Este 2025, faz pouco iniciado, deve ser festejado, dentre outras razões para a Literatura Brasileira, devido ao centenário da obra “A Escrava que não é Isaura (Discurso, sobre algumas tendências da poesia modernista)”, editado em 1925, tendo como depositários a Livraria Lealdade, de São Paulo, situada na Rua Boa Vista, n. 62, cujo exemplar inaugural, mesmo em bons livreiros e sebos da atualidade, é edição quase sempre posta em leilão e de custo considerável.
Objeto natural de estudos acadêmicos em monografias, dissertações e teses, tratando do autor de “Mestres do passado” e “O prefácio interessantíssimo”, ele que responde por inúmeras e importantes contribuições à nossa literatura, ao folclore, à música, à pesquisa histórica, e que sempre esteve atento a explorar, conhecer e difundir temas brasileiros. Escrita em 1922, a obra refletia todo o clima que explodia naquele ano com o Movimento Modernista do qual Mário de Andrade é representativo por excelência e, neste caso, teorizando a poesia modernista o que está explícito no subtítulo original que poderia ser “uma fotografia de 1922 da poesia modernista” ou de introdução a essa poesia.
Trata-se de obra que provocou e feriu os padrões literários até então consagrados, resultado da proposta de trazer o poeta ao mundo dos comuns, da realidade local, do cotidiano, fugindo ao modelo romântico. Dava-se, então, o que alguns pesquisadores consideram como a busca por afirmar a liberdade criativa, na qual tudo é poético, verdadeiramente poético, perdendo razão ao preconceito formal para que a rima fosse leve e o verso fluísse, o que se estendia às artes em geral ao lado de profundas pesquisas sobre as coisas mais brasileiras, e dos brasis mais encravados.
Há quem entenda ser, esse livro, uma “espécie de manifesto que em sua globalidade é um texto “mais sério” do que o Prefácio Interessantíssimo”, aproximando-se mais de um ensaio, constituído por uma parábola, primeira parte, segunda parte e posfácio, todo ele oferecido a Oswald de Andrade, figura de projeção e da mesma época.
O título dado por Mário de Andrade é clara alusão à obra de Bernardo Guimarães, romance de 1875, que projetou o seu autor e o tornou conhecido nos grupos literários mais amplos e até do imperador Dom Pedro II, e na qual Guimarães trata das desventuras de Isaura, uma escrava branca e educada, de caráter nobre, mas vítima de um senhor devasso.
Se considerarmos a opinião de Masé Lemos, da UERJ, esse poeta modernista andava procurando “um novo lirismo, enquanto concepção de poesia, à procura de construir uma “máquina de comover”, ou o que poderia ser chamado até mesmo de lirismo crítico.
Foi esse Mário de Andrade que esteve em Manaus compondo importante comitiva de personalidades paulistas, precisamente visando conhecer o Brasil profundo, distante dos grandes centros, e que se encantou mais com Belém do Pará do que com a Manaus que viveu e conheceu de raspão, indo almoçar no Bosque Tarumã que havia sido obra de Araújo Lima e a todos encantava, encontrando-se com poucos escritores e sendo bafejado pelos ventos amazônicos, quando ele viu de perto o que chamou de “mundo de águas”, em êxtase que chegou a confessar em missiva ao amigo Manuel Bandeira em junho de 1927 quando aqui andou e se encontra detalhado, ao modo do autor, em “O turista aprendiz”.
Seria de bom-tom que esse título fosse mais bem estudado e o centenário da sua primeira fornada servisse para debates sobre a obra desse expressivo autor brasileiro.
Views: 4