Desde muito cedo, sei lá com quantos anos de idade, fui acostumado a boas leituras, e, pouco depois, a cascavilhar os livros de Eça de Queiroz com os quais, algumas vezes, confesso, fiquei fazendo pose com eles nas mãos enquanto passeava pela Praça do Congresso, minutos antes de adentrar ao prédio do Instituto de Educação do Amazonas para devolvê-los a dona Baby Figueredo, que era a bibliotecária do Instituto e filha do grande Huascar de Figueredo.
Um dos tratados que cuida do grande escritor português deixou-me as melhores impressões e marcou certa fase em que estive dedicado às primeiras pesquisas mais profundas sobre História do Brasil e a nossa independência política: “Eça e o Brasil”, de autoria de Arnaldo Faro. Dia desses o retirei da prateleira da biblioteca e fui revirando página por página, pensando nas muitas “farpas” que andaram dominando as páginas de jornais mais antigos e marcaram as relações políticas e literárias de Eça com o Brasil de um tempo distante do nosso.
Logo ele, cujo avô foi ouvidor no Brasil, um dos encargos de magistratura da época mais antiga, exercendo a função em tempo preciso dos rumores e lutas intestinas pela independência. Trata-se de Joaquim José de Queiroz, aveirense de 1774, e que aos 42 anos veio para a Província do Brasil, sediando-se no Rio de Janeiro na condição de 32.º empossado, em abril de 1818, tal como foi revelado por Pedro Calmon. Era dele a responsabilidade de realizar o Censo populacional, e foi em 1821 que o fez – ano crucial pelas Cortes Portuguesas e a Revolução do Porto – e em que nasceu aquele que viria a ser o pai de Eça de Queiroz, respirando ares da baía de Guanabara.
Os maiores problemas entre escritores portugueses e brasileiros deram-se nos fins dos anos 1800, exatamente em relação à propriedade literária assim como no que dizia respeito a direitos autorais, e foram muitos os envolvidos. Da parte do Brasil, Machado de Assis e o historiador Pereira da Silva. É que a legislação brasileira reconhecia a propriedade literária dos brasileiros, mas não protegia a criação dos estrangeiros, nem mesmo a dos portugueses.
Tudo corria neste clima quando em maio de 1871 surgiu o primeiro número de “Farpas” servindo como um estopim de denúncias e críticas pesadas lançadas em Portugal. A edição esgotou rapidamente, assim como sucedeu com as seguidas publicações. Reproduzidas no Brasil pelo jornal “A República”, no Rio e no Recife, e isso gerou grande contestação porque faltaria autorização dos autores para tanto. Ou seja, fizeram edição brasileira não autorizada, para não dizer clandestina ou criminosa.
Quem quiser saber mais, e em detalhes, dessa luta hercúlea entre escritores em defesa de direitos e autoria, seja de brasileiros ou portugueses, envolvendo Eça e os seus e Machado e os nossos, basta ler “Eça de Queiroz, agitador no Brasil”, de autoria de Paulo Cavalcanti, livro que venceu prêmios da Academia Pernambucana e da Academia Brasileira de Letras.
Nas “Farpas”, não sobrava ninguém, nem mesmo o imperador dom Pedro II, e foram publicadas no Recife com o subtítulo de “crônica mensal da política, das letras e do costume”, sob protestos de toda a ordem e debaixo do conceito de aproveitamento da produção alheia, coisa que se confirmou com o tempo e em razão das discussões que foram travadas a respeito, as quais deram origem aos “Farpões ou os bandarilheiros de Portugal – Resposta cabal aos srs. Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, autores das “Farpas” ou Fastos da peregrinação de S. M. o imperador do Brasil pelo Reino de Portugal”, da lavra de José Soares Pinto Corrêa.
Para os que se deleitam com a boa escrita e correta aplicação da Língua Portuguesa, vale muito a pena ler e reler “Farpas” e “Farpões” e, quem sabe, pensar no que diriam seus autores nos dias correntes diante de tantas futilidades e obséquios literários.
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