Manaus, 21 de novembro de 2024

Amazônia: Universo paralelo incompreendido e cobiçado

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Este texto apresenta a entrevista pessoal concedida ao jornalista Marcus Stoyanovith em 16 de Agosto de 2023, e publicada no Blog amazONamazônia de Wilson Nogueira, em 20 de Agosto de 2023. Os conteúdos da entrevista foram preservados integralmente, a menos da inserção de duas novas figuras para efeito ilustrativo.

Amazônia é um universo paralelo incompreendido e cobiçado, diz físico

Entrevista de Marcílio de Freitas concedida ao jornalista Marcus Stoyanovith;

Marcílio de Freitas é físico, professor aposentado da UFAM, com estágios na Universidade de Oxford-Inglaterra e na UNESCO-Paris, tendo sido Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas (2007-2010). Experiências de vida que lhe conferiram alegrias, temores e tristezas que hoje aos 70 anos constituem uma mistura tonificada para o que mais ama fazer: pensar a Amazônia. Nessa entrevista, ele, suavemente, repassa uma visão panorâmica crítica sobre a porção brasileira da região e faz propostas que devem ser consideradas nas rodas de trabalho, para a construção de ações para uma nova Amazônia que por sua própria natureza é única no planeta terra.

Como compreender a Amazônia, mas especificamente a brasileira, no contexto atual?

Amazônia é uma construção histórica e cultural de seus povos, certamente com as devidas contribuições mundiais. Sua importância global cresce à medida que o planeta viaja, continuamente, em direção ao colapso social e ecológico. Em forma sintética, a Amazônia representa dimensões materiais e simbólicas fantásticas à humanidade: novas estéticas, concepções e formas de relações com a natureza, demonstra que a natureza encontra-se incrustada às culturas e vice-versa – em todos os lugares e tempos; constitui o termostato e fonte de reciclagem e mecanismo de estabilidade climática do planeta; põe-se como espaço territorial estratégico, nacional e internacional; situa-se como o laboratório científico e cultural mais complexo do planeta, aberto às experiências em desenvolvimento sustentável, em todas as escalas – a biblioteca viva em superfície sólida mais desafiadora e diversificada do planeta; e berço de múltiplas culturas milenares integradas à natureza em forma sustentável. O Estado do Amazonas constitui a principal e mais importante unidade federativa global neste quadro de referência da civilização ocidental. Precisa ser legitimado como o maior centro de desenvolvimento sustentável do mundo.

Podemos falar sobre grandeza dessa região tropical?

É fantástico, a grandeza cultural e ecológica da Amazônia pan-americana representa: 385 povos originários, 2000 grandes rios, mais de 50 mil igarapés, e 500 bilhões de árvores em suas vastidões territoriais, iluminando a humanidade e estratégicas à estabilidade climática planetária. Possui cerca de 5% dos povos originários do mundo, e mais de 20% das espécies arbóreas do planeta, uma benção ao povo brasileiro e à humanidade. A sua imponente presença local e global instiga a política, o mercado, as religiões, a ciência, e, também, o imaginário das pessoas e dos governantes – passado, presente e futuro. Neste sentido, o seu ‘ser’, ‘estar’ e ‘relacionar’ (da Amazônia) sempre foi um desafio para os governantes e os especialistas em informação e comunicação. Aldisio Filgueiras, brilhante escritor amazonense, diz que a Amazônia representa um universo paralelo, único e singular, no Brasil, no Planeta e no Universo.

Como tem sido as abordagens e intervenções do Estado Brasileiro na Amazônia?

As relações do estado nacional com a Amazônia são analisadas com acuidade em três livros autorais lançados recentemente: “Nuances da sustentabilidade: visões fantásticas da Amazônia”; Kindle Direct Publishing, 2023; “Who Will Save Amazonia? World Heritage or Full Destruction”, Nova Science Publishers, NY, 2021; e, “The Future of Amazonia in Brazil; a Worldwide Tragedy”, Peter Lang Publishing, NY, 2020.

Atualmente, o Brasil, ainda, é um país com futuro incerto e difuso. A construção de sua pujança e prosperidade depende mais da Amazônia que da Avenida Paulista. Em certa medida, o desenvolvimento sustentável da Amazônia, em especial do Estado do Amazonas, constitui o passaporte do Brasil para a sua entrada no ranking dos países desenvolvidos. Apesar de o capitalismo ainda não ter alcance heurístico para transformar a Amazônia numa commodity ecológica sustentável. Todos os governantes brasileiros, em forma ponderada, desde o século 16, após a chegada dos colonizadores europeus à região, contribuíram para a destruição cultural e ecológica da Amazônia. Os índices de desenvolvimento humano das populações amazônicas, em forma sistêmica e persistente, são, numa linguagem popular, lanterninhas no ranking nacional e mundial. Encontram-se situados entre os piores do mundo, comparáveis aos dos países da África Subsaariana. E com outro agravante: A destruição cultural e ecológica na região não para de crescer, apesar dos atuais esforços governamentais para detê-la.

Zona Franca: paradoxo econômico. Foto: Imagem Ilustrativa/Captura de Tela

Os fundamentos dos dois principais modelos de desenvolvimento econômico na região, a “Zona Franca de Manaus” e o “Polo Minero-metalúrgico no Pará”, implantados durante o período da ditadura militar, precisam ser reposicionados e alinhados ao desenvolvimento sustentável da região. Estes modelos precisam de políticas industriais consistentes e inovadoras. Precisam ser libertados da tirania e da incompetência do regionalismo clientelista e sectário. As formas de uso e ocupação na região, também precisam ser qualificadas e integradas à sua sustentabilidade.

Uma realidade, vergonhosamente, histórica?

“Antes, éramos mais de 1000 povos e 7 milhões de pessoas livres na Amazônia, resistindo – com nossas lanças, arcos e flechas, zarabatanas, tacapes, fundas e espiritualidades – às fúrias e às guerras europeias, num mundo complexo e desconhecido para eles. Após três séculos consecutivos, passamos de maioria à minoria, com as minhas culturas e ambientes contaminados pela ambição, pelas doenças físicas e morais, pela exploração econômica e social e a desespiritualização de meus povos submetidos à triste história da ‘Era dos Descobrimentos’ de Novos Mundos. Éramos moradas de sociedades sofisticadas que já tinham existências próprias e floresciam com fartura, alegria, musicalidade e integração com a natureza. Hoje somos pouco mais de 870 mil parentes, 51% do total nacional, espalhados nas imensidões de meus territórios abrigados no Brasil, ainda resistindo às investidas sanguinárias sobre as nossas culturas e organizações, em nome do progresso e da defesa do estado Nacional. Nossas 500 bilhões de florestas e mais de 2000 rios, inventados e cultivados pelos nossos ancestrais, continuam sendo depreciados pela ambição e arrogância dos humanos civilizados, que insistem num tipo de desenvolvimento predatório, que deprecia a natureza e põe o futuro da humanidade em risco de extinção e decadência moral.”

Esse é um testemunho de quem vive a e na Amazônia, mas é intrigante a ausência de ação planejada dos Governos, mesmo com as informações atuais da importância da região para o planeta?

A frase é um clichê, mais continua válida: O Governo Brasileiro não sabe o que fazer com a Amazônia. Não tem um projeto de desenvolvimento social e econômico, em bases sustentáveis, para a região. Pergunta-se: O que seria do Brasil sem a Amazônia? E o que seria da Amazônia sem o Estado do Amazonas?

Ao contrário do último Presidente do Brasil que acelerou a destruição da Amazônia durante a sua gestão executiva, a implantação de modelos de desenvolvimento sustentável na região exige consensos e demandas políticas e econômicas amplas e qualificadas.

Genocídio Yanomami. Foto: Urihi Associação Yanomami. Captura de Tela

Desafia a política, a economia e, especialmente, a ciência e tecnologia, em todos os tempos e lugares. A crescente destruição ecológica do planeta, a desigualdade social e a ampliação das guerras e da globalização assimétrica põem problemas complexos à humanidade. Emerge novo ordenamento econômico e político mundial.

A sustentabilidade pode ser considerada uma saída dentro dessa complexidade?

A Amazônia constitui um lócus cultural e ecológico estratégico neste marco histórico. Sua sustentabilidade impõe-se como exigência política que também se articula com a perenidade e o futuro da humanidade. Esta condição histórica contribui para mantê-la refém das forças econômicas nacionalistas e internacionalistas numa perspectiva niilista e redentora. Pode-se dizer que a sua existência sempre oscila entre dois limites extremos: destruição total ou preservação plena, como se o seu desenvolvimento econômico e social fosse incompatível com um tipo de sustentabilidade integrada às suas culturas e ecologias.

Em forma ampla, o desenvolvimento sustentável amazônico deve ser guiado por seis verbos-ação: inovar, incluir, empreender, desenvolver, preservar e transcender. Numa perspectiva que se irradia a partir de suas instituições públicas e privadas, e principalmente de seus povos e populações. O Presidente do Brasil anterior acelerou a destruição cultural e ecológica da Amazônia em proporções jamais concretizadas. Um horror, parecia um filme de terror, online.

O que podemos esperar da nova conjuntura política?

A nova conjuntura política põe outros desafios aos atuais governantes, em especial ao Presidente Lula, em minha opinião, difíceis de serem concretizados, por razões políticas e econômicas. Esta questão deveria ser equacionada por meio de proposituras consistentes e integradas ao seu desenvolvimento sustentável.

Em certa medida, o Presidente Lula continua refém dos ambientalistas niilistas, das forças econômicas vampirescas e da mediocridade política brasileira, em especial daquelas que representam as regiões sudeste e sul. Há outro agravante, o governo brasileiro não consegue formular um projeto de desenvolvimento econômico que abarque as complexidades ecológicas e culturais da região. Isto é: o governo federal, assim como os estaduais, não consegue implantar modelos de desenvolvimento integrados à região. Continuam contribuindo, ainda que em forma lenta, para a sua destruição ecológica e a construção da miséria social de seus povos. Apesar de seus discursos e ações tipifica-la com o principal diferencial político em sua gestão presidencial, em todas as escalas executivas, desde a econômica à diplomática.

Sem planejamento continuado fica difícil consolidar um sistema sustentável?

Já se passaram sete meses, desde sua posse, há grande disjunção entre o que o Presidente Lula propugna e as ações executivas de seu governo em prol da materialidade do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Há uma combinação visível de incompetência política na formulação, implantação e gestão de programas integrados que possam compor uma proposta de desenvolvimento sustentável para a região; insisto, região com os piores índices de pobreza no Brasil e no Mundo. Esperar pela efetivação das propostas factíveis apresentadas na Cúpula da Amazônia em Agosto de 2023 é uma demonstração de fraqueza e incompetência governamental, considerando que muitas delas ainda não apresentam consistência e integração política e econômica nem coesão social. Em geral, a geopolítica global põe uma questão central: Qual é o papel da Amazônia no Mundo? E qual é o papel do Mundo na Amazônia?

Dentro da Geopolítica, qual a discussão sobre a Amazônia, o que se quer dela (cobiça, qual é a de agora); o que ela pode oferecer? Temos soberania para mantê-la nacional, na porção que nos cabe?

Parte desta questão foi respondida na primeira pergunta. Mas há outra questão importante e mais ampla sobre a inserção geopolítica da Amazônia nos processos mundiais, que passo a apresentar e analisar, numa linguagem apropriada para este tipo de publicação.

Em forma panorâmica, o quadro político, econômico e social no século 21, em âmbito global, apresenta quatro grandes desafios, aqui descritos como contratos mundiais. Todos associados ao reordenamento econômico e político do sistema capitalista, e a necessidade em se ressignificar os conceitos de desenvolvimento econômico e cidadania, nesta Era de transição à sustentabilidade, simultaneamente, local e global. Há relações estruturantes entre a Amazônia e estes contratos.

Na realidade, o que rezam esses contratos mundiais?

Descrevo, em seguida, as relações entre o novo contrato político mundial e a Amazônia. As concepções dos regimes políticos vigentes no mundo são diversas e complexas, em quantidade e qualidade. As guerras, em especial a guerra entre Rússia e Ucrânia, o pragmatismo, o racionalismo, a tecnificação descontrolada, a privatização ocidental exacerbada e o fundamentalismo religioso e político dos países orientais negam a possibilidade de existência de um Estado republicano comprometido com uma humanidade integrada e pluricultural. Nesta conjuntura, intensifica-se o confronto político entre ocidente-oriente.

Estas questões conspiram contra a construção da paz e a solidariedade mundial, e movimentam a construção de um novo mundo por meio de o contrato político que propõe descentralizar a economia e os poderes políticos dos países desenvolvidos. Isso tem gerado ondas de instabilidades nos processos políticos e econômicos nacionais e mundiais, exigindo contrapontos das sociedades organizadas e da mídia crítica. Estas questões pressupõem construir uma nova centralidade política e uma nova métrica temporal para os processos econômicos e sociais; centralidade política que deve se irradiar a partir das “regiões” e métrica temporal assentada no tempo breve das necessidades humanas e, simultaneamente, no tempo longo da preservação do planeta. Esta conjuntura exige reinterpretar os conceitos de cidadania e desenvolvimento econômico. As condições estruturais para materializar um novo marco referencial que incorpore a sustentabilidade aos fundamentos dos processos civilizatórios ocidentais estão em construção. Amazônia é uma entidade-chave neste novo contrato político mundial que se encontra em curso.

Apresento, agora, as relações entre o novo contrato ecológico mundial e a Amazônia. A globalização da questão ambiental é um desdobramento do paradigma da sustentabilidade que considera a ecologia como um processo de produção, desenvolvimento e reprodução da vida. Nesta conjuntura, o contrato ecológico baseia-se, principalmente, no confronto tipo “natureza versus cultura”. Este contrato pressupõe a concepção centrada no pensamento iluminista do século 18, que, virtualmente, tem a pretensão em tornar eterno e invencível os “humanos-natureza-cultura”, num mundo marcado, simultaneamente, por grandes desigualdades sociais e por um mercado consumidor exacerbado. A ruptura das estabilidades climática, química e termodinâmica dos processos atmosféricos planetários, colocando em risco a futuro da humanidade, constitui uma possibilidade real que preocupa os estados nacionais e exige uma governança global. Nesta conjuntura, o combate às mudanças climáticas e à injustiça ambiental se põe como um dos principais desafios ecológicos deste século.

Desastre climático. Foto: Captura de Tela

A possibilidade de perda total do controle sobre o ‘futuro da humanidade’ por causa da degradação e do colapso ecológico planetário tem potencializado a implantação de programas mundiais para a preservação e a conservação dos recursos naturais, incluindo os solos, as águas e a atmosfera terrestre. Esta conjuntura requer a construção de uma nova base simbólica e material para esse tipo de contrato. Uma base assentada nos princípios da responsabilidade e da precaução, entrelaçados em rede de integração global através de estruturas móveis. Um novo contrato ecológico mundial resultará em novas formas de organização das cidades, das matrizes industriais, das profissões e das sociedades. Estes marcos referenciais potencializam a implantação do desenvolvimento sustentável e aceleram o combate às desigualdades sociais. Este contrato pressupõe, também, a sustentabilidade planetária considerando a Amazônia como um dos seus principais alicerces.

O caminho de uma trilha oposta aponta para uma nova ordem mais justa e humana?

Os dois contratos relatados tem forte associação com a distribuição e o uso desigual e global das riquezas materiais e simbólicas. Esta questão desdobra-se na necessidade de um novo contrato social mundial que também se articula com a Amazônia.

A urgência em combater a crescente desigualdade social é o principal pressuposto do contrato social mundial, que se propõe valorizar a vida em todas as dimensões materiais e simbólicas, em bases sustentáveis. O desenvolvimento sustentável propõe inverter as tendências do mercado e dos estados nacionais em criarem novos instrumentos para aumentar a desigualdade socioeconômica, naturalizando-a e incorporando-a às políticas públicas. Esta intervenção política requer sincronizar as marchas do estado, do mercado e da sociedade na perspectiva da sociedade. O contrato social mundial priorizará a promoção social, em especial, as políticas públicas acessíveis a todos, e institucionalizará o desenvolvimento sustentável movimentado pela prudência e a responsabilidade cívica com o planeta preservado. A Amazônia também se insere neste contrato que abarca as suas complexidades culturais e ecológicas.

E sobre o quarto contrato?

Finalmente, tem-se a associação de o contrato ético pluricultural mundial e a Amazônia, entidade viva e espiritualizada, morada da ecologia integral do Papa Francisco. A autodeterminação dos povos, a tolerância política e religiosa e o respeito às diferenças e à dignidade humana são os fundamentos do contrato ético pluricultural. Os seus mecanismos operacionais têm como base simbólica a responsabilidade coletiva em se construir um mundo generoso, fraterno, solidário e perene, com feições múltiplas e coexistências pluriculturais. Sua base material tem como pressupostos uma nova regulação do mercado e a reestruturação do papel do Estado na concepção, implantação e gestão das políticas públicas, em bases sustentáveis. Suas representações políticas e culturais consideram as artes e a educação como as suas principais referências. Pode-se afirmar que, nesta conjuntura, o paradigma da sustentabilidade tem como pressuposto a ideia central de construir uma “modernidade ética” que detenha a destruição de autoafirmação e do processo de perpetuidade da humanidade sobre a Terra.

O pensador francês Edgar Morin, fala em ciência com consciência?

Sim, tudo na perspectiva em que se tenha uma modernidade ética e não apenas uma modernidade técnica. Essa ética deve ser construída como uma crítica radical à noção de destino, entrelaçando inteligência e liberdade em um elo virtuoso com o bem. No entanto, tal ética universal encontra-se articulada com a globalização da técnica e da cultura científica. A ciência moderna metodologicamente supõe a distinção entre fato e valor, realidade física e valor, permanecendo em um ambiente estritamente extrínseco em suas relações com a esfera do bem e com os fundamentos da natureza espiritualizada. Logo, uma sociedade mais entrelaçada entre si e ao futuro da humanidade exige implantar um contrato ético centrado na sustentabilidade plena, incorporada num quadro de referência que considere a natureza imbricada à cultura, e integrada à pluralidade e à diversidade do planeta. Os fundamentos e os mecanismos operacionais deste contrato ético têm associações duradouras com a Amazônia.

Logo, é possível identificar a presença da Amazônia nos principais contratos mundiais estruturantes em curso. Anunciada como uma dádiva ao Brasil, ela pode se tornar uma tragédia mundial após a sua destruição.

 

Foto de acervo pessoal

Como desenhar uma Amazônia para as crianças hoje?

Em Agosto de 2023 publiquei o livro “Amazônia: sustentabilidade, encantos e alegrias”, Kindle, Amazon, dedicado às crianças e juventudes brasileiras. Trata-se de um encontro de fragmentos da ciência com a literatura que, por meio de 42 poemas, apresenta diversas dimensões fantásticas da Amazônia. Um tributo aos seus povos e às suas naturezas.

Há várias propostas para uma política pública dirigida ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Informo aos interessados nesta temática, que atualmente estou apresentando, em forma didática, um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, em especial, para o Estado do Amazonas, por meio de trinta textos publicados, semanalmente, no Blog do Francisco Gomes (https://franciscogomesdasilva.com.br/). Não há resposta simples para esta questão. A base material da sustentabilidade constitui-se de projetos e programas de ciência e tecnologia contextualizados às representações materiais e simbólicas próprias das culturas, dos lugares e tempos espiritualizados.

O futuro promissor de nossas crianças depende de decisões políticas passadas e dos atuais gestores públicos e privados. A tendência de um ‘futuro sem futuro’ precisa ser revertida em prol de suas promoções sociais e de suas cidadanias plenas. As crianças amazônicas continuam reféns de modelos econômicos precários, excludentes e desalinhados das conquistas científicas e tecnológicas da modernidade. Em maioria, são prisioneiras do crime organizado, da educação de tempo parcial, do emprego precário nas matrizes industriais da Zona Franca de Manaus, dos ilícitos na Amazônia profunda, da cidadania mutilada de valores universais e altivos. A criança pobre amazônica não tem futuro, pelo menos quando se compara com os padrões educacionais dos países desenvolvidos. A educação integral e a preparação técnica e logística para a Era da sustentabilidade podem ser institucionalizadas imediatamente. O estado nacional e o governo estadual têm esta dívida histórica com as nossas crianças e populações.

Sair do discurso fácil para uma prática de bem viver já, isso é urgente?

O estado nacional deveria intervir politicamente e implantar, localmente, centros e laboratórios instrumentalizados para inovar estruturas, sistemas e processos técnicos e artísticos para disseminar e interiorizar o desenvolvimento sustentável na região. Para isso, também, faz-se necessário sediar na Amazônia, as instituições nacionais de financiamento do desenvolvimento econômico e social, tipo BNDS, Fundo Amazônia, FINEP e Instituto Rio Branco, e irradiar o desenvolvimento sustentável aos municípios amazônicos, sem exceção.

Neste sentido, para ilustrar, faço uma breve retrospectiva sobre três proposituras programáticas e três proposituras temáticas em ciência e tecnologia para a sustentabilidade da Amazônia, que terão fortes impactos edificantes ao futuro de nossas crianças.

Universidade Intercultural. Foto: Captura de tela Orquídeas. Musa. Foto: Captura de Tela

I. Universidade Intercultural e a Sociedade do Saber na Amazônia

Esta proposta propõe implantar a Universidade Intercultural em três polos, alto, médio e baixo rio Amazonas. Esta Universidade tem com fundamento o emprego das línguas-mãe em seus processos de aprendizagens, as culturas e os territórios como unidade existencial e as relações plenas das pessoas com a natureza. Ela se assenta num conjunto de temáticas que articulam o saber indígena com o conhecimento científico, ambos centrados na Amazônia, a saber: natureza e cultura; educação e ciência e tecnologia; inovações e processos produtivos; economias e serviços ambientais; territórios e povos; e preservação e desmatamento. Estas temáticas se desdobram em cinco eixos estruturantes que possibilitarão a materialização de seu funcionamento acadêmico. Estes eixos-guia se apresentam como: Conhecimento indígena e políticas públicas; Sociedades do saber e etnociências; Cultura, natureza e artes indígenas; Desenvolvimento sustentável e economia indígena; e Educação indígena e ciência e tecnologia e inovação. Por sua vez, estes eixos estruturantes movimentarão os seus quatro programas interculturais apresentados em seguida: Formação de professores indígenas, e cultura, difusão e comunicação científica; Tecnologias das florestas e das águas e novos materiais sustentáveis; Novas tecnologias e processos de gestão sustentáveis; e, Políticas públicas, artes e desenvolvimento sustentável. Ela será implantada ao longo de oito anos consecutivos. Um novo mundo fantástico acessível à nossa juventude.

II. Museus Vivos na Amazônia

Esta proposta propõe implantar e organizar oito museus das antropologias e das histórias naturais da Amazônia, um em cada mesorregião da Amazônia. Estes museus, similares ao MUSA, sediado em Manaus e dirigido pelo Professor Ennio Candotti, se dedicarão à pesquisa, à educação, à exposição e divulgação científica e cultural da Amazônia. Reunirão exposições, acervos e coleções de peças e espécies de suas faunas e floras, terrestres e aquáticas, que são objetos de curiosidade e estudo por parte de pesquisadores, visitantes ou de instituições nacionais e internacionais. Nestes museus, os protagonistas da exposição serão as culturas dos povos amazônicos, as faunas e as floras dos ambientes naturais, dos rios, da floresta e dos seus igarapés. Serão implantadas diversas inovações tecnológicas criando múltiplas possibilidades de interação do homem com os fenômenos da natureza. Conforme suas especificidades, eles contarão com aquários, trilhas, passarelas elevadas, torres e estações de apoio, laboratórios de museologia especializados oferecerão as condições técnicas de observação orientada dos biomas amazônicos, com as exposições e as análises sendo apresentados nas estações de apoio e nos edifícios sede, mostrando o caráter evolutivo das conexões filogenéticas e decifrando o comportamento – percepção, reprodução e relação – das espécies animais e vegetais. Esta rede de informações estará conectada a uma plataforma de comunicação e informação de alcance regional, nacional e internacional num amplo programa de difusão e popularização da ciência e da educação ambiental. Todos os museus estarão conectados entre si por meio de uma plataforma de informação e comunicação que, também, possibilitará suas interações com as escolas e universidades das redes públicas e privadas da Amazônia, do Brasil e do mundo. Os museus contarão com forte participação do MUSA, e com colaborações das prefeituras locais e de outras instituições públicas e privadas. Os seus públicos alvos serão as crianças e os estudantes, em especial. A proposta será implantada em sete anos consecutivos. Museus da Amazônia e Amazônia morada de complexos jardins naturais e espiritualizados; novos sonhos, esperanças e desafios às sustentabilidades de nossas crianças.

 

III. Sustentabilidade: a municipalização da ciência, tecnologia e artes na Amazônia

III.1. Ciência, Tecnologia e Artes para o Desenvolvimento Municipal Amazônico

Este programa visa instalar, expandir e aperfeiçoar a infraestrutura tecnológica, científica e artística para o desenvolvimento social e econômico do respectivo município. Suas ações propõem: 1. Induzir e promover os programas de formação e pós-graduação estratégicos ao município. 2. Melhorar a infraestrutura física para os arranjos produtivos e as tecnologias apropriadas locais. Implantar programa de ciência, tecnologia e artes para apoiar os micro e pequenas empresas e promover o empreendedorismo. 3. Apoiar a pesquisa, as suas aplicações e as inovações tecnologias para a solução de problemas do município. 4. Implantar estruturas laboratoriais estratégicas, em forma integrada e consorciada com instituições públicas e privadas. Em especial os projetos para o desenvolvimento de plataformas tecnológicas e artísticas para a(o): bioindústria, biodiesel, artes plásticas e cênicas, tratamento de resíduos sólidos, desenvolvimento das várzeas; serviços ambientais; e programas de mecanismos de desenvolvimento limpo. 5. Implantar programas de cooperação estadual, nacional e internacional em ciência, tecnologia e inovação. Estando todas as ações permeadas pela sustentabilidade. Recomenda-se construir um projeto para cada ação, com destaque à ação 4 apesar de sua amplitude.

III.2. Ciência, Tecnologia, Artes e Inovação para a Inclusão Social nos Municípios Amazônicos

Este programa propõe-se desenvolver ações de ciência, tecnologia, artes e inovação para a promoção do desenvolvimento humano e da cidadania nos municípios amazônicos. Suas ações priorizam projetos estratégicos, tais como: 1. Ciência e educação; 2. Ciência e inclusão digital; 3. Ciência e saúde; 4. Ciência e cultura; 5. Ciência e segurança pública; 6. Ciências e artes; 7. Ciência e sustentabilidade. Sugere-se construir um projeto para cada ação. Ênfase às ações 1 e 3, que abarcam a educação indígena e o uso dos medicamentos naturais, respectivamente. Estas ações terão impactos positivos nas políticas públicas municipais.

III.3. Gestão, Difusão e Popularização da Ciência, Tecnologia e Artes nos Municípios Amazônicos

Este programa desenvolverá ações para coordenar, formular, planejar e avaliar os programas e ações de ciência e tecnologia no, respectivo, município. Possibilitará, também, difundir e democratizar o acesso ao conhecimento científico e tecnológico e aos seus benefícios, pelos setores sociais e econômicos, com vistas ao desenvolvimento social e à elevação da qualidade de vida da população do município. Destaque às ações que se destinam a: 1. Assessorar os gestores públicos em programas e projetos de ciência, tecnologia e artes, e promover e coordenar o planejamento e execução das atividades da política municipal de ciência, tecnologia e cultura. 2. Fazer prospecções e buscar novas formas de fomento à pesquisa científica, tecnológica e artística para os municípios. Avaliar os programas de ciência, tecnologia e artes em desenvolvimento, e produzir indicadores científicos, tecnológicos e artísticos nos municípios. Supervisionar os convênios de ciência, tecnologia e artes com as instituições locais e as agências financiadoras nacionais e internacionais. 3. Criar e manter acervos e programas de difusão de informações e conhecimentos de ciência, tecnologia e artes sobre o respectivo município e a Amazônia. 4. Promover programas de introdução à cultura científica e artística em espaços não formais de educação. 5. Induzir a implantação, modernização e manutenção de museus, centros e laboratórios para o ensino de ciências, matemática e artes. 6. Difundir experiências de educação científica, tecnológica e artística. 7. Planejar e promover programa de educação ambiental, preservação e conservação da natureza. 8. Promover e coordenar um programa editorial municipal sobre ciência, tecnologia e artes.

A municipalização da sustentabilidade na Amazônia – em bases científicas, tecnológicas e artísticas – constitui a libertação de suas futuras gerações das amarras do capitalismo opressor, alienado e predatório. Uma jornada para a inserção da Amazônia nos processos mundiais com alteridade e liderança na governança da sustentabilidade global.

IV. Três Proposituras Temáticas para a Amazônia

Implantar o desenvolvimento sustentável na Amazônia exige três conjuntos de prioridades:

IV.1. O núcleo central exige mobilizar a sociedade e as instituições brasileiras para reafirmar a importância da ciência e tecnologia como processo de humanização e desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e do Brasil. Investir US$1 trilhão na Política de CTI direcionada à integração regional, nacional e pan-americana da Amazônia ao Projeto nacional, durante doze anos consecutivos; e integrar as parcerias entre os governos federal, estadual e municipal e o setor privado criando as condições estruturais para a sua sustentabilidade.

IV.2. Um segundo grupo de reivindicações, mais operacional, propõe garantir a soberania e institucionalizar a presença do Estado nacional na região. Isto exige integrar, descentralizar e interiorizar as agências estaduais e federais de planejamento e execução de políticas públicas e de desenvolvimento socioeconômico, tipo BNDS Fundo Amazônia e FINEP. Fortalecer a cooperação entre o Brasil e os países amazônicos por meio de empreendimentos de educação e CTI; e priorizar investimentos em CTI articulados às suas políticas públicas de educação, saúde, transporte, abastecimento e segurança alimentar integrada à agricultura familiar, habitação, bioindústria, inclusão digital e aos mecanismos de desenvolvimento limpo implantados na região. Em mesmo grau de importância, é preciso acelerar o processo de integração da Amazônia ao sistema nacional de produção, distribuição e uso de eletricidade, e ao uso sustentável de fontes alternativas de energia. Criar tecnologias sociais que assegurem o acesso das populações interioranas às redes digitais de comunicação e informação regionais, nacionais e mundiais; e implantar centros de diagnóstico e controle de desmatamento ilegal e uso da terra. Mesma prioridade deve ser direcionada à implantação de uma política pública em serviços ambientais integrada à região, e à recuperação de áreas degradadas, conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e à mitigação das mudanças climáticas.

IV.3. Finalmente, deve-se priorizar o seu zoneamento ecológico-econômico, e criar os projetos estruturantes que ampliem e incorporem mais competitividade às suas matrizes industriais e produtivas. Assegurar a formação científica e os direitos constitucionais aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, e promover a equidade social, considerando gênero, geração, raça, classe social e etnia. Organizar a Universidade Intercultural e implantar uma plataforma tecnológica para o uso e preservação da água em todos os seus centros urbanos e rurais, priorizando a integração da bacia hídrica panamazônica. Revitalizar o seu sistema aeroportuário, priorizando a sua integração municipal, regional e nacional, e a sua interligação modal e rodo-aero-fluvial; e finalmente institucionalizar um programa nacional de popularização da CTI centrado na Amazônia.

Suas propostas são objetivas e basilares para uma prática já no entendimento para uma nova ordem?

A economia é muito previsível. Ela é muito dependente das estruturas de ciência, tecnologia, cultura e de informação e comunicação. Portanto, as análises e as iniciativas apresentadas neste texto propõem implantar as bases materiais da política de desenvolvimento sustentável da Amazônia, em especial ao Estado do Amazonas. A sua organização institucional colocará o Amazonas na vanguarda das inovações tecnológicas aplicadas à melhoria de qualidade de vida de suas populações, em bases sustentáveis.

O futuro do desenvolvimento sustentável na Amazônia depende também de sua incorporação ao projeto nacional brasileiro. A concretização desta condição exige atender três pressupostos políticos: integrá-la física e cultural em escalas regional, nacional e pan-americana; nuclear localmente, as instituições nacionais compromissadas em financiar o seu desenvolvimento socioeconômico; e municipalizar o seu desenvolvimento sustentável, inovando os seus arranjos produtivos e protegendo suas populações e seus ambientes naturais. Integrar a Amazônia ao Brasil, humanizar a relação entre as suas populações e a natureza, e melhorar a qualidade de vida de suas populações são os principais eixos de sua política científica e tecnológica. Criar as condições técnicas para preservar os seus ambientes naturais e resolver os seus complexos problemas regionais, nacionais e globais, em forma sustentável, complementa este quadro histórico.

A noção para soluções sustentáveis pode alinhar diferentes culturas e aproveitar as novas técnicas para que ande mais rápido o processo de sustentabilidade?

Por outro lado, a sobrevivência dos ambientes naturais e dos povos originários amazônicos depende do desenvolvimento sustentável assentado no pluriculturalismo e nas técnicas. Hoje e no futuro, os desafios globais da Amazônia são a construção e as articulações de sua sustentabilidade com a melhoria dos seus índices de desenvolvimento humano, sua transformação em patrimônio nacional e mundial, e a construção das sociedades do saber fortalecendo as suas culturas e populações. Alinhar o conhecimento tradicional com as conquistas científicas e tecnológicas contemporâneas, a partir de núcleos e programas de inovação sediados na região, constitui um desafio premente. Uma condição para acelerar o grau de sustentabilidade na região.

Núcleos de inovação que movimentarão os projetos de inclusão social, empreendedorismo e de uso e proteção ambiental responsável, base material da sustentabilidade compromissada com a vida e a estabilidade climática e termodinâmica planetária. Com uma gestão técnica e social responsável, a política pública do desenvolvimento sustentável da Amazônia pode generalizar-se e potencializar novos compromissos auspiciosos à justiça ambiental e à mitigação das mudanças climáticas, desde a escala local à planetária. As nossas crianças e juventudes agradecerão e multiplicaram estes desafios ao Brasil e ao Mundo.

A amplitude desse entendimento e dele para ações pode já não ser um obstáculo em razão do que há disponível e o que está por vir em tecnologia. Seria essa uma afirmação razoável para as soluções?

Importante observar que os Acordos Mundiais são amplos e envolvem também a circulação de pessoas e colaborações acerca de inovações que movimentam as tecnologias das matrizes industriais de cada país consorciado. As parcerias e cooperações científicas e tecnológicas têm papeis de destaque nestes empreendimentos estratégicos às prosperidades dos povos e de seus respectivos estados nacionais. Em geral, há consensos técnicos e políticos que permeiam todos estes Acordos Globais, dos quais destaco quatro deles que, no contexto atual, me parecem os mais importantes: 1- o imediato combate ao colapso ecológico, priorizando a construção da paz, as desigualdades econômicas, às mudanças climáticas e à injustiça ambiental; 2- a cristalização da cibernética devido ao crescente uso das tecnologias digitais, em especial das plataformas de informação e comunicação; 3- A formação de recursos humanos especializados aptos para resolverem os problemas de natureza interdisciplinar, em especial os relacionados com o desenvolvimento sustentável; e 4- A desordem sistêmica dos processos globais fragmentando a integração econômica e o planejamento, em longo prazo, da dinâmica política nos respectivos países consorciados.

São tendências que podem se conectarem para afirmar uma transição?

Estas tendências estão diretamente associadas à transição dos modelos de desenvolvimento econômico baseados no uso de combustíveis fósseis aos do tipo sustentável, que por sua vez tem gerado novas formas de produção e circulação do capital. Elas têm muitas incertezas políticas e também transportam muitas esperanças e sonhos pela materialização do mundo sustentável.

Quando olho nas linhas do tempo ainda identifico muitas alegrias e surpresas agradáveis associadas ao futuro da Amazônia; mas talvez isto se deva ao otimismo que movimenta a minha vivência.

Manaus, 17 de Agosto de 2023

Marcílio de Freitas

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