A correria é grande. Centenas de artistas e trabalhadores do mundo do folclore estão se debatendo de um lado para o outro para preparar o maior espetáculo popular de que se tem notícia não só no Amazonas, mas em todo o País, rivalizando com os desfiles das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, embora seja de essência completamente diferente: o Festival Folclórico de Parintins.
Diverso do que sucede nas duas históricas cidades brasileiras, a ilha Tupinambarana está apartada dos grandes centros urbanos do país, encravada na maior floresta tropical úmida do planeta, com reduzidos meios de comunicação social e de transporte, sem fontes de produção e de comercialização de materiais para adereços e alegorias. Por isso mesmo, há muitos meses um punhado de idealistas e apaixonados – mulheres, homens e crianças – se desdobra não só em sonhar com as três grandes noitadas do festival, mas como construí-las, pedacinho por pedacinho, e que materiais devem usar. E o fazem primeiro nos cadernos, nas pranchetas e depois nos galpões que se transformam em verdadeiras oficinas de alta qualidade por muitos dias e noites intermináveis.
O tempo de agora é esse. É o de preparar as indumentárias dos itens principais e dos figurantes, da marujada e da batucada, do levantador de toadas o qual é fundamental para o sucesso do boi, e, com mais requinte, as que serão honradas, mais uma vez, pela sinhazinha da fazenda, pela cunhã poranga e pelo pajé, e até mesmo aquelas peças surpreendentemente especiais e fundamentais que serão movimentadas pela galera para animar e enaltecer a noite. Não quero nem falar das surpresas que são trancadas a sete chaves, concebidas não se sabe quando nem por quem, até que elas rompam o momento mágico e se apresentem para aplausos e ensandecimento do público.
Fico aqui do meu canto – depois de ter tido a oportunidade de ajudar a fazer e acompanhar bem de perto essa linda festa amazonense da gema – fico aqui pensando como estarão esses preparativos, de parte a parte, no azul e no vermelho, e o que posso assegurar ao leitor é que já está correndo um frisson daqueles, seja na criação e produção dos espetáculos que serão apresentados, nos ensaios dos bailados bem ritmados, na afinação dos instrumentos, seja nos bastidores, na direção e na montagem das estruturas de serviço e recepção, porque tudo de tudo na cidade vive e respira boi-bumbá. E o que não está pronto, ninguém se preocupe porque vai ficar.
A partir de agora, com a aproximação da abertura do Festival que se dá depois da festa de São João e com as bençãos de Nossa Senhora do Carmo, a santa padroeira desse povo sagaz e nobre, vai crescendo o nível de tensão em todos que estão envolvidos por essa paixão. Essa mesma paixão só vai ceder depois da apuração dos votos conferidos pelos jurados e da proclamação dos resultados os quais, como de costume, serão aceitos por uns e contestados por outros, e mesmo quando a maioria não se convence desta ou daquela ou do conjunto das notas, o que tem prevalecido é a beleza, a arte e genialidade. E para não perder a viagem: a rivalidade se aguça.
Nos próximos dias – que ficam parecendo muitos anos diante da ansiedade que a todos domina – vai aumentando o nível de tensão que aos poucos se transforma em emoção pronta para explodir na hora de entrar na arena e em meio ao enorme foguetório que anuncia Caprichoso e Garantido, este que é precisamente o momento de sentir o coração bater mais forte e as lágrimas descerem pela face de forma quase incontrolável.
A tradição dessa festa originada de um folguedo de criança e que tem mais de cem anos como brincadeira junina, foi crescendo sem parar e varou da floresta para o mundo ver e se encantar, mas não perde o balanço do rio no “dois pra lá dois pra cá” e que representa o grande mistério que ninguém consegue explicar.
Esta é a hora de preparar a festança do meu boi-bumbá.
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