Manaus, 16 de setembro de 2024

As Pedras do Rosário (IV)

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Jesuítas na Amazônia

Demorou mais de meio século, após a oficialização em 1540 da Companhia de Jesus, para que os membros dessa instituição se instalassem no litoral brasileiro e, em seguida, na Amazônia. Resultaram inúteis as tentativas do Concílio de Trento (1563-1564) no sentido de reforçar o poder da hierarquia eclesiástica católica e consagrar a atuação do clero secular nas novas terras. Em 1522, o Papado resolveu conceder aos superiores das ordens religiosas uma ampliação de sua autoridade permitindo-lhes converter os gentios e administrar as paróquias que passaram a ser constituídas. Na lição do historiador Almir de Carvalho Júnior,

“[…] era basicamente consenso entre as autoridades da Igreja a superioridade moral e intelectual do clero regular em comparação ao secular, relegando a uma segunda categoria os prelados diocesanos. Dentre as ordens, a dos jesuítas era sem dúvida a que mais poderia receber esses elogios. De longe, apresentava um padrão moral e intelectual mais elevado. […] A razão para essa qualidade superior estava no rigor da formação de seus noviços, fruto de uma formação educacional mais cuidadosa e prolongada. Sem mencionar a sua esmerada formação espiritual em que vigorava a pesada disciplina dos Exercícios Espirituais”.

Em meados de 1596, a Coroa Portuguesa mandou editar uma lei concedendo aos jesuítas a exclusividade no descimento de nativos do interior para instalá-los em aldeamentos do litoral. À época, a presença portuguesa a noroeste da Capitania do Rio Grande do Norte era inexistente e os franceses estavam se estabelecendo na região.

Entre 1603 e 1604 houve uma breve tentativa de início de colonização, liderada pelo explorador Pero Coelho de Sousa (c.1567c.1648), mas não foi avante. Em janeiro de 1607, os jesuítas Francisco Pinto (1522-1608) e Luís Figueira (1574-1643) iniciaram uma expedição saindo da Capitania do Ceará com destino à do Maranhão, mas foram atacados pelos índios cararijus, resultando na morte do padre Pinto e o fim da expedição.

Em 30 de julho de 1609, o rei Filipe II de Portugal (1598-1621), determinou a liberdade dos povos nativos do Brasil. Em 10 de setembro de 1611 publicou outro ato sobre a questão autorizando o cativeiro dos nativos capturados em guerra justa e retirava dos jesuítas o monopólio nos descimentos e da administração espiritual e temporal dos índios aldeados.

Em 1612, militares franceses novamente tentaram estabelecer uma colônia no Maranhão. Em setembro desse ano fundaram a povoação de São Luís e deram início à construção de um forte onde hoje se localiza a capital maranhense. A Batalha de Guaxenduba foi um confronto militar ocorrido em 1614-1615, entre as forças francesas, de um lado, e portuguesas, de outro. O combate ensejaria a expulsão definitiva dos franceses da região, possibilitando que grande parte da Amazônia passasse ao domínio de Portugal e, posteriormente, do Brasil.

No livro “História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará”, de 1759, o padre José de Moraes (1708-c.1779) relata a aparição de Nossa Senhora da Vitória entre os batalhões portugueses, animando os soldados durante todo o tempo da batalha e transformando areia em pólvora e seixos em projéteis. Nossa Senhora da Vitória é considerada a Padroeira de São Luís e acha-se exposta na Catedral da Sé da referida cidade.

Em novembro de 1615, os padres Manuel Gomes (1571c.1648) e Diogo Nunes (c.1542-c.1619) desembarcaram em São Luís e foram os primeiros jesuítas a se instalarem por um tempo considerável na região. Integravam a Armada de Alexandre de Moura (c.1565-c.1624), enviada como reforço para impedir o avanço dos franceses sobre o território maranhense. Ambos foram importantes para fazer a ligação do comando do general Moura com setenta índios guerreiros arregimentados em aldeamentos dirigidos pelos jesuítas em Pernambuco. Manuel Gomes e Diogo Nunes permaneceram até março de 1618 em São Luís, visitando aldeias e assistindo aos colonos.

Outros missionários chegados à região, também dispostos a realizar um trabalho relevante a prol da catequese indígena, foram membros da Ordem dos Franciscanos, da Ordem do Carmo (carmelitas) e da Ordem de Nossa Senhora das Mercês (mercedários). Os jesuítas secundaram aos franciscanos e, por que foram mais atuantes que os membros das demais Ordens, estabeleceram colégios, criaram missões ou aldeamentos e monopolizaram a administração da mão de obra indígena. Seu modelo de catequese aliava os interesses da Coroa Portuguesa com os ideais da Igreja Católica a partir do Padroado Régio.

Os primeiros núcleos urbanos, a partir dos quais o domínio de Portugal se daria de maneira efetiva nesta região, foram São Luís e Belém. A capital maranhense foi fundada pelos franceses, em 1614, e a paraense pelos portugueses em 1616. A partir delas, nos séculos XVII e XVIII, sertanistas e missionários prosseguiriam na penetração, atingindo os pontos mais distantes da Amazônia.

Na sequência, em 1621 é criado o Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em São Luís, cuja situação era de independência do Estado do Brasil, ou seja, subordinado diretamente a Lisboa. A nova célula estatal, além da região amazônica, também abrangia terras atualmente pertencentes ao Piauí e ao Ceará.

O padre Luís Figueira foi a maior figura da Ordem dos jesuítas nos primeiros anos de existência do novo Estado. Em 1622, junto com o padre Benedito Amodei (1583-1647), instalou precariamente em São Luís a Missão dos Jesuítas. Ambos enfrentaram muitas dificuldades, mas se deram conta das potencialidades de ações sobretudo em vista de uma promissora evangelização entre os muitos povos indígenas da região.

Figueira, além de fervoroso missionário, era um cultor das letras dedicando-se com maior zelo à Cultura. Em um de seus livros dizia acreditar que “os jesuítas teriam o dever de converter e conservar os povos nativos contra os abusos cometidos pelos colonos, sempre ávidos em obter a todo custo a mão de obra dos naturais da terra”. Era de opinião que as agressões dos portugueses contra os gentios atrapalhavam a propagação do Catolicismo entre os nativos.

Em 1639 Luís Figueira chega a Belém e dá início à catequização nos rios Tocantins, Pacajá e Baixo Xingu. Em 3 de junho desse ano, a partir da sede da Companhia de Jesus em Roma, foi fundada a Missão do Maranhão como uma entidade administrativa sob a responsabilidade da Província do Brasil, tendo como seu primeiro Superior o padre Figueira. À época, a entidade contava com apenas cinco religiosos sendo 3 padres e 2 irmãos leigos. Entusiasmado com o resultado de seu trabalho, o novo Superior vai a Portugal donde retorna em abril de 1643 trazendo quatorze sacerdotes para a Missão. Ao se aproximarem de Belém, no final de julho, ele e seus companheiros foram trucidados pelos índios Aruans em seguida a um naufrágio.

Alguns jesuítas continuaram presentes na região, mas durante toda a década de 1640 não havia uma missionação sistemática ou planejada da Ordem. Na condução do processo pró-melhoria desse quadro, teria papel destacado o jesuíta português Antônio Vieira (16081697). Teólogo, escritor, diplomata e orador, nasceu em Lisboa e, em 1614, com seis anos de idade, acompanhado de seus pais, veio para o Brasil estabelecendo-se na Bahia. Ingressou no Colégio dos Jesuítas de Salvador, onde se ordenou iniciando em 1633 sua carreira de pregador. Esteve cinco anos em todas as aldeias da Bahia.

Em 1641 Antônio Vieira voltou a Lisboa para jurar fidelidade a dom João IV (1604-1656). Acabou transformando-se em conselheiro da Corte, embaixador e homem de confiança do rei. Porém, o padre mostrava-se defensor dos cristãos-novos, o que lhe gerou inimigos na Igreja. Assim, retornou ao Brasil no início de 1653 para trabalhar na evangelização dos índios do Maranhão e Grão-Pará. A expectativa de que a sua vinda ganhasse um caráter de refundação da Missão da Companhia de Jesus no Estado, resultou quase frustrada pois ao se manifestar contrário à escravidão dos índios entrou em conflito com os colonos.

Realmente: desde o começo Antônio Vieira se dedicou fortemente às missões de catequese amazônicas, uma vez que dominava sete idiomas indígenas. Nomeado Superior e Visitador da Companhia de Jesus nesta região, priorizou a questão indígena, denunciou colonos e servidores da Coroa portuguesa envolvidos em explorar e escravizar índios e pediu liberdade para todos eles, com isenção da autoridade civil e sujeição incondicional aos jesuítas. Em seguida, mandou implantar a côngrua anual, pensão concedida aos religiosos para sua conveniente sustentação.

Em novembro de 1652, um grupo de onze jesuítas liderados pelos padres João de Souto-Maior e Gaspar Fragoso, deixaram São Luís e em janeiro do ano seguinte aportaram em Belém onde fixaram residência. Iam com o intuito de ensinar doutrina e latim aos filhos dos portugueses dando logo início à construção de uma modesta casa e uma pequena igreja, donde se originariam o Colégio de Santo Alexandre anexa à Igreja de São Francisco Xavier. Mais tarde, os padres Manuel de Souza (c.1613-1660) e Mateus Salgado se juntariam à equipe, sendo o primeiro escolhido para a função de Superior da Residência jesuítica em Belém.

Em abril de 1654 foi confirmada a categoria estatal do Maranhão e Grão-Pará, ainda com sede em São Luís, porém, não mais abrangendo os atuais estados do Piauí e Ceará que foram anexados ao Estado do Brasil. Em julho desse ano Antônio Vieira partiu para Lisboa, junto com dois companheiros, a bordo de um navio carregado de açúcar. Tinha como missão defender junto ao monarca os direitos dos indígenas escravizados, contra a cobiça dos colonos portugueses. Após cerca de dois meses de viagem, já à vista da ilha do Corvo, a oeste de Portugal, abateu-se sobre a embarcação uma violenta tempestade. Mesmo recolhidas as velas, à exceção do traquete, correndo o navio à capa, uma rajada mais forte arrancou esta vela, fazendo o navio adernar a estibordo. Em pleno mar revolto, na iminência do naufrágio, Antônio Vieira concedeu absolvição geral a todos, bradando aos ventos:

“[…] Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem conosco”.

Após essa exortação, Vieira obteve de todos a bordo um voto a Nossa Senhora de que lhe rezariam um terço todos os dias, caso escapassem à morte iminente. Ainda por um quarto de hora o navio permaneceu adernado até que os mastros se partiram. Com o peso da carga, estivada até às escotilhas, o navio voltou à posição normal, permanecendo à deriva, ao sabor dos elementos. Nove dias mais tarde, quarenta e um portugueses despojados de seus pertences pessoais, foram desembarcados na Graciosa, outra ilha dos Açores onde o padre Antônio Vieira, com o auxílio dos religiosos da Companhia de Jesus, procurou providenciar-lhes roupas, calçados e dinheiro durante os dois meses que permaneceram na ilha. […] O grupo passou em seguida à ilha Terceira, onde Vieira obteve o aprestamento de uma embarcação para que os seus companheiros de infortúnio pudessem seguir para Lisboa.

Em novembro de 1654 Antônio Vieira já estava novamente em Lisboa. Seu poder de persuasão junto a dom João IV influenciou-o a baixar a Lei Sobre a Liberdade dos Índios, em 9 de abril de 1655, que garantia aos jesuítas a administração das aldeias e o governo temporal e espiritual dos nativos, e estes passaram à tutela exclusiva da Companhia de Jesus. Posteriormente, as duas casas da Ordem, fundadas em São Luís e Belém, transformar-se-iam em grandes colégios e em centros de expansão missionária para inúmeras aldeias espalhadas por toda a região.

De volta ao Brasil, em abril de 1655, padre Vieira em seguida passou à cidade de Belém. Embora São Luís sediasse o Estado, a capital paraense – segundo João Lúcio de Azevedo –, “passou a ser o centro de onde irradiava a conquista das gentilidades e o foco principal da reação dos colonos contra o regime dos missionários”. Com o apoio do governador André Vidal de Negreiros (1606-1680) e de seus sucessores, os jesuítas passaram a efetivamente exercer o poder temporal em diversos aldeamentos. Nos cinco anos seguintes foram realizadas doze expedições missionárias na região e criados dezessete novos aldeamentos entre a Serra de Ibiapaba, no Ceará, e o rio Xingu, no Pará. Entre 1658 e 1660, Antônio Vieira escreveu o Regulamento das Aldeias, mais conhecido como a “Visita do Padre Vieira”, estabelecendo diretrizes às missões religiosas, tratando do cotidiano da ação missionária e envolvendo desde os métodos de doutrinação até a disposição do espaço de moradia de missionários e índios.

Em 1657 começaram as primeiras entradas na parte ocidental da Amazônia. Para cumprir essa tarefa, foram convocados os jesuítas Francisco Veloso (1619-1679) e Manuel Pires (c.1637-1678). Compondo a tropa de resgate do capitão-mor Vital Maciel Parente, partiram de São Luís em 22 de junho, subiram o Amazonas e no final de agosto pararam na aldeia de Matari, onde celebraram missa e assistiram aos índios Aroaqui. Prosseguindo viagem, alcançaram o rio Negro passando ao seu afluente Tarumã, a oeste do sítio onde mais tarde seria erguida a cidade de Manaus. Gastaram na viagem mais de seis meses aportando em janeiro do ano seguinte em Belém, para onde levaram cerca de 600 escravos índios.

Em 1658, acompanhado do padre Francisco Gonçalves (15971660), o missionário Manuel Pires voltou ao sertão do rio Negro. Segundo a carta de 28 de novembro de 1659, de Vieira ao novo rei de Portugal, dom Afonso VI (1643-1683), essa segunda penetração “era voltada para os resgates e excedia a todas as outras”. Os jesuítas deixaram a tropa no Tarumã e subiram até às cabeceiras do rio Negro. Quase dois anos depois, precisamente em janeiro de 1660, retornariam a Belém com um carregamento de 700 índios resgatados.

A terceira entrada no oeste amazônico também foi protagonizada pelo padre Manuel Pires, em parceria com o padre Manuel de Souza. Guiados pelo cabo de tropa Domingos Monteiro deixaram Belém em setembro de 1660 e, depois de várias visitas pastorais ao longo do rio Amazonas e uma no paraná do Ramos onde fundaram a missão de Tupinambarana, de lá seguiram para o rio Urubu onde fundaram a aldeia de Saracá, atual cidade de Silves. Na última trataram com os Aroaqui e admitiram igreja consagrada à Nossa Senhora da Conceição.

Entre maio e julho de 1661, ocorreu uma revolta dos colonos contra a Lei de 9 de abril de 1655. Os vereadores de Belém, pressionados pelos descontentes, acusavam o padre Antônio Vieira de atentar contra a paz social e econômica da região; diziam que o governo temporal dos índios, a cargo dos jesuítas, era responsável pela falta de escravos “pondo a Capitania no mais miserável estado”.

A insatisfação dos vereadores paraenses se estendeu ao Maranhão, cuja Câmara Municipal também se rebelou. A 8 de setembro de 1661 padre Vieira e seus companheiros foram presos e embarcados à força para Lisboa. Porém, antes de ser deportado, Antônio Vieira delegou ao padre João Felipe Bettendorff (1625-1698) a tarefa de implementar a Missão do rio Amazonas, cuja residência deveria ser instalada na embocadura do rio Tapajós, a oeste do Grão-Pará. Daí resultou a criação em 22 de junho de 1661 da aldeia dos Tapajós, que deu origem à cidade de Santarém. Logo ao chegar o fundador construiu ali a primeira capela de Nossa Senhora da Conceição.

O retorno dos jesuítas à Amazônia dar-se-ia somente em 7 de setembro de 1662. Mas a Provisão Régia de 12 de setembro do ano seguinte, além de anistiar os colonos, aboliu a jurisdição temporal dos jesuítas e proibiu a volta do padre Antônio Vieira, que foi perseguido pela Inquisição portuguesa. Em seguida, uma lei régia mandou devolver a administração dos aldeamentos aos missionários. Com a revolta de 1661 finalizada, o padre João Felipe Bettendorff em junho de 1662 foi feito Administrador da Missão em Belém e, no ano seguinte, enviado à cidade de São Luís como Administrador regional.

Em Lisboa, o padre Antônio Vieira voltou a defender a liberdade religiosa, porém, acusado em 1665 de praticar heresias, é condenado à prisão e proibido de pregar pelo Tribunal da Inquisição. Mas, em 1669, depois de demonstrar arrependimento, recebeu o perdão parcial e foi viver em Roma. Devido à influência do príncipe-regente Pedro II (16481706) de Portugal, readquiriu o direito de pregar tornando-se pregador oficial do papa Clemente X (1670-1676), que o anistiou em 1675. Retornou definitivamente ao Brasil em 1681, onde se dedicou a ordenar seus Sermões. De 1688 a 1692 foi Visitador-geral do Brasil. Faleceu em Salvador aos 89 anos de idade. Deixou mais de 200 sermões e 700 cartas.

O jesuíta Antônio Vieira, além de mentor intelectual da missão jesuítica criada em 1683 no Médio rio Madeira, que deu origem à cidade de Itacoatiara, foi responsável pela gênese do grande projeto regulado pelo Regimento das Missões (1686-1757). O Regimento fez crescer o poder das ordens religiosas, que passaram a ter não só importância no trabalho espiritual, mas também no político e temporal, das aldeias ou missões sob sua administração. Os missionários, portanto, passaram a funcionar como centro e articuladores de todas as atividades nas missões, e como intermediários entre estas e o sistema colonial.

*Quarto Capítulo do livro As Pedras do Rosario do Autor.

Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir. https://www.franciscogomesdasilva.com.br/bibliografias/

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