*Duda Teixeira
Macron e Trudeau representam uma nova estirpe de políticos: a de líderes “que encantam pelo aspecto bonito e gracioso” e por defender as boas causas do momento. Ambos preencheram metade das vagas ministeriais com mulheres.
Mal assumiu o poder, o presidente francês Emmanuel Macron tornou-se repositório das esperanças de parte da elite intelectual mundial, preocupada com o avanço dos “ismos”: nacionalismo, populismo e terrorismo. Na semana passada, em sua primeira entrevista desde que tomou posse, em maio, Macron colocou-se como aquele que vai ressuscitar a Europa e seus valores históricos. “Quando observamos o mundo hoje, o que vemos? O auge das democracias não liberais e dos extremismos na Europa, o ressurgimento de líderes autoritários que questionam a vitalidade democrática e os Estados Unidos retirando-se de parte do mundo”, disse a oito jornalistas europeus nos jardins do Palácio Eliseu, em Paris.
Na coletiva, Macron mostrou-se a favor da União Europeia, preocupado com o aumento das desigualdades e disposto a convencer o presidente Donald Trump a retomar para o Acordo de Paris, sobre o clima. Sem as dubiedades que o exercício do poder costuma trazer, falou com segurança e defendeu as boas causas do momento. Pela sua juventude (ele tem 39 anos), pela habilidade com que se projeta nas redes sociais e pelas posições sempre corretas, Macron se junta assim ao primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, que também nasceu na década de 70. “Ambos representam uma nova classe de políticos mais jovens, ousados e versáteis, em oposição aos mais velhos que estão no centro da crise de liderança que o mundo atravessa”, diz o cientista político Ferry de Kerckhove, da Universidade de Ottawa, no Canadá.
No encontro do G7, os sete países mais ricos do mundo, na ilha italiana da Sicília, em maio, Macron e Trudeau logo travaram amizade. O vídeo em que os dois conversam enquanto caminham em um mirante florido, de ternos bem cortados, seguidos por cinco seguranças, foi postado no Facebook de Macron e recebeu quase 2 milhões de curtidas. Trudeau, em seus perfis na internet, não fica atrás. Desde que entrou no Twitter, em março de 2008, o canadense acumulou mais de 3 milhões de seguidores. Ele posta fotos de aniversário dos filhos, faz piada do próprio cabelo e defende os povos indígenas do Canadá (tem uma tatuagem de uma águia no ombro). Macron é mais discreto com sua vida pessoal e não expõe a família, mas não deixa de publicar fotos em que visita escolas de culinária, aprecia obras de arte em museus e abraça idosos. “Eles são bons em usar as mídias digitais e sabem cultivar a própria imagem”, diz o historiador Paul Cohen, da Universidade de Toronto e especialista em França.
Os dois também se dizem feministas e preencheram metade de seus gabinetes ministeriais com mulheres. Trudeau quer que quase todos os 3,9 bilhões de dólares por ano que o Canadá manda para o exterior em ajuda humanitária sejam dedicados a promover a igualdade de gênero. Na França, o partido de Macron, República em Marcha, preencheu metade da lista de candidatos às eleições legislativas, cujo segundo turno ocorreu no domingo 18, com mulheres. Dos que efetivamente foram eleitos para o novo Congresso, elas terão 47% das cadeiras do partido. A medida, porém, não é tão inovadora como parece. Em 2000, a França aprovou uma lei de paridade, que exige que os partidos apresentem listas de candidatos com 50% de mulheres. Macron e Trudeau são, portanto, os exemplares mais bem-acabados de uma nova estirpe de políticos: a de líderes “fofos”, gíria brasileira que no Dicionário Houaiss é definida como “que encanta pelo aspecto bonito e gracioso”. No poder, isso significa ser boa-pinta e politicamente correto.
Os dois são também diplomaticamente corretos, pois valorizam os blocos regionais que seus países integram.
Trudeau é pró-Nafta, o acordo de livre-comércio com os EUA e o México que recebe ataques de Trump. Macron é a favor da integração europeia e tem mantido boas relações com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. O francês e a alemã estão à frente das negociações para definir os termos do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. Após perder a maioria nas eleições parlamentares, a premiê britânica Theresa May deixou de lado a defesa de um Brexit radical. Ao discursar na abertura do novo Parlamento, a rainha Elizabeth II apareceu com um chapéu parecido com a bandeira da UE, o que foi visto como uma homenagem sutil ao bloco, pois ela não pode se manifestar politicamente. Macron, porém, entende que o divórcio com o Rei- no Unido é inexorável e que deve ser decidido pela UE de forma pragmática.
Mas quem olhar além dos ternos justos, das fotos na internet e da imagem de campeões das boas causas notará que Macron e Trudeau enfrentam situações bem distintas, sobretudo na economia. Macron herdou um país com baixo crescimento, desemprego em 10% e alto déficit público. Seu receituário para desempacar a França é o clássico liberal: inclui uma redução do funcionalismo público sem grandes demissões, flexibilização das regulações trabalhistas e diminuição dos impostos pagos pelas corporações. A situação do Canadá é quase oposta. A economia do país cresce com firmeza, o que no futuro deve diluir os déficits. Trudeau pode dar-se ao luxo de aumentar os investimentos em infraestrutura para, assim, vitaminar ainda mais a economia. “A economia canadense é mais aberta que a francesa e nosso mercado de trabalho é mais flexível. Nós não temos um desemprego crônico entre jovens na mesma escala que a Europa, e a redistribuição de renda é bem eficiente”, diz o cientista político Richard Johnston, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Ambos também caem em suas próprias contradições. Trudeau fala em conter o aquecimento global, mas nunca questionou os interesses da indústria do petróleo e em novembro do ano passado aprovou a construção de dois oleodutos. O país que ele governa, é um dos grandes exportadores de combustível fóssil e tem reservas maiores que as do Iraque. Macron foi eleito com muitos votos de franceses que repudiavam sua rival da direita radical, Marine Le Pen, da Frente Nacional, que tem aversão aos imigrantes, Na entrevista no Eliseu, Macron defendeu pontos mais próximos de Marine Le Pen do que de seu partido. Disse que é preciso ser mais eficaz diante das grandes migrações reformando o sistema de proteção das fronteiras, a política migratória e o direito de asilo. Também argumentou contra os desequilíbrios dentro da Europa. “Corno posso explicar para as classes médias francesas que as empresas fecham as portas na França para ir para a Polônia porque é mais barato e que na França nossas empresas de construção contratam polacos porque o salário deles é menor?”, perguntou o presidente, já um pouco menos fofo do que antes.
*Jornalista. Matéria em parceria com Luiza Queiroz, na Revista Veja, Edição nº 2536 de 28/06/2017.
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