Manaus, 5 de fevereiro de 2025

Raízes da Amazônia Lendas I

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*Wilma Tereza dos Reis Praia

Continuação…

Fauna

MATINTA PERERA

Algumas pessoas dizem que Matinta Perera seria uma bruxa amazônica, que, tendo poderes, transforma-se em uma ave negra, com hábitos noturnos, portanto prefere sair à noite. Perturba as pessoas pedindo fumo, se não é atendida, vinga-se jogando mandingas, porém seus poderes podem ser dominados.

A mitologia tupi diz ser a Matinta uma pequena coruja que canta à noite para anunciar a morte próxima de uma pessoa. Descrevem-na também como mulher grávida que deixa o feto na rede de quem lhe nega fumo para o cachimbo.

O Almanaque Abril,1995, descreve a Matinta Perera, também conhecida como mati, mati-pererê, como uma ave de nome cuculida que é agourenta.

Quando canta nas horas mortas da noite, quem está dentro de casa deve dizer: “Matinta, amanhã podes vir buscar tabaco (fumo).”

A LENDA

No Norte do Brasil, morava uma linda mulher, que se chamava Matinta Perera. Era alegre e feliz, seu passatempo predileto era fumar, porém, por ser muito bonita tinha um grande problema com seu marido que era muito ciumento e grosseiro.

Certo dia, quando Matinta estava grávida, seu marido chegou bêbado e bravo em casa, por isso os dois tiveram uma discussão feia e o homem acabou matando a esposa.

Matinta, porém, tinha forças sobrenaturais; assim, ao morrer, seu espírito pode se transformar em uma pequena coruja. Como ela gostava de fumar, de noite se transformava numa velha e batia nas residências pedindo fumo.

A dona da casa teria que dizer: “volta amanhã”. E ninguém se atrevia a faltar com o compromisso. Pois quem lhe faltava com o fumo, a Matinta deixava dentro da sua rede o seu feto morto.

Quando alguém de alguma família estava perto de morrer, Matinta transformava-se numa pequena coruja e, de noite, ia cantar no telhado da casa do enfermo.

OUTRA VERSÃO DA LENDA

Matinta Perera é uma velha vestida de preto, com os cabelos bastante assanhados caídos pelo rosto, que costuma sair ao escurecer, de preferência nas noites sem luar, em busca de tabaco e assustando as pessoas. Dizem que ela costuma subir nas árvores dos quintais para ficar assobiando, de preferência nos açaizeiros.

Quando sente a presença de alguém, a Matinta dá um assobio estridente daqueles de arrepiar causando verdadeiro pavor nas pessoas.

A Matinta Perera pode aparecer de diversas formas, na maioria das vezes transformando-se quase sempre em coruja, mas pode aparecer na forma de outros animais.

Para se descobrir quem é a Matinta Perera, a pessoa que ouvir o seu assobio deve convidá-la para vir à sua casa pela manhã para tomar café. Na manhã seguinte a primeira pessoa que chegar pedindo café ou tabaco é a Matinta Perera.

Contam que a Matinta Perera possui poderes sobrenaturais e que seus feitiços podem causar sérios prejuízos à saúde das pessoas, como fortes dores físicas e até a própria morte.

Contam ainda que, em certo dia, a Matinta Perera estava passando pela casa de uma mulher que era crente e que tinha ido ao quintal pegar umas folhas de erva cidreira, para fazer um chá para seu filho que estava com febre.

Quando a mulher voltou e já ia fechando a casa, a Matinta Perera assoviou forte e bem perto da senhora, que falou:

– Sangue de Jesus te repreenda!

Nesse momento a Matinta caiu bem perto da porta da senhora. No dia seguinte, bem cedo, a senhora foi acordada por populares que encontraram uma velha morta em sua porta.

Conforme a lenda, qualquer pessoa pode se tornar uma Matinta Perera. As pessoas amargas e mesquinhas têm maior chance, porque guardam sentimentos ruins que atraem a maldição.

A CUTIA DE OURO

Contam que o jovem Tauéná estava dormindo na sua rede, quando, pela madrugada, acordou com a conversa dos seus irmãos e de outros parentes, reunidos de cócoras em volta do fogo enquanto comentavam.

– Os buritizeiros do Igarapé dos Macacos estão carregados de frutos.

– Mas as araras, papagaios, periquitos e tucanos estão bicando os cachos.

– E a cutia, paca, o caititu e o rato coró estão comendo os frutos que caem no chão…

– Os bichos não saem derredor dos buritizeiros e estão acabando com os frutos.

Entre a Serra de Pacaraima de Roraima, no rio Cotingo, o rio Tacutu e o rio Maú o caçador mais destemido e astucioso era Tauéná, que de dentro da rede viu que seus irmãos se preparavam para ir ao buritizal do Igarapé dos Macacos. Ele pulou da rede e disse que também iria.

Tauéná não ia apanhar os frutos. Em seu entender, índio macho mesmo não colhe buriti, isso fica para mulher, velha e curumim. Índio macho mata caça, faz roça, traz cunhã para companheira.

Tauéná decidiu ir com eles para caçar anta, veado, queixada, caititu, cutia, paca.

Disse a mãe de Tauéná:

– Mas já temos tanta embiara no moquém! Tem macaco, veado, capivara. Tem o peixe jandiá, o acarapixuna, a pirapitinga.

Ele retrucou:

– Minha mãe! Tauéná tem flechas boas para matar caça.

A mãe de Tauéná ficou calada e não disse mais nada. Sabia que seu filho era tão valente quanto teimoso. Pensou,

consigo mesma: “E o Pai-do-mato ou o Cainhamé o castigara”. “Quando uma mãe diz algo de bom ou de mal, para seu filho, acontece”.

Assim Tauéná foi com os irmãos até o buritizal do Igarapé dos Macacos.

Ainda não era dia claro, mas os ouvidos e os olhos de Tauéná tudo distinguiam. Viu sombras rasteiras que se moviam em redor dos buritizeiros. Podiam ser porcos e cutias. No alto das palmeiras, aves e pássaros estavam cochilando.

Tauéná se alegrou em seu coração com o que via e ouvia. Nada, falou aos companheiros e foi separando as flechas: – Esta? Não… Esta? Sim.

As flechas eram novas, boas para matar anta, veado, porco, macaco, cutia, paca, marreca, pato e muito mais.

Aos poucos o dia foi se tornando claro em redor do buritizal. Ele então viu ali uma cutia-açu, grande como uma paca, sentada na terra, roendo a polpa de um fruto de buritizeiro.

Tauéná pediu aos companheiros que ficassem quietos. Abriu o arco, direcionou a pontaria e soltou a flecha.

Geralmente a flecha lançada por Tauéná levava a morte na ponta de osso, acapu ou bambu. Mas esta passou por sobre o lombo da cutia e nem a espantou.

Com raiva Tauéná abriu novamente o arco, direcionou e soltou a flecha no rumo da cutia e mais uma vez foi infeliz.

A cutia continuou a roer a polpa do fruto do buritizeiro, mas Tauéná lançou outra flecha, e outra, nada aconteceu.

Ficou mais enraivecido e saiu no encalço do bicho, pois seus companheiros o haviam espantado, com gritos e gargalhadas.

Ao fugir na frente de Tauéná, sob a luz do sol que a tudo iluminava, a cutia-açu, parecia toda de ouro maciço.

Tomando a dianteira de Tauéná, às vezes a cutia parava para continuar a roer o fruto de buritizeiro que levava entre os dentes, outras se punha a saltar de um lado para outro, enganando-o.

O caçador panema abria o arco, de novo, aprumava a pontaria e soltava a flecha, mas nada acontecia. A flecha de Tauéná silvava, por entre as patas de ouro da cutia ou por sobre a sua cabeça dourada, indo se cravar no chão.

Sempre perseguindo a caça, sem perceber, Tauéná transpôs os campos e boqueirões. A cutia de ouro seguia na frente dele, ora aos pulinhos, ora sentada, à sua maneira, roendo, roendo, a polpa do fruto do buritizeiro.

A cutia desapareceu de repente, por detrás de uma espessa moita de banana sororoca. Estavam numa enseada deserta do Surumu. Pé, ante pé, Tauéná tentou surpreendê-la e apanhá-la. Ao rodear a moita, deu com uma cunhã, sem tanga e sem tatuagens, de corpo dourado como o da cutia-açu.

O caçador se lançou sobre a moita de sororoca, para agarrar a cunhã.

A moita de banana sororoca se transformou numa touceira de unha-de-gato e de espera-aí, arbustos cheios de espinhos, trançados e retrançados pelas mãos do Pai-do-Mato ou Cainhamé.

Estavam numa enseada deserta do Surumu. A cunhã, sorrindo, saboreava um fruto de buritizeiro, e Tauéná, sem poder agarrá-la, rasgava o corpo nos espinhos da touceira de unha-de-gato e de espera-aí, que crescera em redor do corpo da cunhã.

Sete dias e noites seus irmãos rastrearam pelas serras, lavrados, campos, várzeas e boqueirões, afinal deram com ele, numa enseada deserta do Surumu, meio morto, meio vivo, delirando muito.

Os irmãos de Tauéná contam a todos o que aconteceu, mas ele não diz nada a ninguém.

Continua na próxima edição…

*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.

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