Presidente Washington Luís
Washington Luís Pereira de Sousa. Nasceu na cidade de Macaé/RJ, em 26 de outubro de 1869. Foi aluno interno do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Formado pela Faculdade de Direito de São Paulo (1891), nomeado promotor de Justiça em Barra Mansa/RJ, mas preferiu dedicar-se à advocacia. Ingressou na carreira política como intendente (vereador) em Batatais, no Estado de São Paulo (1897) e em seguida assumiu a Prefeitura Municipal (1898- 1900). Deputado estadual pelo Estado de São Paulo (1904-1906), secretário de Justiça e Segurança Pública (1906-1912) e novamente deputado estadual (1912-1913). Prefeito de São Paulo (1914-1919), presidente do Estado de São Paulo (1920-1924) e senador da República (1925-1926). Eleito décimo terceiro presidente do Brasil e o último da República Velha (1889-1930), em 1º de março de 1926, assumiu em 15 de novembro do mesmo ano, sendo deposto pela Revolução de 1930, em 24 de outubro. Faleceu em São Paulo no dia 4 de agosto 1957.
O descontentamento social contra o sistema oligárquico dominante na política brasileira ganhou força a partir dos anos 1920. Essa insatisfação partiu da população dos grandes centros urbanos, que não estava diretamente sujeita às pressões dos “coronéis”. O clima de revolta atingiu as Forças Armadas difundindo-se sobretudo entre jovens oficiais, daí surgindo o Tenentismo, expressão político-militar calcada na ação dos tenentes do Exército brasileiro, solidários com a indignação popular então imperante.
O Tenentismo visava o combate às oligarquias locais, apoiadas nas forças estaduais de polícia. Sentindo-se que se esgotavam os meios de participação pela via institucional da época, os militares davam vazão à violência, gerando um ciclo de rebeliões por todo o País. A revolta inaugural do Forte de Copacabana/RJ, de 5 de julho de 1922, desdobrar-se-ia em outros movimentos armados como a Revolução Paulista, de 5 de julho de 1924, a marcha da Coluna Prestes, de 1925, a Revolução de 3 de outubro de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932.
O movimento tenentista teve forte presença na Amazônia, através das revoltas de 1924 e 1932. A primeira, irrompida em Manaus no dia 23 de julho de 1924, estendeu-se até Óbidos, no Pará, e foi sufocada pelas tropas do general Mena Barreto. A revolta trouxe consequências políticas para Itacoatiara causando a deposição e prisão do superintendente Antônio Guaycurus de Souza e de seu secretário-tesoureiro Augusto de Vasconcellos Dias. A segunda revolta, iniciada na mencionada cidade paraense, em 19 de agosto de 1932, pretendendo ocupar Manaus culminou com a batalha naval de 24 de agosto daquele ano, em frente à cidade de Itacoatiara.
Escrevi em 2003:
“[…] O Tenentismo é um capítulo interessante da história contemporânea do Brasil. Mas, em relação ao estudo das rebeliões amazonenses, ainda há lacunas de avaliação crítica. Isso se deve talvez à pequenez da bibliografia local, insignificante, se comparada à que existe em outros pontos do território pátrio também atingidos por entreveros do setor. Movimentos singularíssimos, que não contaram com a participação e o comprometimento das massas, os eventos de 1924 e 1932 pouco ou quase nada trouxeram de contribuição para a mudança dos quadros amazonenses. Numa avaliação simplista, trataram-se de eventos passageiros, nascidos dos arroubos de militares idealistas que receberam o aplauso fácil e um acompanhamento frio do grosso da população, as mais das vezes transformada em espectadores ensimesmados. Enquando os revoltosos “guerreavam” e se instalavam no poder, o povo os acompanhava de longe, atônico, às vezes sem esboçar emoção. Houve momentos inclusive em que o cidadão comum antipatizou com os rebeldes”.
Quanto à Batalha Naval de Itacoatiara, o episódio está umbilicalmente ligado à Revolução Constitucionalista que eclodiu em São Paulo em 1932, orientada e presidida pelo movimento tenentista que exigiu do presidente Getúlio Vargas a redemocratização do Brasil. A sublevação estendeu-se à Amazônia, começando com o levante de 19 de agosto daquele ano na cidade paraense de Óbidos. O passo seguinte dos revolucionários, comandados por Alderico Pompo de Oliveira, fazendo causa comum com os insurretos paulistas, foi apreender os vapores Jaguaribe, pertencente à empresa Pereira Carneiro & Cia., e Andirá, da inglesa Amazon River. Ambos, armados em guerra com canhões Krup, de 75 mm, metralhadoras, fuzis e farta munição, acompanhados de duas lanchas, subiram o rio Amazonas tencionando ocupar Manaus e depor o governador do Estado.
Porém, a tentativa dos revoltosos teve seu desfecho em 24 de agosto com a vitória da frota legalista em frente à cidade de Itacoatiara, onde estão fundeados Jaguaribe e Andirá, abalroados pelos navios Baependi e Ingá, dos legalistas. E se assim não tivesse acontecido, a cidade de Manaus certamente teria sido atingida – como o foi Parintins, ocupada e saqueada pelos revoltosos – trazendo graves consequências para o comando da legalidade.
À época, governava o Estado do Amazonas o tenente Rogério Coimbra, porém, estando este ausente de Manaus, à frente do governo estava interinamente o secretário-geral Waldemar Pedrosa. As forças navais de defesa, comandadas pelo capitão-de-fragata Nelson Lemos Basto, capitão dos portos do Amazonas, compunham-se de uma flotilha de cinco vapores: Baependi e Ingá, do Loide Brasileiro, Rio Curuçá, Rio Aripuanã e Rio Jamari, da Amazon River, além da lancha Íris. A guarnição de terra, em Itacoatiara, esteve sob a direção do primeiro tenente Álvaro Francisco de Souza, auxiliado pelo tenente Albuquerque, ambos do 27º BC.
A eles foram incorporados o prefeito Gonzaga Pinheiro, o tenente Francisco Júlio e dezenas de civis, habitantes de Itacoatiara. Da defesa da cidade também participaram elementos da Guarda Civil do Amazonas, comandadas pelo capitão Jonathas Correia. Contava-se cerca de cem combatentes, entre praças do 27º BC, policiais civis e voluntários, e a todos foram distribuídas armas e munições. Várias trincheiras foram abertas ao longo das ruas da orla, do centro ao bairro do Jauari.
Na Batalha Naval de Itacoatiara, além dos navios fundeados (os referidos Jaguaribe e Andirá), morreram cerca de quarenta pessoas e quase duas dezenas de feridos foram trazidos para internação na Santa Casa de Misericórdia de Manaus. Os líderes da revolta foram presos e julgados por um conselho de guerra instalado à época em Belém.
A partir do Tenentismo, a inquietação política tornou-se crônica no Brasil. O desenvolvimento nacional passou cada vez mais a depender das atividades urbanas, sobretudo as do setor industrial. O número de estabelecimentos fabris e, consequentemente, de operários, cresceu de forma espantosa. Mas o governo continuava privilegiando os lucros das atividades agrícolas. Nem mesmo a indicação de um candidato único, Washington Luís, para suceder o presidente Artur Bernardes em 1926, foi capaz de eliminar o problema central do velho regime: o domínio político e econômico dos fazendeiros.
Para fazer frente às agitações políticas e sublevações de caráter tenentista, Artur Bernardes governou todo o período 1922-1926 em estado de sítio. A situação econômica era crítica, de inflação alta e queda no valor das exportações. Ao tempo, em consonância com a Constituição Federal de 1891, as eleições presidenciais eram realizadas individualmente e do pleito de 1º de março de 1926 resultaram ser eleitos o presidente Washington Luís, com 688.528 votos, e o vice-presidente Melo Viana, com 685.754 sufrágios.
Duas grandes medidas que se destacaram no governo de Washington Luís (15 de novembro de 1926 a 24 de outubro de 1930) foram a construção de estradas e a reforma financeira. Logo são iniciadas as grandes rodovias, a Rio-São Paulo e a Rio-Petrópolis. Para simbolizar sua administração, escolheu a frase “Governar é abrir estradas”. A reforma financeira não chegou a se concretizar, pois a Caixa de Estabilização, criada com a finalidade de emitir papel-moeda lastrado, não suportou as pressões decorrentes da queda da Bolsa de Nova Iorque, ocorrida em outubro de 1929.
À época, a política governamental afastou do presidente o apoio de uma parte da oligarquia cafeeira, pois Washington Luís se negou a prestar auxílio ao setor, que sofria com os efeitos da crise mundial de 1929. O recrudescimento da crise, no ano seguinte, atingiria fortemente a economia brasileira, provocando desemprego e dificuldades financeiras.
************
Assim que proclamado presidente, em 1926, Washington Luís decidiu visitar o Amazonas -viagem que se iniciou por Itacoatiara e culminou com seu desembarque em Manaus, em 20 de julho daquele ano. Acompanhavam-no o secretário Rodolpho Sartorelli e o ajudante-de-ordem capitão Antônio Goulart. O navio Pará, que os transportava, deixou o porto de Santos em 29 de maio, aportou em Recife em 10 de julho e, de lá, no dia 12 viajou direto ao nosso Estado.
O Amazonas atravessava então muitas dificuldades. Motor da economia regional, a comercialização dos produtos extrativos não era estável. À influência do mercado asiático, o preço da borracha estava sempre oscilando. Os portos de Manaus e Itacoatiara, além de receberem navios das empresas nacionais Companhia Fluvial e Navegação B. Levy, que faziam a linha do Madeira, acolhiam vapores da frota inglesa The Amazon River Steam Navigation, realizando a conexão de Belém, dos rios Juruá, Purus e Madeira, além dos paquetes da Booth Line e Lamport & Holt Line, responsáveis pela navegação da Europa e da América do Norte, e do Lloyd Alemão fazendo a linha regular de carga entre Hamburgo, Bremen e a Amazônia.
Após uma ligeira parada em Belém, a comitiva presidencial subiu o rio Amazonas passando ao largo de Santarém, precisamente às 10:15 horas do dia 18, e, à 1:00 hora da manhã seguinte, ultrapassou Parintins. À tarde de 19 de julho, Washington Luís mandou que o Pará ancorasse em Itacoatiara, especialmente para receber Carlos Pereira da Silva, juiz de direito da Comarca, seu velho amigo e colega de curso na Faculdade de Direito em São Paulo. Em companhia desse magistrado, do prefeito Isaac Perez, do presidente da Câmara Araújo Costa, dos vereadores Antonio Soares Pereira, Osório Fonseca, Armindo Ausier, Cassiano Secundo, Hiran Fonseca e outros próceres municipais, o futuro chefe da nação passeou pelo centro histórico de Itacoatiara, sendo alvo de grandes manifestações. Deixou a cidade após as 16:00 horas.
Até um tempo atrás havia dúvidas sobre o roteiro cumprido pelo presidente Washington Luís em Itacoatiara. Ele teria descido do navio que o conduzia? Caminhado pela cidade? Face à inexistência de escritura destinada a comprovar tais fatos, o Autor optou por socorrer-se das “histórias de velho”, ou seja, entrevistei antigos moradores incluindo testemunhas presenciais – infelizmente, hoje, todos falecidos! E aqui ressalto trechos dos depoimentos do comerciante Ilídio Ramos, prestado em 25 de outubro de 1987, e do músico Doca Rattes, colhido em 27 de setembro de 1997, que os sumario abaixo:
Ilídio Ramos:
“[…] Quando de sua passagem por Itacoatiara, o presidente Washington Luís passeou de carro de luxo [puxado a cavalo], dirigido pelo português José de Oliveira”. Doca
Rattes:
“[…] O presidente não saltou em Itacoatiara, tendo falado diretamente ao povo da sacada do navio que o conduzia, atracado no porto da cidade”.
Numa simples vista-d’olhos, tais relatos parecem divergentes. Especialmente quando Doca Rattes informa: “o presidente não saltou na cidade”. E, se assim fosse, Washington Luís não teria “passeado no carro de luxo do velho Oliveira”, conforme asseverou também Ilídio Ramos. Na verdade, descontado um ou outro equívoco, os fatos realmente aconteceram. Após a atração do navio Pará, o presidente deslocou-se da área onde atualmente é a Praça Luiza Valério (famosa Pracinha do Relógio). Dali, acomodado no “carro de luxo” do velho Oliveira, foi conduzido pela rua Quintino Bocaiuva até à sede da Superintendência, nos altos do Palacete Aquilino Barros.
Na volta, pouco depois, falou “diretamente ao povo da sacada do navio”. Transcorria o mês de julho, era época de cheia e, à inexistência de um cais acostável em Itacoatiara, para facilitar os serviços de embarque e desembarque de passageiros, os navios eram presos por grossos e fortes cabos de manilha a um tronco de madeira de lei fincado defronte à referida praça, ao lado da Escada Municipal – e, assim, os visitantes desciam sob as vistas do público passante ou ali estacionado.
Ao amanhecer do dia 20, o navio oficial já se aproximava da capital. Depois de saudado por uma salva de foguetões no encontro das águas, foi escoltado por cerca de quinze navios, tendo como capitânia o Inca, e levado até o ancoradouro da Manáos Harbour. A bordo do Inca iam o presidente do Estado do Amazonas, Efigênio de Salles, o prefeito Araújo Lima, o secretário geral do Estado, o chefe de Polícia, o comandante do 27º BC, o capitão do porto, outros agentes públicos e membros da imprensa. Nas demais embarcações seguiam familiares de autoridades, chefes de repartições, representantes da sociedade civil e outras pessoas gratas.
No cais do porto de Manaus, onde o Pará ancorou às 8:00 horas, aguardavam o bispo dom Basílio Pereira, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Monteiro de Souza, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sá Peixoto, cônsules de países amigos, membros da magistratura e do parlamento estadual, prefeitos e intendentes de vários municípios do interior, profissionais liberais e milhares de populares. Ao som do Hino Nacional, executado pela banda de música da Força Policial, saltou Washington Luís que, ladeado pelo presidente do Estado, foi saudado pelo prefeito da capital.
Durante sua permanência em Manaus, hospedado no Palácio Rio Negro, o presidente cumpriu uma pesada agenda, mas foi sempre prestigiado pelo povo. Junto ao chefe do governo estadual esteve estudando alternativas de solução para os gravíssimos problemas do Amazonas, especialmente as dívidas interna e externa e a indenização do Acre. Sem o socorro do governo federal seriam impossíveis o cumprimento das obrigações do Estado e a reabilitação de seus créditos. A situação do Acre estava pendente da decisão do Supremo Tribunal Federal. O descalabro financeiro tinha por origem os empréstimos externos de 1906, 1913 e 1915, a irresponsabilidade fiscal e o que resultara dos motins políticos de anos anteriores. No final de 1926 o montante dos compromissos estaduais ascenderia a quase 115 mil contos de réis, representando 80% do total das obrigações do Tesouro.
No almoço, na residência do jornalista Vicente Reis, reunindo em 21 de julho o presidente da República e seus ex-colegas de bancos escolares – o juiz de Itacoatiara Carlos Pereira da Silva, o desembargador Sá Peixoto e o próprio anfitrião – serviu para recordar, segundo o presidente do Tribunal de Justiça, que o saudou reportando
“[…] os tempos felizes e descuidosos da mocidade, cheios de sonho e ilusão [passados] entre antigos colegas da Academia, aqui residentes, e o velho companheiro da Paulicéia […] o jovem acadêmico de outrora, cujas qualidades e virtudes o fizeram eminente, o consagrado estadista de hoje”.
Na manhã de 22 de julho, o presidente visitou a Escola Normal de Manaus, oportunidade em que foi saudado pela estudante Erothides Rebello Vital. Jovem do interior, de tradicional família amazonense, nasceu e cresceu na cidade de Itacoatiara. Dominando bem a escrita e a oratória, mais tarde Erothides Vital se destacaria no contexto cultural e do magistério público do Estado do Amazonas.
Finalmente, antes da meia-noite do dia 23, após homenageado no Ideal Clube, Washington Luís fez suas despedidas e, acompanhado de autoridades e grande multidão, dirigiu-se ao cais do porto de Manaus e embarcou no Pará rumando direto a Belém. Quatro meses depois assumiria o governo federal no Rio de Janeiro.
*Capítulo Segundo do livro Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara, do Autor.
Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir.
https://franciscogomesdasilva.com.br/obras-literarias/
Views: 47