“O que está em jogo não é apenas uma tarifa de 10% ou uma sobretaxa de 40% – e sim o futuro de setores produtivos inteiros, com destaque para a Zona Franca de Manaus. Os Estados Unidos têm sinalizado que não querem mais depender de cadeias globais em setores considerados “sensíveis”, como tecnologia, energia e defesa. E qualquer país que esteja no meio do caminho dessa reindustrialização americana corre o risco de ser atropelado pelo trator da segurança nacional.”
A resposta protocolar do governo Trump ao pedido de consultas do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), publicada no final da tarde nesta sexta-feira, Folha de São Paulo, parece, à primeira vista, um sinal de civilidade diplomática. Aceita-se o pedido de diálogo, mas se ergue um escudo retórico: segurança nacional. Um argumento que, embora reconhecido formalmente no âmbito da OMC, tornou-se a nova muleta protecionista da potência norte-americana em tempos de beligerância comercial disfarçada de patriotismo econômico.
O governo anterior não inventou isso, Trump apenas elevou à categoria de doutrina. E o Brasil, mais uma vez, vê-se na incômoda posição de coadjuvante num tabuleiro que exige assertividade, estratégia e firmeza.
foto: History in HD/Unplash
A cortina de fumaça da “segurança nacional”
O que está em jogo não é apenas uma tarifa de 10% ou uma sobretaxa de 40% – e sim o futuro de setores produtivos inteiros, com destaque para a Zona Franca de Manaus. Os Estados Unidos têm sinalizado que não querem mais depender de cadeias globais em setores considerados “sensíveis”, como tecnologia, energia e defesa. E qualquer país que esteja no meio do caminho dessa reindustrialização americana corre o risco de ser atropelado pelo trator da segurança nacional.
O Brasil é uma vítima conveniente. De um lado, somos fornecedor de insumos estratégicos (como terras raras e alimentos), de outro, temos um setor industrial ainda dependente da exportação e pouco protegido em termos geopolíticos. Trump, como já demonstrou em seu primeiro mandato, não joga xadrez diplomático: prefere dominó com peças grandes e impacto rápido.
O que o Brasil pode – e deve – fazer?
Aceitar o jogo da OMC é importante, mas insuficiente. A instância máxima de apelação da entidade está paralisada desde 2019… por culpa dos EUA. Ou seja, mesmo que o Brasil ganhe, pode não levar. Essa é a ironia cruel de um sistema multilateral que virou refém de quem deveria sustentá-lo.
O Brasil precisa fazer três movimentos estratégicos:
- Internamente, reforçar a política industrial, sobretudo em áreas sensíveis ao tarifaço americano, como o setor eletroeletrônico e de tecnologias sustentáveis. A Zona Franca de Manaus cumpre um papel de peça-chave nesse esforço – e precisa ser tratada como tal.
- Diplomaticamente, articular com outros países do G20 e BRICS a pressão pela reativação do Órgão de Apelação da OMC. O multilateralismo não pode continuar sendo sabotado por interesses unilaterais disfarçados de patriotismo.
- Geoeconomicamente, criar alianças bilaterais com países que também estejam sofrendo com a agressividade comercial dos EUA. União Europeia, Índia, Indonésia, México e África do Sul podem ser bons parceiros nessa frente.
E a Zona Franca de Manaus?
A ZFM está dentro da equação de um novo tipo de guerra: a guerra por autonomia produtiva com valor agregado. Os EUA sabem que o Brasil tem capacidade de desenvolver, no coração da Amazônia, tecnologias verdes e cadeias industriais compatíveis com o século XXI. Ao sufocar setores estratégicos com tarifas, Trump sinaliza que não quer concorrência – nem mesmo simbólica – vinda da floresta em pé.
Polo Industrial de Manaus. Foto: Divulgação/Suframa.
Mas há uma oportunidade escondida nessa crise. O Brasil pode fazer da ZFM um símbolo de soberania produtiva verde, resistindo ao desmonte industrial e às pressões externas. É hora de redirecionar incentivos, conectar a Zona Franca às universidades, às startups e aos fundos de inovação sustentável. Defender a ZFM hoje é defender o futuro industrial do Brasil e sua posição no mundo.
Um alerta final
O prazo para a consulta na OMC é uma incógnita, tampouco há garantias de que ela vá gerar resultados práticos. O que há, no entanto, é um símbolo: os EUA aceitaram conversar. Cabe ao Brasil fazer dessa brecha uma trincheira de defesa estratégica. Porque enquanto Washington protege seu aço, alumínio e chips com o manto da segurança nacional, cabe a nós proteger o que temos de mais valioso: nossa soberania produtiva e ambiental.
A Amazônia não pode ser o preço da rendição comercial.
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