias, mudanças climáticas, injustiça ambiental, novos materiais, ecoturismo, tecnologia naval, entre outros, são temáticas reféns de vários grupos científicos e tecnológicos ‘vampirescos’ com pouco retorno social e econômico à região.
Os apelos políticos do presidente Lula pelo financiamento internacional associado à mudança climática e à injustiça ambiental, e a possibilidade de alocação de grandes volumes de recursos financeiros internacionais dirigidos ao desenvolvimento sustentável da Amazônia potencializaram a ‘sensibilidade generosa’ de várias lideranças científicas brasileiras. Isto induziu a criação de novos institutos e centros para estudos e investigação das problemáticas amazônicas. Certamente não se deve generalizar, mas o anúncio de lançamento de vários deles permite identificar o oportunismo e a hipocrisia institucionais de universidades conceituadas nacionalmente, mas que não demonstram compromissos éticos com as populações e os povos amazônicos, ao se posicionarem, também, como interlocutoras e agentes de controle de financiamento internacional dirigido à Amazônia. Empreendimento mercantilizado que também conta com a colaboração isolada e oportunista de professores e ex-gestores de instituições científicas amazônicas. Região que abarca mais de 300 instituições universitárias, públicas e privadas, sediadas em suas vastidões territoriais. A Amazônia é de todos os brasileiros, mas ela é, majoritariamente, uma construção cultural e social de seus povos e de suas instituições. Este pressuposto ainda não foi assimilado por grande parte dos intelectuais brasileiros. Tristes trópicos, diria Claude Lévi-Strauss. Brasil, um país que ainda não apreendeu e humanizou a sua ciência e tecnologia nacional. Um poço de carbono e de biomas em processo de mais-valia junto ao mercado financeiro. Os “Borba Gatos”, o “Alter Ego”, o “Outro Eu” da inteligência brasileira positivista ainda insistem em mantê-la refém de suas estreitezas políticas. Certamente, o cientista tem a liberdade de escolha de suas temáticas de pesquisa, e a Amazônia é de todos os brasileiros, mas tratando-se de financiamento público aos projetos científicos e tecnológicos, as instituições têm que se guiarem pela ética de responsabilidade cívica e os compromissos de decolonização internos e externos. Acorda Amazônia, pois o seu futuro ainda é guiado por incertezas e hipocrisias que se ampliam nas linhas dos tempos breves e longos.
Ilustro porque o seu futuro político incorpora estas incertezas, até mesmo na perspectiva dos agentes governamentais que compõem a Amazônia pan-americana.
A Cúpula da Amazônia – IV Reunião de Presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação Amazônica delineou uma Declaração Presidencial que sintetiza os grandes desafios e prioridades para a integração política e econômica e o seu desenvolvimento sustentável. Isto exige identificar os países que compõem esta região. A Pan-Amazônia abarca os países que compartilham as culturas, as florestas e as naturezas amazônicas em seus territórios: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guianas e o Suriname, incluindo o Brasil. Os movimentos sociais se apropriaram desse conceito como sendo um conceito de luta de seus povos contra a tirania e a sua apropriação pelo capitalismo predatório. Por outro lado, os cientistas e tecnólogos da natureza engendram o alcance heurístico deste conceito às suas hipóteses e teorias que constituem a base material da natureza estereotipada.
Neste amplo espectro político a Cúpula priorizou doze grandes temáticas estruturantes para análise, a saber: breve histórico das ações acumuladas pelo Tratado de Cooperação Amazônico (TCA); ações necessárias ao fortalecimento institucional do TCA; as cidades amazônicas; o parlamento amazônico; a ciência, tecnologia e inovação aliada ao conhecimento e ao empreendedorismo na Amazônia; o monitoramento e a cooperação na gestão de recursos hídricos; a mudança do clima; as cooperações ao combate às atividades ilícitas incluindo a injustiça ambiental; a infraestrutura e a economia ao desenvolvimento sustentável; a saúde, a segurança e a soberania alimentar e nutricional; a proteção social, os direitos humanos e a participação social; o reconhecimento das culturas originárias e a cooperação diplomática; e finalmente, a conclamação pela efetivação da Declaração desta Cúpula da Amazônia. Esta Declaração compõe-se de 113 itens detalhando e esclarecendo os temas acima elencados.
O documento-base desta Cúpula apresenta três problemas políticos e técnicos estruturantes: não têm unidade sistêmica; não estabelecem os respectivos mecanismos operacionais, e não apresentam responsabilidades institucionais e políticas, mecanismos de financiamento e projeções de metas. Em certo sentido, pode ser caracterizado como uma carta de intenções sem materialidade histórica e científica, embora esteja legitimada pelos grupos de interesses populares e institucionais que a construíram.
A falta de sincronia política entre os projetos nacionais dos diferentes países que compõem a Pan-Amazônia e as suas diferentes capacidades de investimento conspiram contra a construção de mecanismos operacionais para os programas temáticos acima elencados. A disparidade entre as cartas constitucionais, as estruturas judiciais e as potências econômicas destes países, e a dificuldade em fomentar os projetos e programas elencados praticamente os inviabilizam.
Isto requer distinguir algumas diretrizes prioritárias para integrar as principais demandas destes países, em prol da construção da sustentabilidade amazônica.
Destaco: Incorporá-la aos respectivos projetos de desenvolvimento nacionais e integrá-la, regional, nacional e globalmente; Construir as parcerias público-privadas aos projetos e programas sustentáveis na região, priorizando a municipalização de suas políticas de educação, ciência e tecnologia direcionadas à sustentabilidade, simultaneamente, local e global; Descentralizar as instituições nacionais voltadas ao desenvolvimento econômico e social, centralizando-as na região e priorizando a sustentabilidade das políticas públicas básicas: saúde, educação, acessibilidade, arranjos produtivos, mitigação à mudança climática e às injustiças ambientais, entre outras, conforme as prioridades de cada país membro do consórcio; e finalmente, construir o consenso público e político, nacional e internacional, para o financiamento do desenvolvimento social da região.
Torna-se premente construir uma política de segurança alimentar; de educação pluricultural, plena e contínua; de saúde e higienização acessível a todos; incorporar ciência e tecnologia aos arranjos produtivos locais e às políticas públicas municipais e regionais, e difundir e popularizar a ciência alinhada aos conhecimentos tradicionais já estabelecidos e consagrados na região. Certamente, estas medidas podem ser imediatamente acionadas por meio de plataformas integradas e sediadas na região, em forma ponderada, às demandas de cada país consorciado.
O Brasil deveria liderar um programa desta amplitude e alcance social e econômico, pois é um dos principais produtores mundiais de grãos e proteínas animais, possui um sistema de saúde robusto e flexível, tem um sistema de monitoramento territorial e ambiental sofisticado – pode interiorizar as suas instituições de financiamento ao desenvolvimento econômico e social, tipo: BNDS, FINEP, Fundo Amazônia, entre outros -, e abriga mais de 300 centros universitários públicos e privados em sua porção amazônica, entre outros atributos institucionais de longo alcance público.
Amanhã pode ser tarde, a Amazônia continua morrendo, à medida que o governo brasileiro continua insistindo na efetivação de propostas inócuas ao seu imediato desenvolvimento sustentável, em escala apropriada às suas culturas e geografias. Seus povos e populações estão sendo sufocados pelas fumaças da ignorância e da rudeza política estadual e federal. Por esta razão novamente apresento às autoridades brasileiras, as principais demandas estruturantes de ciência, tecnologia e inovação para a sustentabilidade da Amazônia.
Ciência, Tecnologia e Inovação para a sustentabilidade da Amazônia
A importância da Amazônia ao Brasil é unanimidade nacional. Embora esta condição não seja impedimento à sua contínua destruição. Nessa região encontra-se a maior biodiversidade mundial em área sólida e contígua, 1/3 das reservas mundiais de florestas tropicais, 1/5 da água doce superficial do planeta convergindo para o maior e mais volumoso rio do mundo, além de se constituir em entidade física relevante nas estabilidades termodinâmica e climática dos processos atmosféricos em escala planetária. A Amazônia brasileira é formada pelos Estados do Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, partes dos Estados do Maranhão e Mato Grosso, totalizando 4.987.247 km2, 3/5 do território brasileiro e 2/5 da América do Sul, que corresponde a 1/20 da superfície terrestre. Nesses nove Estados habitam 32 milhões de pessoas, 4/1000 da população mundial com mais de 60% desses habitantes morando em áreas urbanas, dentre os quais 163 povos indígenas, que totalizam cerca de 870 mil pessoas representando 52% da população indígena brasileira. A Amazônia também possui mais de 500 bilhões de árvores, 2 mil grandes rios e uma complexa hidrografia com mais de 75.000 quilômetros de rios navegáveis, 50% do potencial hidrelétrico do Brasil. Ela, também, possui 12 milhões de hectares de várzeas, grande potencial madeireiro e maior fonte mundial de biomassa em superfície sólida e contígua, 11.280 km de fronteiras internacionais e ricas reservas minerais.
A institucionalização de políticas públicas na Amazônia, em especial a sua Política de Ciência, Tecnologia e Inovação possibilitará implantar modelos de desenvolvimento sustentáveis integrados às suas complexidades culturais, ecológicas e socioeconômicas. Modelos que fortaleçam a sua integração regional e nacional e a implantação de estruturas e tecnologias sociais acessíveis a todos, gerando renda, valorização social e cidadania às suas populações, e preservação ambiental na região. Um marco ao combate de suas desigualdades sociais, à emergência climática e às injustiças ambientais num quadro de referência em que ela se põe como estratégica à estabilidade climática e termodinâmica dos processos atmosféricos planetários.
Por essas razões, reivindicam-se os seguintes compromissos federativos e republicanos da Política de Estado de Ciência e Tecnologia do Brasil dirigida à construção do seu desenvolvimento sustentável, organizados em três blocos de prioridades:
O núcleo central exige mobilizar a sociedade e as instituições brasileiras para reafirmar a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) como processo de humanização e desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e do Brasil. Investir US$1 trilhão na Política de Ciência e Tecnologia direcionada à integração regional e nacional da Amazônia ao Projeto nacional, durante quinze anos consecutivos; e integrar as parcerias entre os governos federal, estadual e municipal e o setor privado criando as condições estruturais para o seu desenvolvimento sustentável.
Um segundo grupo de reivindicações, mais operacional, propõe garantir a soberania e institucionalizar a presença do Estado nacional na região, com integração, descentralização e interiorização das agências estaduais e federais de planejamento e execução de políticas públicas e do desenvolvimento socioeconômico da região, tipo: BNDS, Fundo da Amazônia, FINEP, SUFRAMA, entre outros. Fortalecer a cooperação entre o Brasil e os países amazônicos por meio de empreendimentos de educação e CTI; e priorizar investimentos em CTI articulados às suas políticas públicas de educação, saúde, transporte, abastecimento e segurança alimentar integrada à agricultura familiar, habitação, bioindústria, inclusão digital e aos mecanismos de desenvolvimento limpo implantados na região. Em mesmo grau de importância, faz-se necessário acelerar o processo de integração dos estados amazônicos ao sistema nacional de produção, distribuição e uso de eletricidade, e ao uso sustentável de fontes alternativas de energia. Criar tecnologias sociais que assegurem o acesso das populações interioranas às redes digitais de comunicação e informação regionais, nacionais e mundiais; e implantar centros de diagnóstico e controle de desmatamento ilegal e uso da terra, e, uma política pública em serviços ambientais integrada à região, com a recuperação de áreas degradadas, conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e a mitigação das mudanças climáticas.
Finalmente, há o terceiro grupo que intercede para efetivar o seu zoneamento ecológico-econômico, e criar mecanismos estruturantes que ampliem e incorporem mais competitividade às suas matrizes industriais e produtivas. Assegurar a formação científica e os direitos constitucionais aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, e promover a equidade social, considerando gênero, geração, raça, classe social e etnia. Organizar a Universidade Intercultural e implantar uma plataforma tecnológica para o uso e preservação da água em todos os seus centros urbanos e rurais, priorizando os mecanismos de integração da bacia hídrica pan-amazônica. Revitalizar o seu sistema aeroportuário, priorizando sua integração municipal, regional e nacional, e sua interligação modal e rodo-aero-fluvial; e institucionalizar um programa nacional de difusão e popularização da CTI centrado em suas culturas e ecologias.
Estes pressupostos constituem a base de novos projetos e programas de CTI para a construção de uma Amazônia sustentável, maior tesouro do povo brasileiro.
Na realidade há certa incredulidade na efetivação do desenvolvimento sustentável da Amazônia, ainda durante esta década. Por esta razão, dirijo uma singela carta às Professores e aos Professores do Brasil, esclarecendo-os sobre a importância de sua sustentabilidade.
Carta Amazônica às Professoras do Brasil*
Caras Professoras, Caros Professores;
Envio-lhes esta singela mensagem a partir da Amazônia. Na condição de Professor-aposentado da Universidade Federal do Amazonas, asseguro-lhes que nunca houve um processo de destruição da Amazônia tão intenso e dramático como o desencadeado nesta última década. Ela está morrendo rapidamente. As autoridades instituídas e os setores sociais e econômicos esclarecidos precisam intervir neste processo, em sua defesa e uso sustentável. Mas, minha preocupação ultrapassa os limites institucionais e políticos, pois a Amazônia é de todos nós e, certamente, constitui a principal herança material e simbólica para a nossa juventude e às gerações subsequentes. Dimensão civilizatória, nacional e universal, que só é plenamente compreendida e apreendida pelas Professoras e pelos Professores, em todos os níveis de atuação da categoria. Esclareço que a inserção da Amazônia nos processos globais abarca questões amplas e fundamentais associadas à educação cidadã das crianças e dos jovens. Essas questões incrustaram a globalização da sustentabilidade aos fundamentos econômicos, religiosos e científicos gerando novas centralidades políticas e éticas. Centralidades que promovem e valorizam os empreendimentos locais, e se orientam num sistema ético baseado na reavaliação estrutural das noções de valor e direitos. Valor e direito à vida; valor intrínseco da natureza e dos serviços ambientais; cultura, natureza e valor simbólico; direitos individuais e preservação ambiental; direitos coletivos e relações diplomáticas, entre outros, constituem temas polêmicos que movimentam projetos educacionais, programas de pesquisa, políticas públicas e acordos internacionais.
Colegas Professoras, atribuir novos sentidos aos fundamentos, aos significados explicativos e aos mecanismos operacionais associados à noção de valor também requer revisar as abordagens e as avaliações das crenças e dos desejos humanos. Nesse contexto, três categorias clássicas, valor-verdade, valor-utilidade e valor-beleza têm sido subsumidas por valor-vida, valor-humanidade, valor-cultura, valor-natureza e valor-universo, categorias mais complexas e de maior alcance heurístico. Esta nova conformação da história universal potencializa as relações entre os programas educacionais, a ética da sustentabilidade e a Amazônia, numa conjuntura na qual a mundialização da hipocrisia e da barbárie política fortaleceu a importância dos processos éticos e estabeleceu a sustentabilidade como paradigma universal.
As relações da sustentabilidade com a Amazônia suscitam surpresas e contradições, como ilustrado em seguida. Nós, Professoras e Professores, sabemos que interagir com um aluno em sala de aula, com um animal de estimação ou uma planta cultivada em nossa casa é uma rotina universal que se concretiza por meio de diferentes abordagens e exigências técnicas. Em geral, esta interação é acompanhada por momentos de surpresas, alegrias, felicidades e, também de muitas preocupações. Estes sentimentos se revigoram quando este tipo de interação se amplia aos limites de uma escola, de um jardim ou de um bando de animais. E se transforma em experiências complexas quando abarca, em ordem, uma política educacional inovadora, entrelaçada às propostas de uso sustentável das florestas, dos rios, das faunas e floras, ou dos céus e os ciclos da natureza. Em forma ponderada, e em diferentes graus de dificuldades, estes desafios são enfrentados rotineiramente na docência de diferentes disciplinas ou na gestão educacional sob a nossa responsabilidade. Nem sempre temos as respostas prontas e adequadas para diversos aspectos destes processos culturais assentados em experiências seletivas e milenares, e difundidos por meio de linguagens singulares e universais acessíveis às crianças e aos jovens. Numa perspectiva que, simultaneamente, promova a vida e a natureza. Este exemplo ilustra a relevância e a pertinência da ressignificação dos processos de formação plena das crianças e da juventude, quando se consideram as suas relações com a natureza.
Este quadro de referência reafirma a importância do paradigma da sustentabilidade articulando-o com os fundamentos teológicos centrados na vida plena, espiritualizada e incrustada na natureza. Esta nova dimensão civilizatória universal suscita desafios diferenciados à Amazônia, situando-a como o lugar privilegiado e único num mundo ideologizado, tecnificado e transcendental. A sua inserção nas relações do mito de criação do mundo por meio da ecologia integral propugnada pelo Papa Francisco, põe novos elementos aos fundamentos da teologia. Amplia a complexidade das tradições religiosas e suscita possibilidades do conceito de sustentabilidade também ser estendido à dimensão espiritual do ser humano. Portanto, faz-se necessário que a sustentabilidade da vida seja o principal fundamento das governanças e das políticas globais. Nesta conjuntura, as relações da sustentabilidade com as culturas e as naturezas espiritualizadas reafirmam a importância da Amazônia.
Há outra dimensão fantástica da Amazônia que assusta o capitalismo predatório e os governos arrogantes. Os governantes são passageiros. A duração do poder político de um governante é breve. Um político que hoje lidera uma nação amanhã morrerá deixando legados do tipo: inclusão social e econômica, prosperidade, cidadania, paz e preservação ecológica; ou miséria, desemprego, desalento, guerra, degradação ecológica e desesperança, entre outros. Cenários mesclando os elementos presentes nestas duas tendências políticas também podem se materializar. Em nenhum destes cenários circunstanciais, passado-presente, as pessoas têm negado a importância da natureza em suas vidas e em suas famílias. Entretanto, a necessidade de preservação ecológica não se resume somente a determinado ponto de vista pessoal ou a um objetivo político. Ela faz parte de um processo que precisa transcender várias gerações em pequenas e grandes escalas espaciais, locais e planetárias. Esta característica da sustentabilidade se opõe às excessivas concentrações de poder, político e econômico, ao expansionismo imperialista e às guerras de ocupação lideradas pelos países centrais. As dualidades do tipo: miséria-riqueza, cidadania-marginalização, esclarecido-alienado, saúde-doença, guerra-paz, destruição-construção, degradação-preservação, escassez-concentração, entre outras, sempre presentes nas políticas públicas, terminam ‘empurrando’ os governantes despreparados e presunçosos em direção à promoção do desenvolvimento predatório, não sustentável.
Nestas condições, a pressão econômica dos grupos transnacionais e as crescentes desigualdades sociais nos países em desenvolvimento contribuem à degradação dos ambientes naturais e potencializam processos de ruptura com os ciclos da natureza. É interessante observar a presença destes elementos políticos na Amazônia com danos irreversíveis às suas populações e aos seus ecossistemas. Isto implica na premência do estado brasileiro intervir neste processo com programas que promovam o seu desenvolvimento econômico em forma integrada à natureza, e em bases sustentáveis.
Tratando-se da Amazônia, isto também requer alianças duradouras da ciência e tecnologia com o conhecimento tradicional regional, por meio das redes e plataformas das sociedades do saber. Esta conjuntura reserva um lugar especial ao desenvolvimento da bioindústria e à implantação da Universidade Intercultural.
A indissociabilidade entre natureza e cultura na Amazônia assusta o mercado global que ainda a considera um almoxarifado abrigando um conjunto infinito de recursos naturais descartáveis. A falta de políticas públicas para esta região agrava este quadro e contribui para a sua degradação, embora as resiliências de suas comunidades interioranas e de seus povos originários estejam minorando este processo de depreciação ecológica.
Colegas docentes, incorporar a Amazônia à Política de Desenvolvimento Econômico do Brasil, integrá-la internamente por meios de arranjos produtivos vocacionados, e construir as condições políticas para assegurar o financiamento de seu desenvolvimento em bases sustentáveis, a partir de seus municípios, são exigências prementes. Perspectivas que certamente assegurariam a sua condição de maior centro mundial de desenvolvimento sustentável.
Na verdade, a natureza tem se afastado do ideário humano à medida que o uso da ciência e a tecnologia imprime um caráter pragmático e funcional aos mecanismos de desenvolvimento econômico. A sua incorporação (da natureza) às políticas públicas como mercadoria ou objeto de mais-valia contribuiu para a sua rápida depreciação e desumanização. A possibilidade de desestabilização socioecológica do planeta exige reconciliar as pessoas com a natureza, processo mundial que tem na Amazônia a sua principal referência material e simbólica.
O bem-estar do ser humano também está associado à estabilidade dos ciclos da vida no planeta, que, por sua vez, é muito dependente das culturas, da preservação e do uso sustentável dos trópicos úmidos, dos oceanos e das regiões polares. Três ecossistemas interligados entre si, e em rápido processo de deterioração. A perenidade milenar destas regiões tem sido garantida e aperfeiçoada pelas sabedorias de suas populações tradicionais por meio de alianças compartilhadas com as suas naturezas. As perversidades do capitalismo predatório têm criado rupturas ecológicas e civilizatórias ainda intransponíveis aos desenvolvimentos sustentáveis destas regiões. As suas proteções dependem de ações práticas de lideranças políticas mundiais que detenham imediatamente as suas destruições, que já se encontram em estágios avançados. Neste cenário alarmante, os trabalhadores, os jovens, as sociedades, as religiões e os governos compromissados com a sustentabilidade são conclamados para defenderem a Amazônia e o planeta.
Estimadas Professoras e Colegas Professores, a Amazônia é um tesouro incomensurável do povo brasileiro e da humanidade. A sua proteção e o seu uso sustentável continuam sendo o maior desafio político e econômico para as sucessivas gerações de brasileiros. A sua destruição terá impactos perniciosos e irreversíveis à humanidade. Nestas condições ela pode se tornar uma tragédia para o equilíbrio ecológico planetário e para a humanidade. Enfim, por quanto tempo ela continuará guiando nossas concepções e sonhos por um mundo sustentável para todos? Enfim, como seria o Brasil sem a Amazônia? A vida precisa ser construída em bases sustentáveis. Ela é um sopro no tempo da história. Amanhã pode ser tarde.
Professoras e Professores brasileiros, finalmente, após esta longa exposição, sugiro-lhes que incluam a Amazônia em suas disciplinas e em seus incessantes diálogos com a classe estudantil. Insistam e popularizem a sua importância para o Brasil e o Mundo, e a necessidade de protegê-la, em bases sustentáveis.
Cordiais saudações;
Manaus, 9 de Julho de 2023
*Carta publicada no livro autoral “Amazônia: sustentabilidade, encantos e esperanças”, Kindle, Agosto de 2023.
Finalizando esta longa série de publicações, formada por 30 textos integrados, que propõe uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, em especial, para o estado do Amazonas, apresento o poema autoral “Amazônia e Papa Francisco”.
Amazônia e Papa Francisco: Sustentabilidade e Religião
Amazônia,
Casa de Francisco,
Protetor da natureza, dos animais
E dos mais necessitados.
Amazônia de Francisco,
Francisco da Amazônia,
Compartilhem os seus espíritos
De bondade e humildade,
Com os humanos destruidores
Da natureza,
Arrogantes e prepotentes.
Mostrem para eles os caminhos
Da dignidade e dos direitos
De todos, pessoas e animais,
À vida plena, à sacralidade
E à transcendência.
Mostrem-lhes que a sustentabilidade
Absoluta do espírito,
Contrapõe-se ao extermínio da vida física,
Num mundo onde as criaturas vivas
São irmãs e filhas de Deus.
Papa Francisco,
O espírito da sustentabilidade
Apresenta-se como grande defensor
Dos seres vivos.
Ele encontra-se em harmonia
Com os ciclos da natureza
E os dogmas cristãs,
Confronta-se com os destruidores
Da Amazônia e de sua sacralidade.
Proteja nossas crianças e culturas.
Papa Francisco,
A Amazônia é de todos nós,
Insista em sua defesa
E perenidade física e divina,
Na proteção de seus povos,
Animais e floras.
Estenda o seu manto sagrado sobre ela,
Pois ela está morrendo,
Em nome do lucro exacerbado
E da ambição desvairada,
Que constroem pobreza,
Sofrimento e dores.
Francisco da Amazônia,
Abençoe os seus povos,
Vítimas do preconceito,
Da intolerância racial,
E da tirania política.
Manaus, 14 de Maio de 2022
Manaus, 8 de Setembro de 2023
Marcílio de Freitas
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