Manaus, 21 de novembro de 2024

Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara (I)

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Noticiar fatos autênticos da nossa História municipal intimamente ligados à trajetória brasileira é o objetivo do presente trabalho. E, em específico: registrar e comentar o episódio tim-tim por tim-tim das visitas ou passagens por Itacoatiara de vários presidentes da República ao longo do século XX. Da relação constam alguns renomados políticos que, aquilatando o subido desejo de a época concorrerem à cadeira presidencial, também transitaram por este Município. Daí o título da obra: Presidentes e Presidenciáveis…

Em 8 de setembro do corrente ano, a cidade-sede itacoatiarense completou 338 anos de existência. Ela veio de uma aldeia missionária criada pelos jesuítas em 1683, no rio Mataurá, afluente do Médio rio Madeira, e foi sucessivamente transferida para o rio Canumã em 1691, para o rio Abacaxis em 1696, para o Baixo rio Madeira em 1757 e para o atual assento – margem esquerda do Amazonas – em 1758. A primitiva missão itinerante foi elevada, em 1º de janeiro de 1759, à categoria de vila com o título português de Serpa, e, finalmente, através da Lei provincial nº 283, de 25 de abril de 1874, recebeu o foral de cidade com o nome de origem tupi Itacoatiara.

Plenamente inserida na geografia mundial e estrategicamente localizada no centro da Amazônia brasileira, posto que banhada pelo maior rio do mundo, Itacoatiara é um importante porto receptivo e escoador do País. Essa condicionante, além de favorecer sua integração com o mundo exterior, elevando-a nos campos social, da historiografia, do direito, da Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara 1 3 geopolítica, da bioeconomia, da sociologia e da cultura em geral, enseja o fortalecimento da amizade e da paz construídas na relação entre seus habitantes e os mais diversificados agrupamentos humanos regionais, nacionais e estrangeiros que por aqui transitam, periodicamente. No rol de seus visitantes mais ilustres, há até presidentes e presidenciáveis da República. É sobre essa temática que trataremos nesta obra.

Presidente Afonso Pena

Afonso Augusto Moreira Pena. Nasceu em Santa Bárbara/MG em 30 de novembro de 1847. Bacharel em direito, deputado provincial (1874/1889), ministro da Guerra (1882), ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1883/1884) e ministro da Justiça (1885). Membro da comissão de organização do Código Civil Brasileiro (1888), fundador e primeiro diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais (1892). Governou seu Estado natal (1892/1894), presidiu o Banco do Brasil (1895/1899) e tornou-se vice-presidente da República (1903/1906). Sexto presidente do Brasil, escolhido por eleição direta em 1º de março de 1906, assumiu em 15 de novembro de 1906.Faleceu no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1909, sem concluir o mandato.

AFONSO PENA foi um dos mais operosos presidentes civis da República Velha. Em seu período governamental (15/11/1906 -14/06/1909) interveio na política do café e valorizou o preço do produto; deu continuidade ao programa iniciado por seu antecessor, Rodrigues Alves, de reaparelhamento das ferrovias e dos portos; e reorganizou o Exército, sob a supervisão do ministro da Guerra, Hermes da Fonseca. Também disponibilizou em 1907 os recursos necessários para que o marechal Cândido Rondon realizasse a ligação do Rio de Janeiro à Amazônia pelo fio telegráfico.

Afonso Pena, a despeito de não estar empossado na chefia da nação, foi o primeiro presidente da República a conhecer o Amazonas.

Pouco antes de embarcar havia sido proclamado presidente pelo Congresso Nacional, consequência das eleições diretas de 1º de março daquele ano, em que obteve 288.285 votos. Conforme registros na imprensa da época, “[…] Sua viagem aos estados do norte e nordeste, além de concretizar um alimentado sonho de conhecer a realidade mais distante do país e sinalizar para o estreitamento dos laços federativos, fulminava o costume de opção pelo caminho da Europa, plano de viagens sempre utilizado pelos seus predecessores”.

O presidente, viajando no Maranhão, navio de primeira classe do Lloyd Brasileiro, partiu do Rio de Janeiro no dia 16 de maio de 1906, subiu o litoral e, fazendo alguns trechos em trem especial, visitou sete estados nordestinos, alcançando Belém em 21 de junho. Em seguida atracou em Santarém, donde zarpou na manhã de 24 rumando em direção a Manaus. O navio oficial vinha sob o comando do capitão-tenente Manoel Pacheco de Carvalho Júnior.

Afonso Pena não trazia grande comitiva. Moderado, antes de partir do Rio de Janeiro recomendou para que não promovessem festas à sua chegada. Além de seu filho e secretário particular, Álvaro Pena, acompanhavam-no os assessores Aarão Reis, Sá Freire e Álvaro da Silveira, o 1º tenente Aarão Reis Júnior e o médico Carlos Dutra Vaz. Seguiam-no, também, quinze jornalistas do exterior e do centro-sul do País, além de outro do Estado do Pará.

Ao adentrar no território amazonense, à altura da Serra de Parintins, precisamente às 23:00 horas de 24 de junho, o Maranhão foi saudado pelo navio Cidade de Manáos, que conduzia a comissão de recepção do Governo do Estado do Amazonas, integrada por José da Silva Gayoso representando o governador Constantino Nery; Raul de Azevedo, representando o presidente do Congresso Estadual; José Raposo da Câmara, representando o presidente do Superior Tribunal de Justiça; Thaumaturgo Vaz, representando o superintendente (prefeito) de Manaus; os capitães Bruno Batista e Benjamin Rodrigues Sodré, o 2º tenente Francisco Eugênio Wanderley e o alferes Muniz Mendes.

Da Cidade de Manáos os emissários amazonenses passaram imediatamente para o navio oficial. A bordo deste, estiveram com o presidente discutindo pauta de reivindicações levadas em nome do Governo do Estado. Durante o almoço, no dia seguinte, Afonso Pena expressou a satisfação de estar, naquele momento, navegando pelo famoso rio Amazonas, cujas “águas caudalosas facilitando a pressão das máquinas a vapor, impeliam o Maranhão a chegar sem atropelos”. Medindo o tempo até ali percorrido, o comandante Manoel Pacheco calculava que ao meio da tarde o paquete do Lloyd ultrapassaria Itacoatiara e às 19:00 horas fundearia defronte à vila de São José do Amatari.

Fixado sobre um terreno elevado, não inundável, à margem esquerda do rio Amazonas, donde se divisa facilmente a foz do rio Madeira, São José do Amatari – núcleo produtor e exportador de borracha, castanha, cacau, couros e peles de animais, farinha e outros subprodutos da mandioca, à época, destacava-se entre as mais importantes povoações do médio rio Amazonas. Na povoação existiam: grupo escolar em alvenaria, posto médico, usina de luz a vapor, mercado público e serviço telegráfico que, por concessão do governo federal desde 1903 vinha sendo operado pela empresa de capital inglês The Amazon Telegraph Company Limited.

Era governador do Estado Antônio Constantino Nery. Desde sua assunção, em 1904, vinha investindo forte em São José do Amatari, especialmente na colônia agrícola situada no entorno da vila e batizada com o nome de Pedro Borges. Nela operavam pelo menos cem famílias cearenses que migraram para a região, premidas pelas secas ou atraídas pelos vantajosos preços da borracha e da castanha. Na vila foram multiplicados assentamentos e ampliado o serviço de legalização de terra aos imigrantes – uma eficiente ação da Repartição de Terras e Colonização do Estado, cuja representação local era dirigida pelo engenheiro Alberto Rangel, auxiliado pelo professor Vicente de Mendonça Lima.

A permanência da comitiva presidencial em São José do Amatari, embora curta, permitiu que várias pessoas fossem a bordo cumprimentar Afonso Pena, e à frente delas estava o diretor da Colônia, coronel Ismael Bezerra de Menezes que, em breves palavras, descreveu a realidade socioeconômica local satisfazendo à curiosidade da comitiva presidencial.

Dias depois, Ismael Bezerra de Menezes viajaria para Itacoatiara a fim de entregar um relatório escrito sobre os acontecimentos ao superintendente Luiz Stone.

Já madrugava quando o Maranhão deixou São José do Amatari. Segundo revelado pelo Jornal do Commercio, o presidente Afonso Pena “[…] chegou às 06:45 horas do dia 26 e, introduzido no seio da capital amazonense, foi recepcionado pelo governador Antônio Constantino Nery, todo o mundo oficial e grande massa popular”. Em seguida, o ilustre visitante “foi encaminhado ao Palacete Silvério Nery, destinado à sua pousada”.

Os dois dias e meio de sua estada em Manaus foram de intensa programação recheada de reuniões, banquetes, passeios e homenagens.

A constatação do progresso de uma capital plantada no meio da selva levaria Afonso Pena a proclamar: Manaus é uma revelação!

No dia 28 de junho de 1906, após o almoço e as despedidas de praxe, o Maranhão levantou ferros e partiu do porto de Manaus em direção a Belém. Em menos de duas horas o navio oficial ultrapassou Itacoatiara.

Dali a cento e quarenta dias Afonso Pena assumiria a Presidência da República. Seu governo, ao priorizar a administração e relegar a política, amargaria grave crise, acelerada por ocasião da escolha de seu sucessor.

Em 14 de junho de 1909 faleceu no Palácio do Catete, após rápida enfermidade, amargurado pelos desgostos da política e a perda de seu filho e oficial de gabinete, Álvaro Pena. Foi substituído pelo vice-presidente Nilo Peçanha.

A visita do presidente Afonso Pena ao Amazonas coincidiu com o início da crise da borracha. Segundo a dissertação do historiador Antônio Loureiro, “[…] Apesar dos grandes rendimentos fornecidos pelo monopólio da borracha, o Estado do Amazonas à época não gozava de boa situação financeira. Teve que fazer inúmeros empréstimos com o objetivo de cobrir as vultosas despesas realizadas. […] Em 1906 a dívida flutuante atingia a mais de 20 mil contos de réis. […] Em 1907, a dívida passiva elevava-se a mais de 32 mil contos”.

Era o começo do fim de um largo período de pujança econômica que, segundo o confrade e atual presidente da Academia Amazonense de Letras Robério Braga, “se determinou chamar de belle époque amazonense”. Financiada pelo látex, a belle époque iniciou-se em 1870, período centrado principalmente na cidade de Manaus (a chamada Paris dos Trópicos), que foi marcado por intensiva modernização desta capital no século XX, com avanços arquitetônicos em relação às demais cidades do País, vivendo seu apogeu entre 1890 e 1920. Era a ilusão do fausto. Nos anos 20, quando a produção amazônica respondia por apenas 5% do consumo mundial de borracha, Manaus amargou dias difíceis. Do dia pra noite, se foram acabando o luxo, os esbanjamentos, as opulências sustentadas pelo trabalho praticamente escravo dos seringueiros embrenhados na selva. A miséria substituiu a opulência.

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Antes de se eleger presidente em 1906, Afonso Pena concorrera ao pleito presidencial de 1º de março de 1894, a segunda eleição presidencial do País marcando o fim da República da Espada, dos governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, e o início da República Oligárquica, dos governos civis que comumente representaram os interesses dos grandes proprietários rurais. Naquele pleito, concorrendo pela oposição, Afonso Pena foi fragorosamente derrotado pelo candidato situacionista Prudente de Morais.

Prudente de Morais foi sucedido por Campos Salles o qual, no quadriênio seguinte, transferiu o governo a Rodrigues Alves, antecessor de Afonso Pena. De acordo com Laurentino Gomes, Campos Salles, na cerimônia de sua posse, em 15 de novembro de 1898, anunciou “[…] uma política nacional de tolerância e concórdia. Tratava-se de uma vasta aliança entre o governo central e os chefes políticos regionais, que, em troca do apoio ao presidente, tinham total liberdade para mandar em seus domínios de acordo com seus interesses. Começava ali a ‘política dos governadores’, que dominaria a República Velha brasileira até a Revolução de 1930. As oligarquias se perpetuariam em todo o País […], caso dos Acioly no Ceará, dos Nery no Amazonas e dos Rosa e Silva em Pernambuco. […] A fraude eleitoral campeava por toda a parte, favorecida pelo voto a descoberto e pela falta de independência do eleitorado. Nos pleitos, a oposição era sistematicamente sacrificada”.

No fundo, o sistema da Velha República era muito semelhante ao dos velhos tempos da Monarquia. Ainda conforme o autor acima citado:

“[…] Em vez de imperador vitalício, governava o País um presidente eleito ou reeleito a cada quatro anos, mas a diferença era apenas nominal e de aparência. Os agentes mudavam de nome, mas os papéis permaneciam o mesmo. Onde antes havia barões e viscondes, entravam os caciques políticos locais, muitos deles, curiosamente, antigos coronéis da Guarda Nacional, dando origem à expressão ‘coronelismo’”.

Enfim, a República brasileira, para se viabilizar, teve de vestir a máscara da Monarquia. Como observou o jurista/sociólogo Raymundo Faoro,

“[…] Depois de dez anos de tropeços, [a República] descarta-se, como o Império […], do mais sedicioso e anárquico de seus componentes: o povo”.

Não por acaso, o fim da Monarquia não abriu caminho para que os velhos dilemas da exclusão social, política e econômica fossem finalmente colocados em questão. Formada por uma população pobre e inculta, a Nação brasileira passou das mãos dos militares para as novas elites agroexportadoras. O novo regime não se transformou em instrumento de diálogo entre as classes dirigentes do Brasil e a grande massa de proletários rurais e urbanos. A ausência deste diálogo acabou permitindo que uma série de revoltas colocasse em voga o enorme vão que separava o Estado e as maiorias que deveria de fato representar. Uma dessas revoltas ocorreria em Manaus em 1910. No dia 8 de outubro a cidade foi bombardeada e o então governador Antônio Bittencourt deposto e preso. Reassumiu o cargo 20 dias depois por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal e a ajuda do Exército, à ordem do presidente Nilo Peçanha.

*Capítulo Primeiro do livro Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara, do Autor.

Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir.

https://franciscogomesdasilva.com.br/obras-literarias/

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