Continuação…
Intérprete parintintin
Ao ler os originais destes Retalhos de Vida, experimentei sentimentos de alegria e de tristeza. Era o reencontro com a cidade da minha primeira juventude e a notícia do traspasse da minha amiga Lourditta. Fomos vizinhos na cidade de Parintins, em casas geminadas na rua da frente. De dia e de noite a paisagem familiar era o rio Amazonas, fluindo selvagem e virulento, orgulhoso e eterno, numa das suas passagens mais largas, tomadas de rebojos nos remansos afunilando em redemoinhos gulosos.
Depois, o tempo impiedoso, no seu papel de fazedor de memórias, fez também as nossas famílias se perderem de vista. Vim para Manaus e Lourditta permaneceu em Parintins. Com Carlito Cecílio fundou família, criou e educou uma boa colheita de belos filhos, seis ao todo, os mesmos filhos que agora se reúnem para concretizar o sonho de sua mãe, que era ver publicado o seu livro.
O que parece é que Lourditta não descansava, pois ainda encontrou energia em sua vida proveitosa para se dedicar ao desenvolvimento mental das crianças da cidade, na função de professorinha do interior, expressão que ela própria repetia para definir-se como professora.
Mas, por tudo o que deixou escrito neste trabalho, conclui-se que Lourditta se converteu, em verdade, numa senhora professora, bem ao estilo das suas mestras no tradicional Grupo Escolar Araújo Filho, onde brilharam a inteligência e o saber de grandes educadoras, na linhagem de uma Beatriz Maranhão e uma Alzira Saunier. Figuras que Lourditta recorda com carinho neste livro, um livro bem escrito e que servirá ao conhecimento da história e da vida da antiga Vila Bela da Imperatriz, transbordando, à semelhança das águas do grande rio, nas suas melhores enchentes, para aspectos gerais da humanidade amazônica.
A juventude parintinense muito aprenderá neste livro. Aqui encontrará informações sobre a história do Município, suas origens no contexto do Estado do Amazonas, o folclore, mitos e lendas, a vida social e política, enfim, as raízes, a rotina e a dinâmica do processo cultural do povo parintinense.
Fala dos tipos populares e das personalidades que construíram o passado e trabalham no presente da cidade. Lembra tudo sobre a brincadeira do boi-bumbá em geral, dos bois-bumbás de Parintins e dos famosos Garantido e Caprichoso. Ensina sobre o Festival Folclórico da ilha mágica de Tupinambarana.
Criado a 1.o de junho de 1965, o festival veio crescendo nas últimas quatro décadas, nos eventos que o elevaram aos níveis de hoje, uma gigantesca festa popular, com indiscutível alcance regional e visível influência nas consagradas festas do povo brasileiro, como, por exemplo, o Carnaval carioca.
Na sequência realizada entre as páginas 91 a 163, Tribos Indígenas, Mitos e Lendas, e das páginas 167 até o fim do livro, Vocabulário Indígena, Lourditta oferece um verdadeiro espetáculo de informação sobre essa matéria. Expõe em forma de abecedário.
Muito úteis, em todos os sentidos, tais elementos beneficiarão principalmente os jovens estudantes, estes que estão cada vez mais necessitados de instrumentos como este, no processo de conquista de sua própria identidade; na tomada de consciência da cidadania que promove o indivíduo em agente de transformação do meio; que fortalece os movimentos de mudança e de conscientização até daqueles que se encastelam no poder, qualquer poder, político, econômico ou cultural, no anseio de com isso amealhar vantagens pessoais, em prejuízo das conquistas da sociedade e do povo.
Palpita-me a consciência de que tais intenções agitaram a inteligência de Lourditta ao escrever este livro. Mas tenho certeza de que se assim pensou, seus objetivos foram atingidos. Nestas páginas que honram a sua memória de mulher de luta, deixou mensagens de esperança nos valores da vida, alimentada de fé e movida pelo anseio incontido de servir.
Continua na próxima edição…
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