Continuação…
Paulo Bernardo Lindoso e Lima
PREZADO PAULO:
Atua mãe Clara Maria fez-me chegar às mãos os teus poemas. De modo geral gostei do teu O desencontro das águas. Percebi, desde o início, que te expressas com a emoção que é a matéria-prima da poesia. E o fazes de formato livre e com um ritmo pessoal, até no soneto, um dos raros modelos de forma fixa cultivado no Renascimento e praticado até hoje. Grafaste algumas palavras que eu não conheço e também não fui conferir nos dicionários. Seria o caso de revisão mais acurada? Por vezes, também, o tom coloquial parece afastar o texto das regras gramaticais, fato que precisa ser levado em conta na realização do poema. Se o poeta não cria a língua, essa que é uma virtude do povo, – é de sua obrigação embelezá-la. Também aí reside o resultado do esforço criador do poeta. A simplicidade como te expressas também é um ponto positivo no teu texto, embora aqui e ali apareçam nos versos, palavras comprometidas com o lugar comum que, quando ocorre, precisa submeter-se a um inventivo procedimento de recriação.
Vejo que o tema dominante dos teus poemas é o amor. Não podia ser de outro modo. Na descoberta do mundo o amor é o fato mais importante em nossa vida. É como o sol que surge nas barras do dia, ou a lua cheia numa bela noite de verão. O amor como expressão do erótico, que é o mais certo porque o mais autêntico nessa descoberta. Parte dominante do livro constitui um diálogo do poeta com sua musa, por mais que se admita que a musa do poeta seja o próprio poeta, projetado na figura do objeto amado. Por isso, o exercício da poesia é, com frequência, um constante diálogo do poeta com ele próprio. O resultado disso no leitor é a aproximação do seu próprio eu com o eu do poeta. É um negócio meio complicado, mas é isso mesmo. Temperas, no entanto, os conflitos naturais nas relações amorosas, com um toque de humor surpreendente em tua idade, época em que temos a tendência de levar tudo a ferro e fogo, tal como se o mundo fosse produto de uma equação matemática.
O desencontro das águas é um bom título, mas existe uma coletânea de poemas de Dori Carvalho, recentemente publicada com o nome de Desencontro das águas. É o caso de examinares a conveniência de manter ou não o título, visto constar da justificativa do bem realizado texto de abertura do livro. Enfim, o que se observa, é que houve entre o poeta e o motivo do seu canto, um ponto de encontro das nossas águas ou das águas de nossas almas. Portanto, qualquer que seja a tua decisão na escolha do título, dele não deves excluir a palavra água ou águas. Águas da viagem pelos rios imponderáveis do ser feminino, águas fontes de alimento do corpo e do espírito, águas que constituem o elemento dominador do universo amazônico que já aparece, em breves traços nos teus poemas.
Enfim, o que tenho a te dizer nas últimas linhas destas poucas palavras, é que deves persistir, com a devida cautela, nos trabalhos da poesia e da literatura. No Brasil são raros os profissionais do ofício a viver do trabalho com as letras. Nem sempre entre nós a fortuna crítica vem seguida da fortuna pecuniária. Até porque em nosso país o hábito da leitura ainda é muito escasso. Com uma população perto de 200 milhões de habitantes, um contingente enorme de cidadãos com formação de nível superior em todas as áreas do conhecimento, uma espantosa população estudantil em todos os níveis, com expressiva significação no ambiente universitário, as tiragens de 10 mil exemplares de um título são consideradas verdadeiro sucesso editorial. Por isso, o poeta e o escritor aqui, se não deseja assistir a mulher e os filhos passarem fome, paralelamente dedica-se a outras atividades, na imprensa, no magistério, na magistratura, no serviço público ou atividades liberais, até no comércio e na indústria. São raros, raríssimos os que só vivem de literatura e, às vezes, não são os melhores.
Apesar de tudo isso, desse quadro nada animador, deves assumir o trabalho de escritor como um profissional, com a responsabilidade e a ética de um profissional, com a missão que melhor escolheres para a tua ação como escritor na sociedade.
Muito sucesso é o que te desejo de todo coração.
Manaus, Praia da Ponta Negra, 9 de novembro de 2010.
Continua na próxima edição…
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