*Manoel Domingos
Continuação…
Parte 2
VERSOS ESTAMPADOS
e outros matizes poéticos
VERSOS ESTAMPADOS
2° lugar / conpofai -95
Meu verso canta a flauta tabajara,
Volúvel como a nuvem no horizonte…
As rimas ricas, ancestrais, são pontes
Que ligam os sons de chuva aos da taquara.
Meus versos são garças no Orinoco,
Arfando em gélidos capins extremos
Mesclando choros e risos morenos
Na frialdade eclética de Bahia…
Meus versos-yara na face de lua;
Facheados na luz da casta lagoa…
Onde, em setas, rumam as vastas canoas
Para viverem as lendas de ânsias nuas.
Meus versos são estrumes de desejos
Que se inebriam à luz do olhar felino
Com rimas leves entoando beijos
Sinergia aquática de um latino…
Meus versos são porções de argila virgem
Que sugam do arco-íris os semitons
Da tabatinga, artes e vertigem;
Não flores, não sonhos e nem batons,
Mas são fachos matizes na ribalta,
Ausentes, no plano do artista gótico,
Presentes, arquétipos… Exóticos!..
Peixes, anjos… Trópicos… Argonautas
Meu verso canta na gota-neblina,
De estrofes molhadas ao grito da chuva
Da chuva mulata e da chuva menina…
Quando os ventos escassos desatinam,
Nem pão, nem sol, nem encontro de rios.
Meus versos estampam todos os cios!…
EU E A TARDE
Se não me vejo na tarde… Beijo o poente,
E transo uma desconfiança com o rio.
Se sigo as águas, me visto de serpente
Esperando o teu mormaço e o teu olhar.
As marolas, que vão chape-chapeando
Esses tons em segredos e agonias,
Adornam as vesperais ribanceiras-marias,
Até que meu olhar escuro se faz sombra,
E se faz cascata, para te banhar,
E até te esperar em penumbra…
A estrela D’Alva, que já dócil me acena,
Mostra enfim, sua porção morena.
A tarde está indo!… Isso me alucina,
E manda em canção um recado
Pela estrela rainha que se inclina.
Sei que essa nossa tarde não morre
Quando beija o seio do poente.
Ela dorme. Também dorme o campo…
Quando a última garça passa silente,
Já sei que a bela tarde se vai…
Embora saiba que em sua ida e em sua volta,
Em algum lugar ela me trai.
Eu amo e morro porque a tarde se vai!!!
Sei que a tarde vai, mas volta…
Então, me dá tua mão, meu bem, não me solta…
Dez./2000
TRADUÇÕES
Sou simplesmente uma cor da América…
Minha linha imaginária é serpente e flor;
Sou o canto da arara, não um fruto qualquer…
Traduzo Itacoatiara, sou retrato do Rio Tefé.
Sou o que nesta linha do Equador me dizes
Que há sempre sutis e efémeros sonhos,
E a vida é mansa nos acordes latinos,
Então sinto uma tonalidade Pã, na América.
Sou a brisa do rio na escapada de teu olhar,
Que foge, insinuado na esgrima do tempo.
Sou a viagem súbita de um gavião real,
No descaminho da tarde que busca o lual
Sou doces notívagos de tantas serenatas,
Regrando todo acorde da viola da mata,
Todas as linhas cantadas em 6ª Dimensão
Despojados sentidos do meu ladino coração.
Sou América…somos deveras uma cor.
Somos versos telúricos que se abraçam,
Reais e ufanos, em sinas bravas do tempo.
Sou a rima e o remo, tu, a prosa e o sustento…
Somos a franja das matas orgíacas,
Do início dos Andes ao fim do equador!
Que driblam toda a escassez do cio,
Nas sombras do Arapapá, na Costa do Catana…
Terra Vermelha, camapuzais e canaranas
És o céu que o rio amorna sem luz,
Hiléia que guarda meu desejo marupiara
Completado com matizes da tabatinga rara…
És a trança das gaivotas nos ventos azuis.
Sou cidades pasmadas, nesse pedaço de chão,
A inconsciência do mundo e a certeza da região.
Sou Amazonas e tu, Solimões…
Somos caminhos de hilárias canções…
HAY AMAZÔNIA
Hay uma fresta de luz no semblante
Da Amazônia feérica.
Hay olhares ribeiros,
E ávidos penares nas calçadas
E nas esquinas panaméricas.
Hay um ar que gasta o verde
E um rio deveras com sede.
Matas de álibis intactos…de orfanatos,
…de comunhão de bens,
…de canoas e de barcos,
Cidades de reféns.
Hay lúdica política que se esquiva,
Em cidadelas e vilas
Onde perambulam ruas de crianças,
E elas, já nos bailes de falso destino,
Vivem em busca de enganos…
Hay curumins que viram meninos,
Nos barranquinhos urbanos.
Hay Thiago, Maia, Porunguitá
E o Clube das veredas e das Madrugadas,
Hay uma América… Hay uma cor de Humberto
Nos ecos do coração,
Vozes dos rios e das estradas…
São reflexos de vidas latinas
Nesse pedaço de chão.
Julho/ 1996
GAIVOTA
Uma gaivota serena é água viva,
E esquiva… No vento da solidão.
Seguindo o campo do ar
Pousa e repousa no vácuo de sua razão,
Sobrevivendo por sobrevoar.
Gaivota morena,
Inclina-se ligeira,
Na Ilha do Risco, Na Boca do Panema.
Na Ponta das Pedras,
Faz uma manobra rara,
E uma dobra em mim…
Com peixe no bico,
É marupiara.
Desde o Rio Solimões,
Tece ventos,
E engana o cauré.
Indaga as imbaubeiras,
E a rama do mururé.
No Cavado e no Arari,
Sonda, encena, ensaia e voa…
Dribla o vácuo, mesmo à toa,
Fazendo renda no ar, dá o bote,
Não é mais solitária. Com peixe no bico,
E gaivota Marupiara.
(Set./2001)
Continua na próxima edição…
*Natural de Itacoatiara/Am. Poeta, professor e escritor. Membro da Associação dos Escritores do Amazonas, da Academia de Letras e Cultura da Amazônia, da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-amazônicos e do Movimento Internacional da Lusofonia. Professor efetivo da UEA. Mestre e doutorando em Letras pela UTAD (Portugal). Fundador da Sociedade dos Poetas Porunguitás.
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