Segundo o pesquisador Geraldo Xavier dos Anjos, as reminiscências do carnaval do passado são recheadas de fatos bastante interessantes.
Segundo alguns estudiosos como a professora Mary Del Priore, Professora de Pós-graduação da USP e autora da obra de Festas e utopias no Brasil Colonial, publicada em São Paulo pela Editora Brasiliense, assim destaca:
[…] Ao longo da Idade Média, os festejos com mascaradas eram mais definidas pelas estações do ano que por datas exatas. Entre Natal e Carnaval, multiplicavam-se as quermesses. O período de matança de porcos, para o preparo de embutidos a consumir na semana gorda, permitia aos jovens tingir o rosto com cinzas, encapuzar-se, vestir com sacos, roupas de mulher ou suas roupas ao avesso. Assim, vestidos, assustavam outras pessoas, entravam em casas, comiam, bebiam e beijavam as moças, que tentavam reconhecê-los. Na Quarta-Feira de Cinzas, um manequim figurando o carnaval fazia sua estrada no vilarejo seguido de um grande cortejo de mascarados. Ao fim do dia, era queimado num muro próximo à igreja, juntamente com as máscaras e, acompanhado de lamentos que anunciavam a chegada da Quaresma.
Em regiões do norte da Espanha, a festa permitia a inversão do papel das mulheres no dia 5 de fevereiro, dedicado a Santa Ágata, elas tomavam o poder em casa e nas ruas, desfilando com danças e cânticos. Na Grécia, a festa se celebrava no dia 8 de janeiro. As mulheres acorriam a casa da mais velhas parteiras, a babo, vestidas com suas mais belas roupas. Embaladas por músicas, confeccionavam um sexo masculino com legumes ou embutidos e, travestidos de homens, iam para as ruas onde perseguiam e maltratavam o sexo oposto. Para terminar, um banquete celebrava as concepções e os partos do novo ano.
Em outras regiões, as mulheres preparavam alimentos cujos restos eram usados numa grande batalha de comida na Quarta-Feira de Cinzas. Os homens, depois de comer exageradamente, imitavam a gestação das mulheres, dando a luz um bebê chorão (um dos membros do grupo). A brincadeira com a gravidez masculina retoma o tema da reprodução. A Festa dos loucos, representada na pintura do Renascimento, invertia a hierarquia clerical, com danças, sermões cômicos, cânticos religiosos com duplo sentido e padres fantasiados de mulheres. Ela desaparece no século XV.
Nas cidades, durante a Idade Moderna, marchavam mascaradas as chamadas “nações” de estudantes, as confrarias e irmandades de artesãos. As cidades multiplicavam a sociabilidade das confrarias, graças às Abadias de alegria que reuniam artesãos e seus aprendizes. Nelas sucediam-se cavalgadas e um rei dos bobos era puxado em seu carro, numa entrada triunfal às avessas.
O modelo ideal se exprime no Carnevale das cidades italianas, onde o jogo entre a mascarada e o teatro refletia a vida de corte. Na Toscana, jovens aristocratas cavalgavam pelas cidades, magnificamente adornados, enquanto em Veneza multiplicavam-se os mascareri, artesãos que amoldavam máscaras de papelão, veludo, couro ou linho encerado. Surgem as figuras do arlequim e do polichinelo. O Carnaval se apropria dos elementos de teatro, tanto que Catarina de Médicis (1519-1589) contratou trupes da commedia dell’arte para animar as comemorações que introduziu na corte francesa.
A partir do século XVIII o uso da bauta-máscara – se torna obrigatório durante as festas e nos lugares públicos. Alguns elementos sobrevivem até hoje: o confetti era feito em Veneza com grãos açucarados, depois substituídos por papel colorido. Já a palavra corso vem da rua do mesmo nome na capital italiana, onde se realizavam as festas públicas.
O Carnaval seguiu os navegadores europeus pelo resto do mundo. Ao longo do tempo, carnavais rurais e urbanos se complementaram. Com duração variável, eles apostaram no papel maior ou menor das máscaras, ligadas à Quaresma ou a ritos agrários, como se vê no México ou nos Andes, no Mardi Gras de Nova Orléans ou no Carnaval das irmandades haitianas, em que as máscaras de vodu se confundem com as do Carnaval. Tempo de inversão, de revolta admitida, o Carnaval conjura os medos e exalta a folia. Desde as suas origens, ele se apresenta como um espaço para a revolta ritualizada, que se faz presente na detração da autoridade, na festa de ponta-cabeça, mas também, e sobretudo, no riso. Riso que ri da morte, riso inseparável da tristeza que começa na Quarta-Feira de Cinzas.
Fonte: Professora Doutora Del Priore Mary. Nossa História. Ano 2, n.º 16. Fevereiro de 2005. Editada com o Conselho de Pesquisa da Biblioteca Nacional.
Avenida Eduardo Ribeiro, 1915. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Segundo o pesquisador Geraldo Xavier dos Anjos, as reminiscências do carnaval do passado são recheadas de fatos bastante interessantes. Tais manifestações do carnaval transcorriam nos principais clubes da cidade e de uma forma mais popular nas ruas de Manaus.
O pesquisador nos revela ainda que na época da Província do Amazonas esses acontecimentos de ruas eram feitos por brincadeiras como o “Entrudo e o Zé-Pereira”, além dos foliões mascarados que invadiam o centro antigo de Manaus, nesta época.
Por sua vez, o entrudo era uma prática proibida, por promover sujeira e imundície. O “Entrudo” foi uma manifestação introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses da Ilha de Açores.
A prática consistia em jogar nas pessoas “água de lama, tinta, lixo e tudo que fosse malcheiroso, até água podre e urina”. Tal comportamento provocou a proibição por meio de uma portaria da Câmara Municipal de Manaus publicada no código De Postura do Município.
O fiscal do primeiro Distrito desta cidade faz publicar a bem dos interesses o seguinte artigo:
Art. 82-É proibido andar-se pelas ruas e lugares públicos e jogar entrudo ou lançar alguma coisa sobre os transeuntes. Pena de dez mil – réis de multa ou três dias de prisão.
1º Permite-se as mascaradas danças carnavalescas de modo que não ofendam a moral e a tranquilidade pública e não contenham alusão às autoridades ou a religião.
2º Pelas ruas, praças e estradas da cidade não transitarão pessoas mascaradas depois do toque da Ave – Maria, Salvo as que tiverem para isso licença da autoridade policial. Os infratores incorreram na multa de cinco mil – réis ou dois dias de prisão.
Manaus, 28 de janeiro de 1874
Pedro Mendes Gonçalves Pinto
Avenida Eduardo Ribeiro, 1913. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Embora sob pena de pesar das multas e prisões, esse procedimento se estendeu até o início do século XX. Por sua vez, “O Zé-Pereira”, também trazido pelos portugueses, acaba por revolucionar o carnaval. Os brincantes transitavam pelas vias públicas tocando bumbas, zabumbas, esse costume perdurou até o ano de 1929.
As fantasias da época eram de palhaços, diabos, papas angus, etc. Por volta de 1855 eram publicados em jornais da época os bailes de máscaras, que aconteciam em residências dos barões da borracha e nos clubes, começa assim a prevalecer o carnaval de salão que eram frequentados por uma classe privilegiada e o de rua que contava com a participação popular.
Geraldo Xavier dos Anjos relata ainda que o comércio dessa época promovia vendas de artigos para a quadra momesca em especial na Rua do Imperador (hoje Marechal Deodoro). Nessa artéria funcionava uma loja denominada “Bazar de Paris”, especializada em artigos para o carnaval. Os jornais da época promoviam anúncios de interesses dos foliões, como por exemplo, a presença de um “Coiffeur” francês que se chamava George Petrus. O estabelecimento atendia seus clientes com os mais modernos penteados que eram moda na Europa.
Em 1889, época do último Carnaval da Província, aconteceu a “Batalha de Confete” na Praça Dom Pedro II. Com a chegada da República e a urbanização da cidade promovida na administração do governador Eduardo Ribeiro (1892-1896). Na principal artéria e a rua da Matriz (hoje Eduardo Ribeiro), o Carnaval toma conotação com o desfile do “Clube dos Coatyz”. Já em 1904, surgiram dois grupos importantes, “Cavalheiros Infernais” e o “Clube dos Terríveis”, que prolongaram sua participação até 1915.
Os Cavalheiros Infernais eram formados por foliões do Clube Internacional, cujas fantasias eram predominadas pela cor vermelha. O “Clube dos Terríveis”, porém, tinha como foliões algumas figuras de maior importância do contexto social da época como: o coronel José Cardoso Ramalho Júnior, o ex-governador Silvério Nery, o próprio governador Constantino Nery e os superintendentes municipais Adolpho Lisboa e Arthur César Moreira de Araújo.
Mocidade fez história no carnaval amazonense
Aqui em Manaus quando os desfiles eram na Avenida Eduardo Ribeiro, me parece que neste período o carnaval era mais popular, que naturalmente ostentava grandes fantasias, algumas com máscaras, a descer e subir Avenida Eduardo Ribeiro proporcionando ao povo que se acotovelava nas calçadas e meio-fio na referida avenida para se divertir e assistir a festa do povo. Tudo começava muito cedo, as 4 horas da tarde, com a famosa batalha de confete.
Os carros da época, de capotas arriadas, com belas jovens a desfilar, jogando serpentinas e confetes na população ali reunidas. Havia uma expectativa da passagem dos carros alegóricos sempre esperado com muita curiosidade pela população presente, protegidas na época pela sombra dos benjaminzeiros, como tratava-se de uma avenida mesclada de comércio e residências algumas famílias sentavam-se a porta para apreciar o carnaval.
Outro destaque ficavam pelos carros alegóricos da fábrica de Cerveja Miranda Correa, destacando a tão famosa XPTO, e outros carros da fábrica de saltos de borracha JG. Araújo que tinha o nome de Coroa, a Fábrica de Guaraná Andrade participava distribuindo o seu delicioso Guaraná, o Luso Sporting Club marcava sua presença, sempre preocupado em superar a União Esportiva Portuguesa, o Atlético Rio Negro trazia suas fantasias o que eram uma festa.
Não podemos esquecer do Nacional Futebol Clube que também promovia um famoso baile infantil de domingo a tarde e naturalmente se fazia presente na Avenida Eduardo Ribeiro. Temos que admitir que na simplicidade daquela época o carnaval era mais divertido e do povo.
É importante destacar que a Mocidade permaneceu desfilando por vinte e cinco anos, tendo a sua primeira vez em 1953, com o tema Branca de Neve e os Sete anões, caracterizado pelo Dr. Luís Cabral, conhecido para os íntimos como Lulu. Todo material utilizado para as confecções das fantasias dos anões, era comprada no Rio de Janeiro. Alguns temas foram destaques durante o longo período, tais como: O Cangaceiro, Ciganos, Lavadeiras, Ai Maria, Donas da Pensão, TV não era, O Circo, Babuínos, Só deve quem compra, Maternidade e outros tantos títulos que deram origem ao carnaval.
Ideal Clube. Família Tadros e família Sabbá. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
O desfile do Corso
Os foliões do passado jamais deixaram de se referir ao Corso quando recordavam os carnavais do seu tempo. E o fazem invariavelmente com um tom de saudade e lamentação “hoje não tem mais o corso”. Em nosso estado este desfiles começaram a acontecer no início do século e foram até anos 30. No ano de 1901, o primeiro carnaval do século XX, teve a participação do corso que foi comandado pelo Club dos Ceatys, numerosos grupos carnavalescos e mascarados avulsos percorriam as principais avenida de nossa cidade desde a tarde de domingo até o anoitecer.
Em 1904 é fundada a Sociedade Carnavalesca “Cavalheiros Infernais” e o Clube dos Terríveis que até 1905 passaram a comandar o Desfile do Corso no carnaval de Manaus. Os Cavalheiros Infernais era composto por um grupo de sócios do Club Internacional, tomaram como cor o Vermelho que era pintado pelo artista plástico Sílvio Centofanti. Para o desfile deste ano o clube organizou um desfile no qual os sócios iriam todos vestidos de cavalheiros e os seus familiares fantasiavam-se a gosto.
A organização da saída do desfile era a seguinte, na frente a bada de música, depois carruagem com as crianças levando o estandarte do clube e em seguida os carros dos demais familiares. Ao lado dos carros iam os sócios fechando desfile com a banda de música.
O Clube dos Terríveis considerado o mais animado era aguardado por todos. Tinha sua sede nos altos do Café dos Terríveis, pouco preferido da boemia elegante de Manaus, ficado na Praça 15 de novembro com a então rua de Demétrio Ribeiro (hoje Visconde de Mauá). Sua meta era comandar o carnaval, ora promovendo as folias de rua como o Entrudo ou Assustado e as batalhas de confete e serpentina ou promovendo bailes públicos. Deste clube faziam parte o Coronel José Cardoso Ramalho Júnior (ex-governador do Estado), o engenheiro Arthur César Moreira de Araújo, o Capitão dos Portos do Amazonas, Capitão de Fragatas Santos Lara e outros.
Para o desfile, os Terríveis contavam com 30 carruagens todas ornamentadas, cada carro com sua denominação. O carro Academia de Letras, por exemplo, era composto por membro desta Casa de Cultura e tinha como objetivo neste desfile distribuir extratos de seus anais para o público.
Este dois clubes e os demais grupos de mascarados seguiram o itinerário: Saiam da Praça de São Sebastião às 16 horas e percorriam as seguintes ruas: Rua de José Clemente, Av. Eduardo Ribeiro, Rua Municipal (atual Sete de Setembro), Praça da República (atual Praça Dom Pedro II), passavam frente ao Palácio do Governo (hoje sede da Prefeitura), Rua Municipal (Av. Eduardo Ribeiro), Rua Marquês de Santa Cruz, (hoje Praça de Adalberto Vale) Rua dos Remédios (atual Miranda Leão), Leovegildo Coelho, dos Andradas, Av. Silverio Nery, Praça São Sebastião, chegando em torno de 21 horas. Estes dois clubes fizeram grandes desfiles até o carnaval de 1915.
No carnaval de 1915 é fundado o Club Paladinos da Galhofa, composto de sócios do Ideal Club. Para o desfile do Corso compunham-se de onze carros, sete alegorias e quatro de críticas. Vinha em frente a guarda de honra, nos dorsos de belos cavalos seguido de carro precursor que apresentava enorme canhão 42, guarnecido por homens outros, dois carros alegorizando a Música, depois o carro japonês e fechando o desfile o carro Chave de Ouro.
João Bosco Fonseca (Arroz) e Antônio Lima de Souza (Mococa). Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Os desfiles do Corso, a partir dessa data, passaram a ser feitos em automóveis de capotas conversíveis, onde as famílias usavam seus carros particulares ou de aluguel, todos desciam e subiam a Av. Eduardo Ribeiro, fantasiados e jogando confetes e serpentinas.
Esta brincadeira sem malícia e sem neurose do trânsito atual, veio a matar no final da década de trinta.
BAZE, Abrahim. Luso Sporting Club – A Sociedade Portuguesa no Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2007.
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