Manaus, 21 de novembro de 2024

Histórias esquecidas

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A praça dos Remédios

A devoção por Nossa Senhora dos Remédios foi iniciada, em Portugal, pelos religiosos franceses da Ordem Hospitalar da Santíssima Trindade, que passaram para Lisboa, no início do século XIII.

Buscava o resgate dos cativos em terra estranha, uma das misericórdias então vigentes, pelo grande número de prisioneiros cristãos entre os maometanos. Até o século XVIII já haviam libertado mais de 900.000 deles, no Médio Oriente e no Norte da África.

Os irmãos da Santíssima Trindade trouxeram para o Brasil a mesma devoção, erguendo capelas em sua honra em várias províncias do Nordeste e nas regiões barrocas de Minas Gerais. No entanto, os santuários mais famosos foram o de Paraty, com a primitiva igreja de Nossa Senhora dos Remédios construída, em 1646, o de São Paulo, um refúgio de escravos, durante o Império, demolida, em 1941, para o alargamento de uma praça, e a única igreja existente na ilha de Fernando de Noronha, construída, em 1737, próxima à sede do governo da Vila dos Remédios, sob a proteção, hoje simbólica, do forte do mesmo nome.

Os primeiros dados sobre a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Manaus, datam do começo do século XIX. Em 1804, foi nomeado para dirigir a Capitania do Rio Negro o coronel de engenheiros José Simões de Carvalho, falecido na subida do rio Amazonas, vítima de uma disenteria causada pela ingestão de ovos de gaivota. Foi substituído pelo capitão de fragata José Joaquim Vitório da Costa, ainda naquele ano, que se mudou para Barcelos, em 1807. A 29 de março de 1808, transferiu-se, com toda a administração, para o Lugar da Barra, mandando antes o seu genro Francisco Ricardo Zany destruir as construções públicas de Barcelos, sendo poupados apenas o palácio, a igreja e a provedoria. Governou a Capitania até 1818, quando foi nomeado o coronel Manuel Joaquim do Paço, que monopolizou para si o comércio das drogas do sertão. Pediu a Dom João VI a criação de um governo autônomo para o Rio Negro e iniciou a construção da igreja dos Remédios, chegando a levantar a sua torre, inacabada por muitos anos. Foi deposto pela Revolução do Porto, por não ter jurado a Constituição. Esses são os primeiros dados históricos da nossa igreja.

Em 1853, o presidente Ferreira Pena mandou fechar o cemitério da igreja da Matriz, recentemente incendiada, e determinou a limpeza do cemitério dos Remédios, cujo cruzeiro ficava na Rua da Cruz (Leovigildo Coelho), em frente da Loja Maçônica Amazonas, diz a tradição. Os enterros continuaram a ser feitos ali entre 1854 e 1856, quando foi aberto o novo Cemitério de São José.

Quando a Província foi instalada, em 1852, a igreja dos Remédios tornara-se Matriz, pois a igreja de Nossa Senhora da Conceição sofrera um incêndio, com a destruição total, e a futura levaria numerosos anos, até 1877, para ser concluída.

A paróquia dos Remédios foi criada, em 1873, funcionando como uma zona eleitoral, em 1883, tendo 193 eleitores inscritos, em decorrência da reforma de 1881, estabelecendo o voto direto, em substituição ao distrital.

Aliás, o Estado Imperial Brasileiro utilizava a estrutura da Igreja Católica, então religião oficial, como base para o sistema eleitoral, embora desde a década anterior houvesse um atrito entre a Igreja e o Império, que também aqui teve os seus reflexos, na negativa de sagrar a Matriz recém-construída, pelo seu pároco, e na truculência do padre Raimundo Amâncio de Miranda.

A questão da Matriz será vista no momento oportuno, cabendo-nos aqui relatar o episódio relativo ao padre Amâncio.

Apaziguando os atritos entre as autoridades brasileiras civis e religiosas, a Província foi visitada, em 1878, pelo bispo do Pará Dom Antonio Macedo da Costa, que em viagem de desobriga visitou a Colônia Maracaju, de colonos nordestinos e os rios Madeira, Purus e Solimões.

Logo após essa visita, o padre Raimundo Amâncio de Miranda, vigário geral e pároco dos Remédios, de espírito altivo e rebelde, um líder do seu rebanho, embora extremista, prendeu um francês e um americano, por não se terem ajoelhado, na passagem do Viático, em procissão, que percorria a Rua dos Andradas.

O caso tomou maiores proporções quando o vigário prestou esclarecimentos insuficientes, sendo informado pelo Presidente da Província Barão de Maracaju, que aquela sua atitude contrariava as leis vigentes.

O Pároco respondeu insolente e desrespeitosamente ao Presidente, tendo a sua côngrua suspensa, sendo proibido de entrar nas escolas e responsabilizado criminalmente.

Na realidade não houvera, por parte dos dois estrangeiros, um judeu e outro protestante, a intenção de desrespeitar a procissão, pois haviam tirado o chapéu, porém o eclesiástico exigira que se ajoelhassem, não sendo atendido.

O padre exorbitara e não aceitara a censura presidencial. O Bispo do Pará reprovou suas atitudes, em uma extensa Carta Pastoral publicada, publicada na íntegra, na Falla de 29 de março de 1879, onde taxou de injustas, irregulares e imprudentes as atitudes do religioso, alertando-o de que o ato de prisão não era do seu ministério.

O padre Amâncio galgaria, na Política, o cargo de vice-presidente da Província, fazendo intensa agitação contra os últimos presidentes titulares. Também foi um cruel perseguidor do Museu Botânico e de seu diretor Barbosa Rodrigues, por ser irreverente como ele, além de maçom.

No início do século XX a arquitetura da igreja seria alterada, com uma nova fachada, e sua torre ganharia as linhas românicas.

A Praça tomou os novos ares da modernidade sendo ocupada por um belo casario residencial, depois comprado pelas famílias sírio-libanesas, que haviam enriquecido com o comércio do interior, vindo morar nesse bairro dos Remédios.

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A praça dos Remédios (1893) e o tanque da nova rede de águas.

A Praça tomou os novos ares da modernidade sendo ocupada por um belo casario residencial, depois comprado pelas famílias sírio-libanesas, que haviam enriquecido com o comércio do interior, vindo morar nesse bairro dos Remédios.

Nela estava a Faculdade de Direito, a única que restou da Universidade Livre de Manaus, fundada, em 1909, a primeira universidade brasileira. Durante muitos anos formou centenas de advogados brilhantes, apesar de ter adquirido o apelido de jaqueira, não condizente com a qualidade do seu ensino.

A Praça dos Remédios sempre foi comprida e estreita, mas diferentemente da de hoje acabava na beira do rio Negro, em um cais de pedra, um dos poucos lugares de acesso direto da cidade àquele rio.

No seu centro está uma imagem de Cristo, com os braços abertos, a ensinar, dizia o povo em geral, o tamanho verdadeiro do metro aos comerciantes de fazendas.

Com o tempo, este acesso ao rio foi fechado, pela construção de uma gigantesca feira e de um pavilhão, hoje uma agência da Secretaria de Fazenda, de cuja sacada um comerciante, em crise de nervos, lançou, certo dia, uma grande quantidade de notas de valores variados.

Pela praça trafegava o bonde dos Remédios, uma linha bem curta, vinha pela Rua Marquês de Santa Cruz, passava pelo Mercado, subia a Praça dos Remédios, descia a Miranda Leão e voltava à Estação. Podemos observá-lo na fotografia reproduzida abaixo, onde vemos a arborização podada da maneira típica daquela época e quase toda constituída de “Fícus benjaminis” praticamente extintos pela praga de um inseto, apelidado de lacerdinha, na década de 1960, mas que veio de Cuba.

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O bonde subindo a ladeira dos Remédios

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