Manaus, 30 de junho de 2025

Olha já! Dicionário Caboquês, de A à Z

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*Floriano Ferreira da Silva

Prefácio

O aparecimento do “Dicionário Caboquês”, do escritor Floriano Ferreira da Silva, além de destacar a figura de seu autor, amplia e torna ainda mais rico o cenário cultural de nossa cidade. Referido acontecimento, somado a outros lançamentos de livros de autores locais, ultimamente ocorridos, comprova de uma vez por todas que Itacoatiara é um gigantesco laboratório de temas propícios à pesquisa literário-científica, ao estudo crítico e à especialização em geral, e um edificante repositório de homens e mulheres talentosos.

Ombreado com os pioneiros textos produzidos em nosso Estado sobre o linguajar do caboclo amazonense – a primeira edição deste livro reunindo 600 verbetes sobre expressões do homem do interior veio a lume em 1º de julho de 2011. Além dele, tratam do tema: a dissertação de mestrado da professora Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Corrêa, “O falar do caboclo amazonense”, trabalho realizado nos municípios de Itacoatiara e Silves, em 1980, e ainda inédito; e a obra do professor da UFAM e doutor em linguística, Sérgio Augusto Freire de Souza, lançado em outubro de 2011 – três meses após o livro do Floriano.

O autor, filho de um ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itacoatiara, é caboclo da velha cepa que “viveu nos beiradões, trabalhou na roça, nos jutais, participou de puxiruns e presenciou a luta dos trabalhadores rurais e pescadores”. Jamais se envergonhou de suas origens. Ao contrário, sempre defendeu a sua terra, ama sua gente e orgulha-se dela. Sempre condenou certos brasileiros que nos esnobam, pois não somos inferiores, nem representamos sub-raça. Censura os nativos desta região que negam sua ascendência, homens de mentalidade atrasada que têm aversão às coisas amazônicas – um ‘sentimento’ tolo que se confunde com complexo de inferioridade. E, assim, consciente de seus deveres cívicos, Floriano optou por se tornar um estudioso do jeito amazonense de falar.

O dicionário de termos amazonenses, de sua autoria, ora revisado, ampliado e lançado em segunda edição, é uma espécie de guia dos dialetos do Amazonas, um manual de expressões populares. Livro “cabucão”, resultado de muitas pesquisas literárias e de campo, que ao descrever o colorido da fala de nossa gente, enaltece e valoriza a cultura local.

A linguagem sempre foi objeto de curiosidade. E a língua é um dos elementos mais fortes de identidade. Segundo os dicionaristas, dialeto é uma variedade linguística associada a grupos que não contam com prestígio social; porém, detentora de forte tradição literária. O tema resvala para a Sociolinguística, “conjunto de estudos linguísticos, antropológicos e sociológicos que tratam dos aspectos sociais do uso da língua, especialmente das variações linguísticas que se dão no interior de um grupo” (cf. Dicionário Aurélio); uma das subáreas da Linguística que estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, ou seja, entre as pessoas comuns do povo; entre os caboclos – no caso do Amazonas.

O saudoso professor Gladstone Chaves de Melo (1917-2001), um dos precursores da Sociolinguística em nosso País, ao discorrer sobre “dialeto brasileiro” e “abrasileiramento” da língua portuguesa, condena o purismo exagerado, a caturrice gramatical e a superstição do classicismo. Ao mesmo tempo, proclama que “não há que censurar a ‘nossa’ fala cotidiana, não devemos nos importar com as censuras dos chamados experts da língua”.

Sem sombra de qualquer dúvida, há uma diferença histórica entre a fala popular de Portugal e a do Brasil. Para Gladstone “a língua popular é, de modo geral, o português arcaico, com transformações mórficas e fonológicas causadas pelo contato da língua dos negros e de nossos índios. Tais alterações teriam o caráter de um superestrato” (cf. trechos de sua obra “A língua do Brasil”, 4ª edição de1981).

Este livro, a despeito de seu caráter empírico, expõe a coragem e revela a plasticidade da inteligência de Floriano. A ideia de sua criação remonta à década de 1980 quando o autor trabalhava na Madeireira Gethal, uma multinacional que à época se instalou em Itacoatiara, cujos cargos de chefia eram exclusivos de pessoas trazidas do sul do País. A soberba dessas pessoas, “seu jeito gauchês de falar” e, sobretudo, a intimidação velada ou aberta procedida contra os operários nativos da terra, levando diversos deles a se sentirem “envergonhados do nosso jeito de falar” – machucaram os brios do então futuro escritor. E a ideia do livro foi amadurecendo.

A função de radialista operante na Rádio Difusora de Itacoatiara, primeiramente em 1988 e depois em 2000/2007, oportunizou a Floriano a coleta de um enorme volume de “palavras, frases, causos e histórias de ribeirinhos”. A aquisição de grande parte desse material resultou do contato direto, quase diário com os ouvintes da tradicional emissora ou através dos “avisos” veiculados nesta e nas demais rádios locais.

Anos depois, já estando a serviço do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas, suas viagens ao interior do Município propiciaram-lhe o contato direto com produtores rurais, e “foi importante para aumentar” seus conhecimentos sobre “o linguajar caboclo” e assim “o dicionário foi tomando corpo”.

Tempos atrás, por influência de seus pais, Floriano conduziu os serviços de publicidade da Prelazia de Itacoatiara, anunciando em arraiais e quermesses da Padroeira. Certamente aproveitou aqueles momentos para colher, entre seus irmãos de fé, os fiéis católicos, preciosos informes que utilizou em seu livro.

Além dessas experiências; do resultado de suas pesquisas orais envolvendo pessoas oriundas do interior; das informações sobre o tema recebidas de seus professores de Antropologia e Sociologia, na UEA – mais recentemente nosso escritor acessou os livros dos professores Hyldevídia Cavalcante Corrêa e Sérgio Augusto de Souza, anteriormente citados, cujo conteúdo “feito de forma acadêmica, com explicações técnicas embasadas no estudo da [moderna] linguística”, lhe oportunizaram a ampliação e o enriquecimento do texto deste “Dicionário Caboquês”.

Obra que reputo importante, de leitura fácil, acessível a todos os gostos. E, como declarado por alguém em determinada ocasião, ouso afirmar que este livro do Floriano “prova que a língua participa diretamente do homem e, que, portanto, chora com ele, ri com ele, com ele hesita, gagueja, canta o triunfo do caboclo, celebra a paz de [sua] alma”.

O escritor Floriano Ferreira da Silva é amazonense de Urucurituba, criado, educado e amadurecido em Itacoatiara. Comunicador experiente graduado em Ciência Política e pós-graduado em Gestão Ambiental, assíduo na mídia escrita e falada – ele não é um “caboco estúrdio”. Além deste trabalho possui inédita outra obra sobre contos populares (causos amazônicos). Cuirão muito ladino que escreve sem pavulagem, este seu “Dicionário Caboquês” certamente seguirá desimbestado a caminho do sucesso! São os meus votos.

Itacoatiara, maio de 2014

Francisco Gomes da Silva

Apresentação

Esse trabalho tem a finalidade de catalogar palavras, termos e expressões utilizadas no cotidiano do povo amazonense, mostrando seus significados, situações e ocasiões em que são ou podem ser usadas.

No entanto, não é nossa pretensão, com esse trabalho, exaurir todo esse universo de expressões e jeito de falar do caboclo, sobretudo daqueles que habitam o médio Amazonas, região do município de Itacoatiara e municípios vizinhos.

Alguns exemplos vão retratar de forma fiel a maneira dos caboclos falarem e se expressarem. Por exemplo, na conjugação de alguns verbos se substitui a finalização em “amo” pelo “emo” (deixemos em vez de deixamos, fiquemos em vez de ficamos, etc.). A letra “R” também, em muitos casos, substitui a letra “L” e vice versa. Ex: Futebol (futebor), calcanhar (carcanhar), cerveja (celveja). A letra “U” também substitui a “O”. Ex: Canoa (canua), osso (usso), etc.

Também na conjugação dos verbos, geralmente se troca a segunda pela terceira pessoa do singular. Ex: Antonio tu foste ontem à festa? Neste caso o comum é dizer: Antonio tu foi ontem à festa?

A metodologia utilizada foi a da pesquisa verbal, de ouvir as pessoas falarem determinado vocábulo e depois perguntávamos o significado ou confrontávamos com as pessoas, os verbetes que já tínhamos conhecimento, a fim de checar se realmente expressavam aquilo que imaginávamos.

Também consultamos o Dicionário da Língua Portuguesa do Autor Aurélio Buarque de Holanda, a fim de tirar algumas dúvidas e confrontar significados de algumas palavras, que para o caboquês tem algumas variações, totalmente diferente daquilo que indica o dicionário.

Nesta segunda edição, tivemos acesso a dois trabalhos, que, assim como o Dicionário Caboquês, também tratam desse universo do linguajar do povo amazonense. O livro “AMAZONÊS”, do Professor Sérgio Augusto Freire de Souza, que é amazonense, da cidade de Manaus, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Mestre em Letras pela própria UFAM e Doutor em Linguistica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E a Dissertação de Mestrado da professora Hydelvídia Cavalcante de Oliveira Correa, datada de 14 de novembro de 1980, apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com o título: O FALAR DO CABOCLO AMAZONENSE – ASPECTOS FONÉTICOS – FONOLÓGICOS E LÉXICOS-SEMÂNTICOS DE ITACOATIARA E SILVES. Itacoatiara e Silves são dois municípios do da região do Médio Amazonas.

Tanto o AMAZONÊS, quanto o FALAR DO CABOCLO AMAZONENSE, corroboraram e enriqueceram, aumentando o conteúdo do nosso Dicionário Caboquês, principalmente porque foram feitos de forma acadêmica, com explicações técnicas e embasados no estudo da linguística. Enquanto que o nosso trabalho Dicionário Caboquês foi realizado de forma mais empírica, como fruto, sobretudo, da nossa origem cabocla, de quem viveu nos beiradões, trabalhou na roça, trabalhou nos jutais, participou de puxiruns e presenciou e testemunhou as lutas dos trabalhadores rurais e pescadores. Tanto que, os exemplos citados de como usar os verbetes, retratam mais a vida do caboclo da zona rural do que o da cidade.

A ideia de fazer um dicionário “caboquês” veio sendo amadurecida, desde o período em que eu trabalhei na empresa Gethal, durante a década de 1980. Nessa empresa madeireira, muitas pessoas, principalmente dos cargos de chefia, eram da região sul do Brasil e traziam consigo ou seu jeito “Gauchês” de falar e não abriam mão disso.

Nessa empresa Gethal, alguns colegas, até por conta das gozações, se envergonhavam do nosso jeito de falar e, as vezes, para agradar a chefia, acabavam por incorporar ao seu linguajar, palavras como “guri”, “piá”, “tchê”, “barbaridade”, etc.

O fato de ter trabalhado durante três anos e meio do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas (IDAM), tendo contato com os produtores rurais, também foi importante para aumentar o conhecimento do linguajar caboclo.

No período da faculdade do curso de Ciência Política, estudando um pouco da Antropologia e também a Sociologia, voltou a vir forte a ideia do dicionário e foi então que, aproveitando o programa de rádio que eu apresentava da Rádio Difusora de Itacoatiara, “Conexão Total”, fiz uma promoção com os ouvintes, para que eles telefonassem ou mandassem cartas com palavras, frases ou histórias de caboclos. A promoção foi um sucesso e o dicionário foi tomando corpo.

Também fazem parte deste dicionário alguns “causos” e histórias ribeirinhas arraigadas do bom caboquês, além de alguns “avisos” veiculados nas rádios locais.

A respeito dos avisos veiculados nas rádios locais, apenas a título de explicações, sobretudo para aqueles que não são da região, que os avisos são formas dos caboclos da cidade se comunicarem com as pessoas da zona rural, que ainda tem no rádio a melhor forma de comunicação. Os conteúdos são dos mais variados possíveis: comunicando doença, falecimentos, pedindo para trazerem algo do interior para a cidade, pedindo para buscarem alguém em determinados lugares, avisos de festas e torneios de futebol, etc.

É claro que tudo isso foi facilitado, como já mencionei anteriormente, pela minha origem na zona rural, por eu ter convivido durante muito tempo com pessoas do interior, o que com certeza me deu base para a realização desse trabalho, que certamente está longe de ser completo, mas quer ser um contributo para manter viva a nossa cultura caboca (cabocla).

O Autor.

Continua na próxima edição…

*Floriano Arruda. Comunicador de rádio, escritor, folclorista. Natural de Urucutituba/Am. Mantém programa radiofônico semanal que interage diretamente com o público na Rádio Panorama, de Itacoatiara. Membro efetivo da Academia Itacoatiarense de Letras.

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8 respostas

  1. Um livro bom demais da conta, afinal através do dicionário caboquês foi possível expandir o jeito caboclo de falar do homem interiorano com outras regiões. Parabéns!

  2. Obrigado meu amigo e incentivador Dr. FRANCISCO GOMES, por dar a oportunidade de divulgar um de meus trabalhos aqui na sua página. Espero que os leitores gostem.

  3. Muito orgulho de você
    Por se dedicar a levar nosso dialeto a ser conhecido
    Precisamos dessa valorização do que é nosso, da nossa cultura, do nosso povo!
    Parabéns

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