Manaus, 29 de abril de 2025

Raízes da Amazônia Lendas I

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*Wilma Tereza dos Reis Praia

Continuação…

Outras Lendas

A GRANDE ESTRELA

LENDA DA ESTRELA D’ALVA, DOS ÍNDIOS CARAJÁS.

Há muito tempo, a tribo dos carajás não sabia cultivar as plantas, mas conhecia e vivia da caça, da pesca. Não plantavam, pois não sabiam como preparar um terreno, nem mesmo para cultivar milho, mandioca ou algum fruto.

Quando chegava a estação das chuvas, que durava muito tempo havia dias que nem mesmo tinham o que comer.

Na aldeia dos carajás existiam duas irmãs: Imahéro, a mais velha, e Dénakê, a mais jovem. Dénakê e sua irmã olhavam o céu apinhado de estrelas, em companhia do pai, que lhes contava lindas histórias e lendas, quando Imahéro teve uma sensação estranha.

Ao olhar para uma grande estrela que brilhava intensamente à sua frente, seu coração disparou com muita força deixando-a estática. Recobrando o fôlego perguntou a seu pai:

– O que é que está brilhando tanto ali? – Gostaria de tê-la.

O pai pôs-se a rir.

O pai explicou: É Tahina-Can, a Grande Estrela, está muito longe daqui ninguém pode alcançá-la. O único meio para consegui-la é desejá-la vivamente. Se ela te ouvir e se quiser vir viver contigo, o teu desejo poderá se realizar.

Quando adormecia, a índia só pensava em Tahina-Can.

No decorrer da noite, ouviu alguém entrar em sua oca e um pouco temerosa perguntou:

– Quem está ai? Quem é você?

– Sou Tahina-Can respondeu uma voz.

Imahéro alegremente precipitou-se para a luz que brilhava intensamente na escuridão. Chamou o pai e a irmã, e acendeu um lume para ver com o que se parecia a Grande

Estrela.

Qual não foi sua decepção quando se deu conta que a Grande Estrela que brilhava tanto no Céu não era mais do que um velho com uma barba e cabelos brancos como o algodão. Encolerizou-se e gritou:

– Vai-te embora. Não te quero para marido. És muito velho e muito feio. Vai-te embora.

Tahina-Can voltou-se e pôs-se a chorar, muito baixinho. Dénakê correu para ele, tomou-lhe as mãos nas suas e disselhe:

– Aceito casar contigo. Quero que tu sejas meu marido.

O velho ficou muito feliz. O casamento foi celebrado a partir do dia seguinte. Então o velho disse à sua jovem e linda mulher:

– Vou agora para a floresta desbravar um terreno e plantar neles um monte de coisas boas, plantas que os carajás nunca viram, mas tenho que ir só.

Entrou no rio e, dizendo-lhe algumas palavras mágicas, entrou na água até aos joelhos. Debruçou-se em frente da corrente.

De tempos em tempos, mergulhava uma mão na água e tirava dela algumas sementes de milho e todas as outras plantas que hoje os carajás cultivam. Depois se dirigiu à floresta para desbravar um terreno.

Dénakê estava inquieta por vê-lo demorar. Era muito velho e muito fraco para fazer trabalhos tão duros. Devia ter acontecido alguma coisa a ele. Talvez estivesse ferido, não podia esperar mais, decidiu desobedecer-lhe e ir ao seu encontro, porque a noite estava chegando.

Ao chegar à clareira que o marido acabava de abrir, não o avistou. A sua inquietação aumentava à medida que se aproximava. Viu então um jovem que estava a espalhar cinzas quentes pelo solo.

– Não vistes um velho? perguntou ela ao rapaz. – É meu marido e estou muito inquieta porque ainda não voltou à aldeia. Tenho medo de que lhe tenha acontecido alguma desgraça.

– Sou Tahina-Can, respondeu o belo rapaz. – Não sou um velho. Tomei aquela aparência para experimentar os sentimentos da jovem que tanto desejava casar comigo.

A experiência valeu a pena. Estou muito feliz que tu tenhas aceitado casar comigo, apesar da aparência que julgavas ser a minha. Foi para recompensar tua bondade que ofereci ao teu povo todas estas culturas. Vem, voltemos à aldeia, vamos contar-lhes tudo.

Quando Tahina-Can acabou a sua história, Imahéro soltou um grito lúgubre e caiu sem sentidos.

Alguns segundos mais tarde, o seu corpo volatizou-se e, em seu lugar, apareceu uma ave de rapina que, a partir desse dia, erra todas as noites, quando mal aparecem as estrelas, ululando tristemente.

PORONOMINARE (POVO BARE)

Os baré ocupavam um território de mais de 165 mil km2, incluindo o curso médio e superior do rio Negro, a região do canal Cassiquiare e o rio Mavaca.

Os Baré foram um dos primeiros grupos indígenas do rio Negro afetados pelo contato com o branco europeu. De fato, desde 1669, eles estavam reunidos com os baniwa e os passé na Fortaleza São José do Rio Negro (atual Manaus), forte militar que servia de base para as incursões na região do rio Negro, em busca de escravos.

Ao longo dos séculos foram, juntamente com outros grupos indígenas, reunidos em diversas fortalezas e vilas, onde eram submetidos ao trabalho servil. Sua língua foi gradativamente substituída pelo português, assim também como suas crenças, costumes e tradições foram adaptados, aos poucos, ao modelo português.

Conta à lenda que um dia o velho Kauará foi pescar na cachoeira do Bibure, mas, ao sair de casa, não disse para onde ia.

Ao término do dia ele ainda não havia chegado e sua filha ficou muito preocupada e disse consigo mesma:

– Onde está pahica, (paizinho) ninguém sabe para onde ele foi, vou procurá-lo pela beira do rio.

Ela foi procurá-lo sem dizer a ninguém para onde ia. Quando chegou a beira do rio, à Lua saiu alta e faceira no céu e logo clareou toda a mata. A moça sentou-se no chão e fitando a Lua percebeu que do centro dela saia um vulto que descia à Terra. Nesse instante a moça adormeceu, e quando acordou a Lua sumia do outro lado do céu.

Queria chorar, pois sentia seu coração triste.

Ao chegar à sua casa e não a encontrando, o pai sentiu um aperto no coração. Como era um pajé, procurou logo saber onde estava a filha, não conseguindo ver senão sombras.

Cheirou bem paricá, acendeu outro tabaco, sondou novamente e viu uma sombra de homem subindo da terra para o céu. Quis agarrá-la, mas a sombra sumiu e ele adormeceu.

Quando acordou olhou para todos os lados e, não vendo sua filha, decidiu que a encontraria de qualquer jeito nem que fosse ao céu.

Desde aquele dia, todos os dias Cauará procurava sua filha com sua pajelança.

A filha do pajé tinha descido o rio de manhã bem cedo, e nesse dia anoiteceu em cima de uma serra.

A Lua saiu linda para ela, que logo adormeceu, e sonhou que tinha um filho homem, dono de todas as coisas.

Acordou em seguida com barulhos de água e percebeu que estava quase para ir ao fundo, avistou uma ilha e nadou em sua direção. Um peixe mordeu sua barriga tirando de dentro alguma coisa. Em terra firme sentindo a barriga rasgada passou a mão nela e nada encontrou.

A água continuou crescendo e a ilha mergulhando; a moça quis subir numa árvore, mas não sabia como. Uma caripirica veio sentar-se junto a ela numa árvore, e a moça pediu a ela para levá-la para cima da árvore, no que esta respondeu:

– Sim vou dar-te uma pussanga, esfrega com ela teu corpo, engole o resto. Assim ela o fez e ao engolir o resto da pussanga virou guariba e logo subiu na árvore.

Seu pai por meio da pajelança viu que o filho de sua filha estava na terra e começou a jejuar para encontrá-lo. Um dia, ele viu, através de sua sombra, uma pessoa com cabeça de pássaro e seu coração aconselhou-o a ir procurar seu neto.

O dia vinha vermelhando quando o pajé pegou suas flechas e foi para o mato. Todo o animal que lhe atravessava o caminho ele já pensava que era o seu neto. Ao chegar junto de um igarapé, ele encontrou uma gente com cabeça de pássaro.

Seu neto cantava fitando o sol, o velho chegou-se para bem perto dele e disse:

– Meu neto, estou com fome, aqui está meu arco, minha flecha, vai caçar para nós comermos. E assim falando voltou pelos caminhos de onde vinham e estando distante assim falou consigo mesmo: quem sabe se este é mesmo o meu neto, vou experimentar se é mesmo ele. Assim dizendo, no mesmo instante virou lagarto e voltou.

Quando o povo que tinha cabeça de pássaro viu o teiú passar junto dele, virou gente de verdade, entesou o arco flechou o teiú bem na cabeça. O teiú correu e chegando bem longe tornou a virar gente e disse:

– É mesmo meu neto, quase me mata.

O neto foi matando tudo o que encontrava diante dele. Quando chegou a noite, encontrou o velho trazendo uma porção de caça para ele e disse:

– Meu avô, aqui está a minha embiara, tuas flechas são boas, só escapou de mim um teiú porque a flecha saiu da sua cabeça.

O velho então convidou o neto para comer e disse que ia cozinhar a embiara que ele trouxera. Depois que cozinhou a caça o velho chamou o neto para comer porque estava com sono e queria logo dormir.

O neto percebeu que o avô estava ferido na cabeça e perguntou quem o tinha ferido, e ele disse que tinha sido uma dari-dari (cigarra) cega que tinha lhe batido, pois seus olhos estavam queimados pelo sol.

Ao fim da refeição o moço foi treinar para flechar bem, enquanto que seu avô foi para o quarto sondar, pois aquela noite seria muito bela em sua imaginação. Viu a filha virada em guariba e quase morrendo de fome.

De manhã bem cedo, chamou seu neto para salvar uma porção de bichos que estavam quase morrendo afogados, e saíram imediatamente numa canoa descendo o rio. Quando chegaram, encontraram a água pelo meio da árvore e a guariba bem magra aparecendo os ossos.

Ele queria agarrá-la, mas ela pulava para outro galho; então o velho disse ao moço que ia jogar uma pedra na cabeça dela, e que ele ficasse debaixo da árvore para agarrá-la quando caísse, para que ela não se machucasse.

Assim fizeram e quando ela vinha caindo transformou se de novo em gente, e quando o pajé chegou à canoa encontrou sua filha gente com uma grande barriga, pois estava grávida.

O velho remou para casa e disse à sua filha que na sua casa tinha bastante comida para ela comer. Quando a moça acabou de comer sentiu um grande sono e dormiu até o dia seguinte e quando acordou disse a seu pai:

– Pahica, sonhei uma porção de coisas bonitas e quero contar-te. Sonhei que este filho que está dentro de mim nasceu em cima de uma serra grande. Seu corpo era transparente, e seus cabelos pretos, e nasceu falando. Ao nascer os animais vieram para junto dele alegrá-lo.

– Quando anoiteceu, meu filho tinha fome e chorava, pois meus peitos estavam secos, não tinham leite. Então surgiu um bando de beija-flores, com um bando de borboletas e trouxeram mel de flor, e deram para ele. Ele calou-se e seu rosto brilhou de alegria e os animais o lambiam de felicidade.

– Como eu estava caçando, deitei meu filho perto de mim e dormi. Quando acordei meu filho estava um pouco distante, quis ir para perto dele, mas os animais não me deixavam. Então gritei por meu filho e um bando de borboletas o suspenderam no ar e trouxeram para o meu lado.

– Quando o peguei, os animais se colocaram de pé para lambê-lo; eu senti ciúmes e levantei-o acima de minha cabeça, e os animais me derrubaram. Meu filho ficou suspenso pelas borboletas. Aí eu acordei e pensei que o meu sonho fosse verdade.

Então procurei meu filho e senti-o mexer dentro de mim, aí lembrei de tudo. O velho escutou em silêncio o sonho de sua filha, era muito bonito. Ele perguntou-lhe se ela não se lembrava de onde tinha vindo. Ela disse que não, mas lembrava que o pé da serra começa perto da margem de um rio.

O pajé foi sondar por meio da pajelança e viu que o seu neto que estava dentro de sua filha era o dono da terra. E que iria nascer naquela noite. Ao voltar para casa já era noite e um grande sono se apoderou dele e ele dormiu.

No meio da noite todos os animais acordaram alegres e cantaram bonito. Um barulho como de vento ecoava pelo céu, eram os pássaros que procuravam o que tinha nascido.

Pela manhã o velho acordou assustado com tanto barulho e perguntou aos animais o que estava acontecendo, então eles todos responderam:

– Nasceu Poronominare, dono da terra, dono do céu.

– Onde?

– Em cima da Serra do Jacamim.

Imediatamente o velho partiu para a Serra do Jacamim. Quando chegou ao tronco, não pôde subir, pois lá se encontravam uma porção de animais. Então ele virou jacuraru e subiu.

Poronominare estava sentado no cimo da Serra com uma zarabatana na mão dividindo a terra, mostrando a cada animal o seu lugar.

Assim a noite chegou e quando o outro dia apareceu tudo estava em silêncio na Serra do Jacamim, apenas um jacuraru grande estava encostado na pedra.

Ao longe, para onde o sol se põe, se ouvia a cantiga da mãe de Poronominare.

Ela cantava enquanto que as borboletas a levavam para o céu.

Continua na próxima edição…

*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.

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