No dia de Todos Os Santos, 1º de novembro de 1755, entre 9,30 e 9,40 horas da manhã, atingindo a magnitude 9, na escala de Richter, um grande terremoto quase destruiu totalmente a cidade de Lisboa, além de atingir o litoral, em grande extensão. Os abalos foram seguidos de um maremoto de mais de 20 metros de altura, com múltiplos incêndios, tendo feito milhares de mortos.
O epicentro, segundo a maior parte dos sismólogos, ficou de 150 a 500 quilômetros da cidade, não sendo conhecido com exatidão, havendo diversos que propuseram locais como o banco de Gorringe. Os abalos duraram de seis minutos a duas horas, conforme o local, abrindo enormes rachadura em todo o solo lisboeta.
Além de Lisboa, todas as cidades do Algarve sofreram destruição, que se estendeu por Fez, Meknés, Safim e Agadir, no Marrocos. Os abalos atravessaram o Atlântico chegando aos Açores, Madeira, Antigua, Martinica, Barbados e à costa americana. De uma população de 275 mil habitantes, em Lisboa, crê-se que de 40 a 90 mil morreram, além de outras 10 mil, no Marrocos. Cerca de 85% das construções de Lisboa foram destruídas, incluindo bibliotecas, palácios, conventos, hospitais e igrejas, sendo a maior parte pelo fogo das velas, lareiras e ataques de saqueadores. No Palácio Real situado à beira do rio foram perdidos os 70.000 volumes da sua Biblioteca e pinturas de autores como Rubens, Ticiano e Correggio.
A família real escapou ilesa à catástrofe. Após assistirem missa foram para Santa Maria de Belém. Graças a esse terremoto, D. José I adquiriu claustrofobia, vivendo o resto da sua vida em luxuosas tendas, na chamada Real Barraca do Alto da Ajuda, em Lisboa.
Também o Marquês de Pombal salvou-se e como Secretário de Estado dos Negócios do Estrangeiro e da Guerra agiu rapidamente, tornando-se a figura política proeminente do pós terremoto.
Perguntado pelo rei sobre o que fazer naquele momento de espanto e de dor, respondeu-lhe pragmaticamente: enterrar os mortos e cuidar dos vivos. O Exército ocupou Lisboa contendo as desordens e os saques, grupos de bombeiros apagaram os incêndios, milhares de cadáveres foram enterrados e os entulhos dos prédios derrubados, devidamente retirados. Em menos de um ano a capital estava limpa e a reconstrução começara.
O Terremoto e o Maremoto de Lisboa
Os planos arquitetônicos e do novo traçado de Lisboa ficaram a cargo do arquiteto Eugênio dos Santos e dos engenheiros Manuel da Maia e Carlos Mardel, maçons. Sendo Pombal inquirido sobre aquelas grandes praças e largas avenidas, respondeu: um dia hão de achá-las estreitas…
Assim nasceu a nova Lisboa Pombalina, com o seu urbanismo causando admiração ao mundo inteiro. Ruas largas, com um traçado geométrico e passeios calcetados. Casas construídas todas da mesma altura, com quatro ou cinco pisos, fachadas padronizadas, alicerces para resistir aos possíveis novos sismos, assentadas sobre estacas de madeira, e, entre os edifícios, muros corta-fogos, para evitar a propagação das chamas. Construiu-se uma rede geral de esgotos, acabando com o velho hábito de jogar despejos e líquidos fecais, pelas janelas, acompanhados pelo grito de água vai.
Baixada Pombalina
Rua Augusta
No terreiro do Paço surgiu a Praça do Comércio, homenagem que o Marquês de Pombal quis fazer aos comerciantes que, com o seu dinheiro, ajudaram a reconstruir Lisboa.
Acontecendo em uma nação católica, que espalhara a Fé, o terremoto de Lisboa abalou não só a cidade, mas todo o Mundo. Como a capital de um país com uma grande tradição de evangelização tinha sofrido tal castigo? Isto levantou problemas religiososem toda Europa, pois para muitos fora uma manifestação da cólera divina de difícil explicação, que o Marques contestou por métodos científicos.
O novo centro, hoje conhecido por Baixa Pombalina, é uma das zonas nobres da cidade. Ali estão os primeiros edifícios do mundo construídos com proteção anti-sísmica. Esse centro era uma antiga área de porto, mercado, salga de peixe e de produção de garum ou liquamen, uma pasta muito usada, na Antiguidade romana, feita de sangue, vísceras e outras partes do atum ou da cala, misturadas com peixes pequenos, crustáceos e moluscos esmagados, deixados ao sol e em salmoura por dois meses, ou aquecidos artificialmente. Este produto era exportado para várias partes do Mediterrâneo. Há notícias de exportação de garum para Atenas, no século V AC. A existência de numerosos vestígios de fábricas detetados no litoral mediterrânico da península Ibérica, provam um nítido crescimento desta indústria de conservas. Em Roma, foi um produto de luxo.
Na política, o terremoto foi também devastador, resultando no fortalecimento do Absolutismo esclarecido. O ministro Marquês do Pombal embora apoiado pelo rei, não era querido pela nobresa, que com ele competia, levando-a a um total descontentamento, às confabulações e inconfidências, até à tentativa de regicídio, da qual os jesuítas participaram.
DOM JOSÉ I DE PORTUGAL
Seu nome completo foi José Francisco Antonio Inácio Norberto Agostinho de Bragança nascido, a 6 de junho de 1714, rei, em 1750, e falecido, a 24 de fevereiro de 1777.
Dom José I – Retrato de Miguel Antonio do Amaral
O reinado de José I caracterizou-se pela ação do seu primeiro-ministro o Marquês de Pombal, que deu novas diretrizes para o povo português, vencendo a estagnação e modernizando o país.
A 1º de Novembro de 1755, a família real sobreviveu ao grande terremoto, por estar passeando, em Belém. A partir dessa data, o rei passou a residir nas tendas do Alto da Ajuda, com medo de um novo cataclisma.
Também foi o objeto de uma tentativa de assassinato, a 3 de Setembro de 1758, em cuja trama estavam envolvidos os jesuítas e a alta nobresa, no caso os marqueses de Távora, o duque de Aveiro e seus familiares.
Quando assumiu o reinado o país estava defasado em suas estruturas administrativas, jurídicas, políticas e econômicas, oriundas do fim do reinado de D. João V.
Entre os seus ministros, começaram a se destacar, na primeira fase do seu reinado: Diogo de Mendonça, Corte Real, Pedro da Mota e Silva e Sebastião José de Carvalho e Melo, que passaram a ser as personalidades em evidência, acompanhando nesses cinco primeiros anos a consolidação do poder central.
De 1756 a 1764, a segunda fase, caracterizou-se pela guerra com a Espanha e a França, pelo esmagamento da oposição interna, a expulsão dos Jesuítas, a reforma da Inquisição, a execução de alguns nobres acusados de atentarem contra a vida do rei, e pela criação de grandes companhias monopolistas, como a do Grão-Pará.
Uma terceira fase, até 1772, foi marcada por uma grande crise económica e, até o final do reinado, assistiu-se à política de fomento industrial e ultramarino e à queda economica das companhias monopolistas brasileiras.
Todo o seu reinado foi caracterizado pela formação de instituições atuantes no campo econômico e educativo, adaptando o País às grandes transformações que se iam operando, no Mundo. Fundou a Real Junta do Comércio, o Erário Régio, a Real Mesa Censória; reformou o ensino superior, criou o ensino secundário (Colégio dos Nobres, Aula do Comércio) e o primário (mestres régios); reorganizou o exército. Na política externa, conservou a política de neutralidade adotada por seu pai, mas cortou relações com a a Santa Sé, por dez anos.
Está enterrado no Panteão dos Braganças, em São Vicente de Fora, em Lisboa.
SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO
Primeiro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, nasceu em Lisboa, a 13 de maio de 1699 e faleceu em Pombal, a 8 de maio de 1782.
Foi Secretário de Estado do Reino, o equivalente a primeiro ministro de Dom José I, por 27 anos, de 1750 a 1777, sendo uma das mais controversas, discutidas, temidas, admiradas e importantes personalidades da História de Portugal. Simbolisou o despotismo esclarecido, em Portugal, tentando modernizar o país. Iniciou com esse intuito várias reformas administrativas, econômicas e sociais. Acabou com os autos de fé em Portugal e com a discriminação contra os cristãos novos, apesar de não ter extinguido oficialmente a Inquisição portuguesa, em vigor até 1821. Expulsou os jesuítas de Portugal e de suas colônias.
O Marquês de Pombal e a reconstrução de Lisboa Louis-Michel Van Looo e Claude-Joseph Vernet
Teve a sua administração marcada por dois eventos: o do Terremoto de 1755, apos o qual reconstruiu Lisboa, e o massacre dos Távoras.
Filho de Manuel de Carvalho e Ataíde, fidalgo da província, com propriedade na região de Leiria, e de sua mulher Teresa Luísa de Mendonça e Melo, descendente de fidalgos estabelecidos no Brasil, estudou Direito, na Universidade de Coimbra, e serviu noexército por um curto período. A sua primeira mulher foi Teresa de Mendonça e Almada (1689-1737), sobrinha do conde de Arcos, com quem casou por arranjo da família, depois de um rapto consentido.
Em 1738, já viúvo, foi nomeado para o seu primeiro cargo público, o de embaixador, em Londres, e depois, em 1745, em Viena, com a filha do marechal austríaco Daun, a Condessa Maria Leonor Ernestina Daun. Alí teria aderido à Maçonaria, o que não seria verdadeiro, pois a primeira Loja maçônica de Viena, mas precisamente à Drei Kanonem, fora aberta, em 1742, e, após uns seis meses de funcionamento, apesar de ser dirigida pelo futuro imperador Francisco I, foi fechada por sua esposa. Maria Tereza. O Império Austro-Húngaro era católico e obedecera a bula In Eminenti, o que não impediria a abertura de numerosas lojas, em Viena, a partir de 1745, dai se acreditar que tenha sido em outra Loja, ainda não definida, a sua iniciação.
O rei D. João V mandou-o regressar a Portugal, em 1749. No ano seguinte, por morte do rei e por indicação da rainha-mãe, foi nomeado ministro das Relações Exteriores do primeiro gabinete do rei Dom José I.
Em 1755, Sebastião de Melo, já como primeiro-ministro do reino, governava autoritariamente legislando sobre assuntos diversos. Impressionado com o progresso e o sucesso econômico inglês, procurou adotar as mesmas medidas usadas por aquele país.
Pela primeira vez foi demarcada a melhor região de produção de vinho do Porto, para assegurar a procedência e a qualidade do produto. Aboliu também a escravatura, na Índia portuguesa, reorganizou o exército e a marinha, e reestruturou a Univesidade de Coimbra, dando o seu acesso aos cristãos-novos, até então discriminados.
Suas mais importantes atuações foram na economia e nas finanças, com a criação de companhias e associações corporativas, que regulavam a atividade comercial, assim como a reforma do sistema fiscal.
Embora reformasse e racionalizasse a administração, reforçou o poder real, adotando idéias iluministas, mas manteve o absolutismo e o mercantilismo econômico.
De destaque foi a sua rápida ação após o terremoto. Cuidou dos vivos e enterrou os mortos. Reconstruiu a cidade de Lisboa em bases modernas, sendo redesenhada por arquitetos e ajudou a iniciar a ciência da Sismologia. Com o terremoto os seus poderes aumentaram, na mesma proporção do ódio de seus inimigos. Em 1758, abafou brutalmente a tentativa de regicídio combinada entre a alta nobresa e os jesuítas, sendo esses expulsos do reino, a 3 de setembro de 1759, e aqueles executados, após julgamentos sumários.
A rainha Dona Maria I, a Louca, filha de Dom José, não admirava Pombal. Ao assumir o trono determinou que o marquês deveria estar sempre a uma distancia de 20 milhas dela, porém não lhe deu a pena de morte, que muitos desejavam. Morreu, a 15 de maio de 1782, tendo vivido os seus últimos dias em seu palácio de Pombal e na quinta da Gamela, propriedade herdada de seu tio o arcipreste Paulo de Carvalho e Ataíde. Está enterrado na Igreja das Mercês, à rua Formosa, em Lisboa.
O seu epitáfio foi proibido de ser registrado na sua sepultura e era o seguinte o seu teor: Aqui jaz Sebastião José de Carvalho e Melllo, Marquês de Pombal, Ministro e Secretário de D. José I, rei de Portugal, o qual reedificou Lisboa. Animou a Agricultura. Estabeleceu Fábricas. Restaurou as Ciências. Restabeleceu as Leis. Reprimiu o Vício. Recompensou a Virtude. Desmascarou a Hipocrisia. Desterrou o Fanatismo.Regulou o Tesouro Real. Fez respeitada a Soberana Autoridade.Cheio de Glória. Coroado de Louros. Oprimido pela calúnia. Louvado pelas nações estrangeiras. Sublime em projetos.Grande na Prosperidade. Superior na Adversidade. Como Filósofo, como herói, como Cristão, passou à Eternidade, no ano de 1782, aos 83 de sua idade.
Sebastião de Melo fez reformas efetivas nas estruturas sociais e econômicas do seu país. Buscou aumentar a produção nacional, desenvolver o comércio com as colônias e estabeleceu indústrias. Impôs alguns monopólios como a Companhia de Comércio da Ásia Portuguesa (1753), a Companhia para a Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756). à qual concedeu isenção de impostos, no comércio e nas exportações, estabelecendo a primeira região demarcada de produção vinícola, no mundo, aCompanhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve (1773), destinada a controlar a pesca no Algarve. Ao mesmo tempo criou leis incentivando a instalação de indústrias voltadas ao consumo local. Fundou o Banco Real (1751) e estabeleceu uma nova estrutura, para administrar a cobrança dos impostos, centralizada na Real Fazenda.
A ação reformadora de Pombal estendeu-se ao âmbito da política religiosa, com o fortalecimento do absolutismo régio e o combate às instituições que poderiam enfraquecê-lo. Assim, 3 de setembro de 1759, os jesuítas foram expulsos de Portugal, sendo os seus bens confiscados, pois agiam autonomamente dentro do território português. O Tribunal do Santo Ofício foi subordinado ao Estado, a partir de 1º de outubro de 1774, quando os seus vereditos passaram a depender da sanção real; o que implicava na suspensão dos autos de Fé, em Portugal. A 25 de maio de 1773, extinguiu a legislação que estabelecia diferenças entre cristãos-novos e cristãos-velhos, em que os discriminadores receberiam chibatadas e a condenação de exilio para Angola, além da perda de títulos, pensões e condecoraçõs, com a deportação inclusive dos padres que fizessem essa discriminação.
A educação em Portugal, que fora dominada pelos jesuítas e outras ordens, pela reforma de 1759, perderam essa prevalência. Foi criado o cargo de Diretor Geral dos Estudos, que tinha a função vigiar o progresso dos estudos e elaborar um relatório anual sobre a situação do ensino. A censura esteve em ação com a destruição e proibição de livros de autores como Diderot, Rousseau, Voltaire, La Fontaine, considerados contrários à religião, à moral e ofensivos a paz pública. O mesmo aconteceu ao ensino superior, passando do controle da Igreja, para o do Estado e modernizado A Universidade de Évora, pertencente aos jesuítas, foi extinta, e a Universidade de Coimbra sofreu profunda reforma, atualizando-se.
Pombal mostrou grande interesse pela Amazônia, embora a sua visão fosse a de que as colônias deveriam criar recursos, para a Metrópole. O regime do monopólio comercial continuou . Em 1755 e 1759, foram criadas respectivamente a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba, empresas monopolistas destinadas a dinamizar as atividades econômicas, no Norte e Nordeste do Brasil. Em Minas Gerais, instituiu a derrama, em 1765, com a finalidade de obrigar os mineradores a pagarem os impostos atrasados.
As maiores alterações, porém, ocorreram na esfera político-administrativa e na educação. Em 1759, o regime de capitanias hereditárias foi definitivamente extinto, com a sua incorporação aos domínios da Coroa portuguesa. Em 1763, a sede do governo-geral da colônia foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, cujo crescimento sinalizava o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para a região Centro-Sul do Brasil.
Por outro lado criou, em 1751, o Estado do Grão Pará e Maranhão, depois dividido em dois novos: o do Grão Pará e Rio Negro, com a capital em Belém, e Maranhão e Piaui, com a sede em São Luís, em 1772, pela dificuldade de se administrar essas duas regiões a partir do Rio de Janeiro.
Com a expulsão dos jesuítas do império português, o Marquês determinou que a educação, nas colônias, fosse efetuada por leigos, nas chamadas Aulas Régias. Até então, o ensino formal estivera a cargo da Igreja.
O ministro regulamentou ainda o funcionamento das missões, afastando os padres de sua administração, e criou, em 1757, o Diretório, órgão composto por homens de confiança do governo, cuja função era gerir os antigos aldeamentos indígenas da Amazônia. Complementando essas medidas, o Marquês procurou dar maior uniformidade cultural à colônia, proibindo a utilização do nheengatu ou língua geral, tornando obrigatório o uso do idioma português. Alguns estudiosos da história afirmam que por essa medida que o Brasil deixou o rumo de ser um país indígena.
A TENTATIVA DE REGICÍDIO
Certo dia de setembro, em Lisboa, no ano de 1758, deu-se um atentado assombroso e raro. D. José I, o rei de Portugal, vindo de um encontro amoroso clandestino, sofrera um ataque a tiros, que o deixara ferido.
Embora sem muita gravidade, o incidente foi usado, pelo marquês de Pombal, como pretexto para desencadear uma implacável perseguição contra os inimigos principais do seu governo: a alta aristocracia e os jesuítas.
Ao visitar a amante, a bela Teresa de Távora, o rei D. José I tomava certas precauções. Para evitar desconfianças, pois ia aos encontros recorrendo à caleche do fâmulo Pedro Teixeira, que lhe servia de confidente, pois o rei era casado e com filhos, e a amante também, pertencente à orgulhosa família dos Távora, gente de sangue azul, distintíssima em Portugal.
Todos sabiam do caso, tanto na corte, como entre o povo, mas fingiam desconhecimento total.
Tudo ia bem para o rei Dom José I, quando, na madrugada do dia 3 de setembro de 1758, vindo ele e seu boleeiro da visita noturna habitual à marquesa, já de retorno ao palácio, aproveitando-se da escuridão e das ruas vazias de uma Lisboa ainda não recuperada do terremoto, foram emboscados por três homens a cavalo. Um deles disparou a pistola bem de perto, quase que da janela do coche. Pedro escapou ileso, mas a bala atingiu o soberano. Sangrando, o rei foi conduzido a um cirurgião de confiança. Ninguém queria nem D. José, nem os seus amigos próximos, que no Palácio Real soubessem do que ocorrera. Afinal não era muito honroso para um soberano ser baleado em plena rua, por causa de amores clandestinos.
Sabedor quase que de imediato do acontecido, o marquês de Pombal logo tomou duas medidas: colocou seus espias em alerta, levantando suspeitas ou provas, ao mesmo tempo em que espalhava o boato de que o rei se acidentara. Nada havia de grave, mas o suficiente para que Dom José ficasse convalescendo por uns tempos.
Pairava no ar a possibilidade de uma conspiração da nobreza, em conluio com as ordens religiosas expropriadas.
Enquanto o rei convalescia dos seus ferimentos, Pombal transformou esse lavar de honra familiar, em uma questão nacional de lesa majestade. Na verdade os interesses dos Távora, nesta vingança, misturaram-se com os ressentimentos dos jesuítas, por terem sido alijados da posição de confessores do rei e de serem expropriados de seus extensos territórios, na Amazônia.
A 13 de dezembro de 1758, houve a detenção dos primeiros suspeitos acusados de lesa majestade, traição e rebelião. Prenderam o duque de Aveiro, o marquês de Távora e seus familiares mais próximos, entre eles uma das suas noras. Perfaziam ao todo nove adultos da mais pura casta lusitana. Dom José Mascarenhas, o duque de Aveiro, poderosíssimo, um senhor da suprema corte; o marquês de Távora, um general que fôra vice-rei da Índia; o conde de Autoguia, o chefe da guarda pretoriana do palácio real e Luís Bernardo de Távora, o filho mais velho do marquês, o infeliz marido traído, com um destino três vezes inglório: traído, torturado e executado pelo rei, que o desonrara.
Não tardou para que os detidos ultrapassassem a mil, inclusive 12 jesuítas, entre os quais um velho inaciano, meio iluminado, chamado padre Gabriel Malagrida, que foi mais tarde queimado na fogueira, por volta de 1761.
O interessante é que durante o processo, os juizes da inconfidência dos Távora desconsideraram toda justificativa, que mencionasse a questão da honra ofendida.
Em qualquer corte da Europa, diziam, quando um caso igual ocorria, isto é, o interesse do rei por uma mulher casada de um vassalo, só cabia ao marido, como bom súdito, o sacrifício de um profundo silêncio, ou, no máximo, a dissimulação de um prudente e decoroso afastamento. Afinal, ser traído por um rei era um privilégio para um vassalo.
Talvez Pombal se espelhasse em fato idêntico ao ocorrido, na França, no ano anterior, quando certo Damiens sofreu um indescritível ritual de torturas de todos os tipos.
Auto de fé em Lisboa, antes do terremoto
Pela sentença de 12 de janeiro de 1759, o duque de Aveiro e os Távora, previamente atormentados na roda e no polé, aparelho em que a vítima era içada pelos pulsos, por meio de uma roldana presa ao teto, com pesos amarrados nos pés, sendo levantada lentamente e depois subitamente solta, deslocando braços e pernas, foram levados ao patíbulo no dia seguinte. Das 6 horas da manhã às 4 horas da tarde, os verdugos trabalharam sobre as sua carnes e seus ossos, a tudo macerando, talhando, cortando, garroteando, e, finalmente, reduzindo-os às cinzas, espalhadas no rio Tejo.
O escritor Camilo Castelo Branco, que não era um admirador de Pombal, descreveu, em 1882, o fim desses Inconfidentes:
A aurora do dia 13 de janeiro de 1759 alvorejava numa luz azulada do eclipse daquele dia, por entre castelos pardacentos de nuvens esfumaradas que, a espaços, saraivavam bátegas de aguaceiros glaciais. O cadafalso construído durante a noite estava úmido. As rodas e as aspas dos tormentos gotejavam sobre o pavimento de pinho. Às vezes rajadas de vento do mar zuniam por entre as cruzes das aspas e sacudiam ligeiramente os postes. Uns homens que bebiam aguardente e tiritavam, cobriam com encerados uma falua carregada de lenha e barricas de alcatrão, atracada no cais defronte do tablado.
As 6 horas e 42 minutos ainda mal se entrevia a faixa escura com umas cintilações de espadas nuas, que se avizinhava do cadafalso. Era um esquadrão de dragões. O patear cadente dos cavalos fazia um ruído cavo na terra empapada pela chuva. Atrás do esquadrão seguiam os ministros criminais, a cavalo, uns com as togas, outros de capa e volta, e o corregedor da corte com grande majestade pavorosa. Depois, uma caixa negra que se movia vagarosamente entre dois padres. Era a cadeirinha da marquesa de Távora, Dona Leonor. Alas de tropas ladeavam o préstito, e à volta do tablado postaram-se os juizes do crime, aconchegando a capa das faces varejadas pelas cordas da chuva. Do lado da barra reboava o mugido das vagas, que rolavam e vinham chorar espumas no parapeito do cais. Havia uma escada que subia para o patíbulo.
A marquesa apeou da cadeirinha, dispensando o amparo dos padres. Ajoelhou no primeiro degrau da escada, e confessou-se por um espaço de 50 minutos. Entretanto martelava-se no cadafalso. Aperfeiçoavam-se as aspas, cravavam-se os pregos necessários à segurança dos postes, aparafusavam-se as roscas das rodas. Recebida a absolvição, a padecente subiu entre dois padres, a escada, na sua natural atitude altiva, direita com os olhos fitos no espetáculo dos tormentos.
Trajava cetim escuro, fitas nas madeixas grisalhas, diamantes nas orelhas e num laço dos cabelos, envolta em capa de alvadia roçagante. Assim tinha sido presa, um mês antes. Nunca lhe tinham consentido que mudasse camisa nem lenço do pescoço. Receberam-na três algozes no topo da escada, e mandaram-na fazer um giro no cadafalso para ser bem vista e reconhecida.
Depois, mostraram-lhe um por um os instrumentos das execuções, explicaram-lhe por miúdo como haviam de morrer seu marido, seus filhos, e o genro. Mostraram-lhe o maço de ferro que devia matar-lhe o esposo à pancadas, na arca do peito, as tesouras ou aspas. que se lhe haviam de quebrar os ossos das pernas e dos braços e lhe mostraram como era que as rodas operavam no garrote, cuja corda lhe mostrava, o modo como ela repuxava e estrangulava ao desandar do arrocho. A marquesa então sucumbiu, chorou muito ansiada, e pediu que a matassem depressa.
O algoz tirou-lhe a capa, e mandou-a sentar num banco de pinho, no centro do cadafalso, sobre a capa que dobrou devagar, horrendamente devagar. Ela sentou-se. Tinha as mãos amarradas, e não podia ajustar o vestido que caíra mal. Ergueu-se, e com um movimento do pé consertou a orla da saia. O algoz vendou-a; e ao pôr-lhe a mão no lenço que lhe cobria o pescoço. Não me descomponhas, disse ela, e inclinou a cabeça, que lhe foi decepada pela nuca, de um só golpe.
Este processo de carniçaria, naquela manhã de nevoeiro, debaixo de um céu de chumbo, impassível como a lâmina que degolou Leonor de Távora, há-de sempre lembrar com horror e piedade. Porém, que nome execrado, que verdugo responsável escreveremos na página da História? “Sebastião José, o marquês do Pombal, esse não tinha nada que ver com os adultérios de seu real amo e senhor”.
E tudo estava consumado.
O TRISTE FIM DO PADRE MALAGRIDA
O padre Gabriel Malagrida nasceu na Itália, na vila de Managio, a 18 de setembro de 1689. Desde a infância deu provas de suas tendências para o gênio e o misticismo. Depois de completar seus estudos entrou para a Companhia de Jesus, em 1711.
Em 1721, foi de Gênova para a Amazônia, primeiro ao Maranhão, e depois nomeado pregador do Colégio de Santo Alexandre, em Belém, a 11 de Outubro de 1723. Não cessava, contudo de missionar na cidade e nas aldeias circunvizinhas, até lhe ordenarem a volta, para o Maranhão, sendo escolhido para reitor da missão dos tabajaras.
De 1724 a 1727, demorou-se entre aqueles indígenas, missionando, correndo perigos, mas dando sempre provas de um misticismo extravagante, que lhe haveria de ser fatal. Na narrativa das suas missões falava de vozes misteriosas que o avisavam sobre acontecimentos. Malagrida julgava-se favorito do céu, capaz de conhecer o futuro e a população o reconhecia, neste mister. Em 1727, por ordem dos superiores, retornou ao Maranhão, e logo, em 1728, voltou a catequizar os índios.
Em 1735, começou a missionar entre os colonos, seguindo do Maranhão para a Baía, e dali a Pernambuco, voltando enfim ao Maranhão. Durante 14 anos, até 1749, permaneceu nestas missões granjeando a fama de taumaturgo, e a denominação de apóstolo do Brasil.
Em 1749, viajou para a Europa, com a fama de santo, a fim de conseguir dotações, para os vários conventos e seminários que fundara. Em Lisboa, foi acolhido como um iluminado, e a imagem de Santo Antão, que trazia consigo foi conduzida, em procissão, para a igreja do colégio daquele Santo.
- João V, nessa época, estava muito doente, e acolheu de braços abertos o santo jesuíta, fazendo-lhe todas as concessões que desejava, e o chamou, para junto de si, sendo assistido por ele em seus últimos momentos.
Em 1751, voltou ao Brasil, mas não foi bem recebido, no Pará, onde governava Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do marquês de Pombal.
Retornou a Portugal por ter sido chamado pela rainha, Dona Maria Ana de Áustria, viúva de Dom João V, mas encontrou no poder o marquês de Pombal, que com ele não simpatizava, impedindo-o de ser o confessor da rainha.
O Padre Malagrida
Então sobreveio o terremoto de 1755.
A catástrofe causara um terror imenso, na população da capital, e o marquês de Pombal procurou melhorar a situação mandando publicar um folheto, explicando as causas naturais dos terremotos, esvaziando a crença de que tudo fora um castigo de Deus, e de que eram indispensáveis as penitências.
O padre Malagrida não se conteve e também escreveu um folheto intitulado: “Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1. º de Novembro de 1755”.
Nesses escritos combatia as causas científicas divulgadas em um libreto de Pombal, estabelecendo o terremoto como um castigo de Deus, citando profecias de freiras, condenando severamente os que levantaram abrigos nos campos, os que trabalhavam em reconstruir a cidade, recomendando procissões, penitências, e, sobretudo, o recolhimento e a meditação de seis dias, nos exercícios de Santo Inácio de Loyola.
O marquês de Pombal não aceitou as suas idéias, mandando queimar o opúsculo, e desterrou Malagrida, para Setúbal, de onde ele escreveu uma carta, que depois do atentado dos Távoras, passou a ter outro sentido, e onde recebia alguns dos futuros conspiradores da tentativa de regicídio.
Por este motivo foi preso, a 11 de dezembro de 1758, transferido para o colégio de Lisboa, condenado, a 11 de janeiro de 1759, como réu de lesa majestade e transferido para as prisões do Estado, onde recebeu a pena do garrote e da fogueira, realizando-se o suplício, no auto de fé de 21 de setembro de 1761.
Assim a Inquisição passava a ser usada contra a própria Igreja, pelas mãos de Pombal.
BIBLIOGRAFIA
Antonio Carreira – As Companhias Pombalinas – Editorial Presença – Lisboa – 1982
João Lúcio de Azevedo – O Marquês de Pombal e a Sua Época – Alameda Casa Editorial – SP – 2004
Kenneth Maxwell – Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo – Editora Paz e Terra – SP – 1996
Sebastião José de Carvalho e Melo – Memórias Secretíssimas do Marquês de Pombal – Publicações Europa-América – Portugal
Obs.: Texto retirado do livro “A Amazônia e o V Império”, paginas 224/243, Manaus ,2011.
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