Manaus, 25 de outubro de 2025

Os frutos da esperança

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Continuação…

O dia do Escritor

Nos dias de hoje toda gente tem seu dia. O escritor também possui o seu. O dia do escritor foi adotado a 25 de julho de 1960, no encerramento do I Festival do Escritor Brasileiro, promovido pela União Brasileira de Escritores, em sessão presidida por Peregrino Jr. e secretariada por Jorge Amado. É, portanto, um bom momento para cogitar sobre a condição de quem escreve, com uma primeira indagação: – Que é um escritor? O escritor é todo indivíduo que escreve um livro, ou dez ou cem. Escritores são Machado de Assis, autor de copiosa produção literária, e Helena Morley, autora de apenas um livro. Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrel Caldeira Brant, viveu entre 1880 a 1970, exatos 90 anos. Escreveu Minha vida de menina e se calou em sua longa vida. Mas, não precisava de tanto para quem realizou uma obra tão bela. O livro tem uma história curiosa. O pai recomendava-lhe que pusesse no papel as coisas que lhe aconteciam e a menina foi registrando, também, a vida simples que a cercava. Na Escola Normal o professor de Português orientava os seus alunos a fazerem frequentes dissertações nos deveres de casa. Alice ou Helena decidiu então colocar tudo isso num diário composto no período dos 13 aos 15 anos de idade. Depois guardou a papelada numa gaveta, atingiu a maturidade, casou, vieram filhos e netos, e, em 1942, já aos 62 anos, decidiu dar a luz ao livro que teve imediato sucesso de crítica e de público. Foi logo traduzido para o francês e o inglês, com a versão inglesa feita pela notável poeta americana Elizabeth Bishop. Relata sobre a vida na sua cidade natal de Diamantina, em Minas Gerais, tão rica nos idos áureos da mineração e, no tempo em que escreveu o seu diário, a menina Helena foi encontrar em plena decadência, sem iluminação pública e água encanada, no final do século XIX. O Brasil da época experimentava as mudanças das instituições e do comportamento social, decorrentes da abolição da escravatura e da implantação da República. O país vivia as crises da adolescência de um mundo novo, mundo que também comprometia a condição da mulher desabrochando para a vida. Helena Morley, com esse livro plantou um dos marcos na história da literatura brasileira, no registro de procedimentos e costumes da vida privada, num dos mais saborosos documentos produzidos sobre a nossa formação humana.

Ao contrário de Machado de Assis que passou a vida toda escrevendo, desde muito jovem até morrer aos 69 anos. Produziu milhares e milhares de páginas e cristalizou o seu testemunho sobre os bens e os males da humanidade. Mais os males, posto ser o mestre de Quincas Borba um pessimista que fantasiava essa tendência do seu espírito com a graça de um insuperável senso de humor, enfim marcante e um dos traços mais fascinantes de sua obra. Tudo o que fez foi bom. Não lhe prejudicou a unidade o volume de sua vasta lavoura intelectual, na poesia, no jornalismo, no teatro, na prosa de ficção, o conto e o romance, na crônica e no ensaio. É o mais consumado mestre da história curta, forma consagrada pelo conto nas letras brasileiras. Há momentos em que o antigo menino do Morro do Livramento se supera e realiza obras-primas com a novela O alienista, o conto Uns braços, o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas e a crônica O velho senado, para não ser exaustivo nas citações, em face de o Bruxo do Cosme Velho infundir, nas páginas que escreveu, a marca inconfundível do seu gênio. Se tivéssemos de eleger um nome para constituir o patrono das Academias brasileiras de letras, um escritor legítimo e dedicado integralmente ao seu ofício, ninguém melhor seria que o mestre de Dom Casmurro. E foi ele quem um dia definiu o que se deve esperar de um escritor. Dizia Machado de Assis:

O que se deve exigir de um escritor antes de tudo é certo sentimento intimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.

Helena Morley e Machado de Assis são os dois mais evidentes exemplos de escritores de um só e de cem livros.

Acode-me, então, outra pergunta: – Qual o objetivo do escritor? Sobre esse ponto há vários depoimentos. Há uns que dizem escrever para amar e ser amados. Outros há que escrevem por fatalidade do destino, posição que tenho dúvidas quanto à sua sinceridade. Há outros que escrevem para divertir as pessoas e, finalmente, há os que, acredito constituírem a maioria, se dedicam a divulgar ideias, doutrinas filosóficas, religiosas e ideologias, num permanente e insistente ideal de mudar as coisas para melhor. Há muitos escritores que confessam escrever porque a realidade lhes incomoda e, por isso, carecem de um conteúdo de fantasia para alimentá-los na caminhada. Tal posição lembra-me de um verso de Cassiano Ricardo sobre o nosso planeta, em que o invulgar poeta paulista diz que a terra não é redonda, mas chata. O que arredonda a terra, a meu ver, é o nosso modo de apreciá-la. Privado da condição interior de contemplar um belo alvorecer e um maravilhoso crepúsculo sobre o rio Negro, a gente precisa concordar com o poeta: a terra não é redonda, mas chata.

O ato de escrever, portanto, como atividade artística, é capaz de transformar uma realidade noutra realidade, isto é, fazer da realidade geográfica, ou social ou política, a realidade literária, com as virtudes de que se serve a obra de arte, num constante anseio de beleza. E nesse procedimento, a realidade geográfica, social ou política, conclui-se em transformar-se em consequência do processo criador.

Agora não mais formulo uma pergunta, mas me arvoro a uma afirmação: o escritor é um profissional que precisa ser pago por seu trabalho. A vaidade, a arrogância, o pedantismo conduzem a atitudes antipáticas e incivis. Mas não valem no escritor os devaneios da modéstia, nem da falsa modéstia. Se vamos contratar o serviço de um marceneiro, ele, o marceneiro, não tem nenhum acanhamento em dizer que o seu trabalho é o melhor da redondeza, mostrando peças de sua produção como exemplo do que diz. Porque se o consumidor não se convencer de que esse é o melhor, não contratará os seus serviços. Qualquer profissional age sem melindres.

É preciso, também que o escritor tome consciência de sua condição de trabalhador das ideias, de operário da pena. Aí ele não sofrerá de falsos pudores em se alimentar com o seu trabalho. E assim possa dizer, com a grande poeta portuguesa contemporânea Sophia de Mello Breyner Andersen: a poesia é para comer.

O dia do escritor, portanto, é um bom dia para conjeturar-se sobre tais questões e outras que se agitam no interior das universidades e das salas de aula, em todos os níveis de ensino. Aí, mais do que no universo eclético dos leitores, é onde se podem medir os níveis de responsabilidade do escritor e seu trabalho, posto serem seus textos consumidos no processo formador das novas gerações.

Nada melhor do que homenagear o escritor, no seu dia, como faz esta Casa, nesta noite, com o lançamento de três novas obras de autoria dos nossos pares.

Por todos esses motivos é que eu tenho a maior alegria em cumprimentar e estender a mão aos escritores aqui presentes nesta noite.

Muito obrigado.

Continua na próxima edição…

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