Manaus, 11 de dezembro de 2024

Suframa e a Portaria GM/MDIC 395: Redenção do Amazonas

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Questão central

O Estado do Amazonas, principal referência ecológica do planeta, com sua economia centrada nos tributos gerados na Zona Franca de Manaus, detém atualmente e em forma recorrente, os piores indicadores de desenvolvimento humano do Brasil e, também, entre os piores do planeta. Contraditoriamente, a desigualdade social e econômica nesse Estado continua crescendo à medida que essa mesma Zona Franca se aproxima de U$700 bilhões (valor atualizado) gerados desde a sua criação em 1967. Uma tragédia social num Estado que possui cerca de 4,2 milhões de habitantes e mais de 500 mil pessoas em condição de pobreza extrema. Considerando que a Suframa que gere e fiscaliza a Zona Franca de Manaus (doravante denominada ZFM) é uma autarquia federal criada por meio de incentivos fiscais públicos para promover o desenvolvimento social e econômico na Amazônia ocidental, pergunta-se: qual é a relação entre a sua função e as suas respectivas metas sociais e econômicas atingidas durante sua existência institucional? Qual é o seu grau de interatividade com as demais cadeias produtivas do Amazonas? Como potencializar a sua estrutura e a sua logística para aperfeiçoar as políticas públicas dos municípios amazonenses? Que modificações devem ser incorporadas em sua política industrial visando torná-la mais eficiente, inclusiva, empreendedora e distributiva, em bases sustentáveis? Como instrumentalizá-la para o desenvolvimento sustentável da Amazônia ocidental? Estas são questões estruturantes que precisam ser resolvidas no futuro-breve. A concepção, estruturação e organização operacional da Suframa tem muitas distorções técnicas que precisam ser retificadas e reorientadas em direção ao desenvolvimento econômico eficaz, distributivo e compartilhado do Amazonas.

Tomando este quadro como referência é com muito respeito e serenidade que os gestores dessa Autarquia pública e das demais instituições do Amazonas devem acolher a importante e necessária ação governamental, instrumentalizada por meio da Portaria GM/MDIC 395, que visa avaliar e, se necessário, criar elementos técnicos que possibilitem redirecionar seus objetivos e metas. Uma iniciativa que certamente construirá novos mecanismos operacionais fundamentais ao aperfeiçoamento dessa importante Autarquia Federal. Este texto tem a pretensão de esclarecer aspectos estruturantes do atual modelo industrial da ZFM que se põem como entraves e têm dificultado a sua transformação, majoritariamente, de centro de montagem para um Polo Industrial e Tecnológico inovador e dinâmico. Certamente essas questões estruturantes farão parte da pauta de trabalho dos especialistas que compõem o grupo de trabalho criado pela Portaria GM/MDIC 395.

1. A Portaria Ministerial e o futuro do Amazonas

Como se constata, o Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e Vice-Presidente do Brasil, Geraldo Alckmin – por meio da Portaria GM/MDIC N0 395, publicada em 26 de Novembro de 2024 – instituiu um grupo técnico permanente para assessorar na supervisão da política pública da Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus. O grupo tem a responsabilidade de, num prazo de 120 dias, apresentar ao Ministro desta Pasta, um Relatório Técnico avaliando os resultados e impactos da política de desenvolvimento da ZFM administrada pela Suframa, e recomendar ajustes e/ou ações preventivas ou corretivas.

Esse grupo interministerial de especialistas será presidido pelo subsecretário de Supervisão, Gestão e Administração da Secretaria-Executiva do MDIC e contará com a participação direta de vários gestores altamente qualificados em temas afins à ZFM. Em linhas gerais, o grupo deverá formular um plano de trabalho estruturado que conterá as etapas e o cronograma de implementação de seus trabalhos em seu primeiro ano de funcionamento. Destaque às seguintes prioridades desse plano: atualização das normas referentes à coordenação e supervisão da Suframa; medidas de aperfeiçoamento da articulação com a Suframa e o seu Conselho de Administração para adequação às recomendações dos órgãos de controle; e o estabelecimento de instrumentos de avaliação e monitoramento periódicos e sistemáticos com a finalidade de se aferir os resultados e os efeitos concretos da política de desenvolvimento administrada pela Suframa.

A Portaria ainda prevê que os dirigentes da Suframa deverão ficar à disposição do grupo de assessoramento para as providências e os encaminhamentos que se fizerem necessários durante a avaliação dessa Autarquia, que se concretizará por meio de reuniões realizadas por videoconferência ou por outros meios telemáticos.

Logo, pela primeira vez durante sua existência, felizmente, a Suframa será avaliada por uma equipe técnica interministerial, especializada e comprometida com o desenvolvimento sustentável do Brasil e da Amazônia ocidental. Oportunidade para, se necessário, redirecionar os seus fundamentos e mecanismos operacionais em direção à inclusão, à inovação local, ao empreendedorismo, à educação e à preservação possibilitando, num futuro breve e em bases sustentáveis, melhor distribuição de emprego e renda nas municipalidades amazonenses.

2. Amazonas e a Nova Zona Franca I: construindo a sustentabilidade próspera

O Estado do Amazonas não tem política de desenvolvimento consistente. Os seus empresários, sem alternativa, continuam defendendo as suas sobrevivências econômicas participando de modelos obsoletos cujos fundamentos encontram-se desalinhados da modernidade. Em geral, as políticas públicas na região não funcionam e os seus arranjos produtivos não se encontram integrados a uma política econômica regional e nacional. As autoridades das instituições públicas regionais não conseguem mobilizar os seus ‘pares’ para um processo contínuo de discussão e organização de proposituras para a solução dos problemas estruturantes da região. Muitas delas acreditam que possam resolvê-los somente por meio de decretos, resoluções, editais e portarias. O fato é que há contínuo crescimento da miséria social e da destruição ecológica na região.

Há exigências inadiáveis: sua integração estadual e regional, uma política de segurança alimentar e habitacional, a exploração e inovação de seus recursos em bases sustentáveis, a implantação da educação de tempo integral, o acesso à assistência médica irrestrita, o desenvolvimento da agroecologia e do turismo ambiental, a geração de emprego e renda, entre outros que serão discriminados posteriormente…

O último presidente do Brasil acelerou a destruição cultural e ecológica da Amazônia em proporções nunca registradas desde o advento da República brasileira. Assediou, também, a Zona Franca de Manaus constrangendo os seus trabalhadores e os empresários locais. Período de trevas, difícil e agravado pelos experimentos clínicos realizados pelo sistema de saúde federal no combate à pandemia da covid-19 junto à população amazonense. Experimentos que contaram com o uso de medicação sem efeito comprovado e a falta de assistência médica e de oxigênio nos postos de saúde, resultando numa das maiores taxas mundiais de mortalidade pela covid-19.

Quadro político, que infelizmente foi referendado pelo governo estadual e os parlamentos estaduais e municipais. Que horror!!! Parecia um filme de terror protagonizado por um grupo político, que também contava com a participação de um segmento das forças armadas que insistia em vampirizar o sangue e as esperanças do povo e da juventude amazonense. Um grupo militarizado que comandava os destinos da Zona Franca e de outras instituições públicas do Amazonas por meio de clichês e o empreguismo desqualificado. Segmento antidemocrático que também se somava às forças das trevas e do golpismo que se aglomeravam nos portões dos quartéis e em espaços estratégicos de instituições públicas e privadas, da imprensa e da mídia clamando por ditadura e liberalismo absoluto. Constata-se que muitos inimigos do Estado do Amazonas ainda se encontram em suas entranhas institucionais, conspirando contra um processo democrático que potencialize a sustentabilidade plena desta importante unidade federativa.

O formato e a existência institucional da Zona Franca de Manaus, apesar de garantidas pela constituição brasileira, têm sido muito dependentes dos políticos e do governo brasileiro. Em forma ampla, constata-se que o Presidente Lula tem insistido sobre o seu plano de governo, também, se guiar pela ‘reindustrialização verde do Brasil’. O fortalecimento das relações diplomáticas entre ‘Brasil e China’ põe elementos novos neste cenário promissor. O seu discurso global focado no desmatamento zero e na preservação da Amazônia deveria, também, estar centrado em apelos para que os grupos transnacionais façam investimentos em empreendimentos sustentáveis nesta região, em especial no Estado do Amazonas. Na Amazônia, preservar sem desenvolver é uma ficção que pode se transformar numa tirania contra as suas populações. E vale também o contrário: desenvolver preservando é um imperativo regional e global. Este quadro de referência deveria guiar as ações políticas dos governantes amazônicos principalmente aqueles que continuam apoiando atividades ilícitas na região.

O compromisso político da ‘reindustrialização verde do Brasil’ deveria começar na Amazônia, em especial no estado do Amazonas. Novos caminhos e estratégias políticas e econômicas seriam concebidas para a implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável consistente e duradouro na Amazônia, tirando-a das estatísticas das regiões mais miseráveis e desprotegidas, social e ambientalmente, do planeta. A frase é um clichê, mas é verdadeira: Não há futuro para o Brasil sem o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E é também verdadeiro que não há futuro para o Estado do Amazonas com a sua atual política de desenvolvimento dependendo exclusivamente do atual modelo da Zona Franca de Manaus, refém da burocracia niilista e desprovida de agentes formuladores de novas propostas econômicas estruturantes inovadoras para a Amazônia ocidental. Uma política industrial moderna e consistente, um sistema tributário e fiscal alinhado às demandas científicas e tecnológicas exigidas, simultaneamente, pela sustentabilidade amazônica e global, e a construção de mecanismos operacionais que alinhem a sua matriz industrial à preservação da região são prioridades prementes. Somente o seu adensamento, termo difuso e confuso, não resolve esta questão estruturante. Por outro lado, a não identificação dos erros cometidos no passado gera uma autovitimização inconsequente. Espera-se que estas questões, também, constituam focos de preocupação do grupo de trabalho delegado pela Portaria GM/MDIC 395.

O atual Superintendente da Zona Franca, Bosco Saraiva tem grandes desafios, entre os quais destaco: a desmilitarização e a democratização da instituição, a organização de um plano de metas e de modernização da instituição, a institucionalização dos fundamentos da Era da sustentabilidade à matriz industrial local e aos arranjos produtivos municipais. Precisa, também, rapidamente organizar uma equipe técnica capacitada e interdisciplinar para esta instituição. Em nenhum momento, em especial nesta Era de transição científica e tecnológica, Bosco Saraiva pode deixar que a Suframa, instituição pública, se transforme num cabide de emprego de indicações políticas desqualificadas, como tem ocorrido em várias gestões anteriores. Deve estabelecer um diálogo direto com os grupos de pesquisa em ciências aplicadas e tecnologias das universidades locais e construir novas cooperações internacionais em setores industriais e comerciais estratégicos ao Amazonas. Deve, também, junto com outras autoridades estaduais, coordenar uma sinergia política para nuclear entidades promotoras de cultura, pesquisa e desenvolvimento, nacionais e internacionais, em Manaus, tipo: BNDS, FINEP, CNPq, Fundo Amazônia, SUDAM, Banco Mundial, Unesco, INPE, Instituto Rio Branco, entre outras. Por outro lado, Bosco Saraiva, político amazonense experiente, precisa imprimir transparência às ações da Zona Franca de Manaus, desconstruir este emaranhado de armadilhas que tem guiado as gestões anteriores. Esclarecer tecnicamente e colocar, com as devidas retificações, a Portaria ME/SUFRAMA nº 9.835, de 17.11.2022, acessível a todas as instituições de ciência e tecnologia, públicas e privadas, do Amazonas. Esta Portaria dispõe sobre o Plano de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I; a apresentação e julgamento dos projetos de PD&I; e os procedimentos para o acompanhamento e a fiscalização das obrigações previstas no art. 5º do Decreto nº 10.521, de 15.10.2020.

No Amazonas, o acesso ao financiamento público de projetos de ciência e tecnologia por meio de Fundos Setoriais constitucionais sob a coordenação da Suframa tem sido privilégio de grupos minoritários. Esta dimensão da Zona Franca de Manaus precisa, também, ser transparente e democratizada em benefício da juventude e do desenvolvimento do Amazonas. O tempo longo tem demonstrado que somente a Zona Franca, na forma em que ela se apresenta, não dá conta do desenvolvimento social e econômico do Amazonas. A evolução econômica dos indicadores econômicos e sociais do Amazonas comprova esta premissa. Mudanças estruturantes são necessárias e urgentes, em especial às suas novas articulações com os arranjos produtivos municipalizados conforme mostrado em artigos autorais anteriores publicados nesse mesmo Blog, contexto no qual a implantação dos núcleos municipais de inovação assume importância singular. Embora esta dificuldade não justifique o imobilismo e a desarticulação política e executiva dos governos estadual e municipal na operacionalização das políticas públicas.

Mas, a questão central pode ser posta da seguinte forma: qual é a importância da Zona Franca de Manaus para a construção de uma política de desenvolvimento sustentável para o estado do Amazonas? Como organizá-la para que ela se transforme num modelo econômico estruturante para o desenvolvimento sustentável deste Estado brasileiro? Como ampliar o seu alcance social e econômico reduzindo a crescente desigualdade social na região? Como municipalizá-la em bases sustentáveis, conforme expresso em artigos autorais anteriores. Este texto analisará estas questões-chave e estratégicas ao futuro-próximo do estado do Amazonas. Questões que põem novos desafios aos gestores públicos e aos empresários e abrem novas oportunidades para a sustentabilidade do Brasil…

O Estado do Amazonas abriga a maior floresta tropical e a mais complexa bacia hidrográfica do planeta. Sua grandiosidade territorial abraça mais de setenta diferentes povos e culturas que iluminam as suas representações materiais e simbólicas, e se põem como elementos imprescindíveis à construção de sua sustentabilidade local e global.

A partir de 1967, instalou-se na Amazônia ocidental, a Zona Franca de Manaus, linha de montagem e corredor de exportações dos maiores grupos eletroeletrônicos transnacionais presentes no Brasil, nas décadas dos anos setenta e oitenta. Atualmente essa matriz industrial produz cerca de 90% do Produto Interno Bruto do Amazonas. Este projeto que mobilizou e mediou um conjunto de interesses da elite financeira brasileira, continua contribuindo para movimentar a economia desta região, em especial no estado do Amazonas. A concentração da matriz industrial deste projeto de desenvolvimento em Manaus e a sua pequena institucionalidade física, econômica e social nos municípios contribuem para a sua desconexão com as políticas públicas da região sob sua influência. O seu distanciamento tecnológico de a grandeza cultural e ecológica da região também conspira contra o seu enraizamento local.

Este quadro agrava-se com o desinteresse e a não obrigatoriedade de os grupos transnacionais investirem em pesquisa básica e aplicada avançada e no desenvolvimento de novos processos de gestão e inovação de produtos hightech, em suas plataformas e redes locais. No limite, em alguns casos, desenvolvem pesquisas locais coordenadas por laboratórios sediados no exterior. Em outras situações lançam programas de pesquisas ‘requentados’. Este quadro precisa mudar com a elaboração de uma nova política industrial para esta plataforma tecnológica. A implantação de laboratórios de pesquisa – principalmente nas áreas de física e química atômicas, fotônica, cibernética, instrumentação científica fina, novos materiais, engenharia eletrônica, energia limpa, tecnologias culturais, robótica, bioindústria e design – pelas indústrias da Zona Franca de Manaus é estratégica e imprescindível ao seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sem esta dimensão científica e tecnológica continuaremos sendo um centro de montagem de produtos descartáveis. Em mesmo grau de importância devem-se materializar as suas parcerias com os grupos de pesquisa consolidados das instituições regionais. A nova política industrial para a ZFM deve, necessariamente, abarcar estas complexidades da modernidade que são essenciais para a construção e a cristalização da sustentabilidade plena da Amazônia. Estes são desafios que provavelmente serão incorporados às preocupações e recomendações do grupo de trabalho criado pela Portaria GM/MDIC 395.

Amazonizar a Zona Franca de Manaus é uma dívida política dos governantes, do estado nacional e dos empresários com a juventude e a população da região. Um marco científico e tecnológico para que a Amazônia se liberte do atraso social e econômico e qualifique melhor as suas contribuições materiais e simbólicas para o aperfeiçoamento das sociedades e da humanidade. A inexistência de proposta alternativa, consistente e integrada à região, ao atual modelo de desenvolvimento do Amazonas contribui para as consecutivas chantagens políticas contra os seus trabalhadores e empresários, principalmente, por grupos econômicos das regiões sul e sudeste brasileiras. Por outro lado, o discurso empresarial regional que a matriz industrial impede o desmatamento regional soa, também, como uma chantagem política. A realidade, por si só, tem desconstruída esta hipótese. Amazônia continua sufocada pela fumaça persistente oriunda de desmatamentos criminosos de seus ambientes naturais.

Em forma ampla, a gênese e o design da Zona Franca de Manaus contribuem para a sua desconexão com as políticas sociais e econômicas do Amazonas, em bases sustentáveis. A passagem desta matriz de montagem de produtos para uma plataforma de inovação, em bases sustentáveis, requer medidas audaciosas da Suframa, em parcerias com os governantes estadual e federal, os sindicatos dos trabalhadores e a classe empresarial.

Por outro lado, a sua matriz energética relativamente limpa, o seu baixo impacto ambiental, a diversificação dos seus processos industriais e programas de gestão, e a geração de mais de 120 mil empregos diretos e 400 mil indiretos no Brasil são aspectos positivos que fortalecem o atual modelo, mas que pode ser ampliado, qualificado, verticalizado, vocacionado, municipalizado e democratizado com melhor distribuição de suas riquezas e geração e emprego e renda. Ele, também, poderá ter um papel importante para a construção de inovações voltadas ao uso e à conservação da cobertura vegetal na região, em particular no Amazonas, estado com mais de 95% de 1.570.745,680 km2 de suas florestas primárias preservadas. Alinhar as tecnologias da matriz industrial de Manaus ao desenvolvimento de novos produtos da floresta, mantendo-a em pé, também, se põe como um desafio à Nova Zona Franca.

Reafirmo que a sua existência institucional não está sendo obstáculo ao intenso processo de desmatamento e destruição ecológica em curso no Amazonas. Há controvérsias sobre o grau de importância e de intensidade de seu atual modelo de desenvolvimento para a preservação do Amazonas. Esta é outra questão que precisa ser desmistificada.

Entretanto, a contabilidade da Zona Franca encontra-se em pleno declínio desde 2014. A geração de cerca de US$ 38 bilhões na Zona Franca de Manaus em 2013 reduziu para cerca de U$22.81 bilhões em 2020, com impactos recessivos nas políticas públicas nas regiões sob sua influência política e econômica. A ausência de uma matriz científica e tecnológica consistente na região, a péssima logística e a crescente dificuldade em inovar localmente os seus processos produtivos básicos, a dificuldade política e operacional em posicioná-la no mercado global, e uma força de trabalho desalinhada das novas formas de fazer-operar e da gestão globalizada têm diminuído a sua capacidade de competitividade em âmbito internacional. A covid-19 agravou a crise desta matriz industrial com a demissão de milhares de trabalhadores. A extensão desse cenário recessivo ainda precisa ser mensurada.

Os registros contábeis deste polo de desenvolvimento mostram que ele já lucrou mais de US700 bilhões (em valores atualizados) desde a sua implantação em 1967, e o mesmo ainda não possui uma plataforma de laboratórios de pesquisa e inovação hightech na região para dar suporte às suas atividades de inovação aos processos produtivos. Seus vultosos lucros transbordam para o exterior sem compromissos duradouros com o combate às crescentes desigualdades sociais e com o futuro tecnificado e sustentável da região.

Atualmente, Manaus é a cidade-capital com o terceiro pior índice de miséria e o segundo índice de favelização do Brasil. A naturalização da miséria humana absoluta pelos seus governantes, fóruns políticos e gestores públicos transformaram este ‘paraíso’ no ‘inferno’ de Dante Alighieri. O processo de pauperização já entranhou no tecido social e econômico da Amazônia, principalmente no Estado do Amazonas. Os gestores públicos e os empresários esclarecidos precisam tomar medidas urgentes para reverter este quadro social mórbido. Afinal de contas, a Zona Franca de Manaus, subvencionada com tributos públicos, não foi criada para promover o desenvolvimento social e econômico da Amazônia ocidental?

Certamente, o grupo de trabalho homologado pela Portaria GM/MDIC 395, não terá dificuldades em identificar os obstáculos e os entraves ao florescimento de uma ZFM compromissada ao desenvolvimento sustentável compartilhado e global da Amazônia.

Quando se compara a qualidade de vida de Manaus no início do século passado com a atual, constata-se como a gestão política de uma plataforma de ciência e tecnologia pode se transformar numa arma contra os cidadãos. Em outras palavras: como a incompetência governamental pública – política e econômica – salvo em raros períodos, pode contribuir para a construção de tanta miséria e desesperança. E atenção: no início do século passado nasceram a Universidade Federal do Amazonas e as respectivas academias e institutos de ciências, letras e geografia do Amazonas, criados pelos seus pioneiros para enfrentar os grandes desafios da região. Juntas com os povos originários, estas instituições e as demais congêneres criadas posteriormente são as nossas últimas resiliências ao capitalismo predatório que destrói as ecologias, as culturas e as manifestações compartilhadas de acolhimentos e pertencimentos amazônicos.

Portanto, embora a ZFM se globalize à custa de incentivos fiscais e de processos tecnológicos com inovações desenvolvidas nos laboratórios das matrizes das indústrias transnacionais, o governo brasileiro não tem potencializado, com a intensidade necessária, outras formas de desenvolvimento para a região. Após mais de 56 anos de existência, a eliminação dos seus incentivos fiscais poderá colocar em xeque o futuro de desenvolvimento econômico deste estado, com impactos devastadores em suas frágeis políticas públicas, especialmente em suas políticas básicas assim como nas de proteção ambiental e em seus arranjos produtivos. Por outro lado, à medida que ele se fortalece, expandindo e ampliando as suas atividades comerciais, a miséria social cresce em proporções alarmantes. Isto se deve a várias causas internas e externas ao modelo, algumas já elencadas neste texto. Uma tragédia política e econômica que parece não ter fim.

No plano interno, há várias alternativas que contribuem para este quadro dependente e esta realidade trágica, constrangedora e não republicana, dentre as quais destaco duas: a incompletude do modelo industrial; e o engessamento político dos governantes – há, também, a composição destes dois fatores. O termo engessamento político refere-se à total dependência de seus governantes por programas e iniciativas federais. A migração regional também colabora para esta tragédia social: cerca de 50 mil pessoas migram anualmente para o Estado do Amazonas, maioria iletrada ou com uma educação formal técnica precária (este dado precisa ser atualizado). Enfim, há também elementos técnicos que precisam ser resolvidos por seus governantes em outras instâncias políticas. Portanto, há muitos desafios para efetivar a sustentabilidade amazonense, simultaneamente, em âmbito local e global.

O processo de globalização da Zona Franca de Manaus precisa ser esclarecido. Desde as décadas dos anos oitenta e noventa, a ‘Zona Franca de Manaus’ sempre se impôs sobre o modelo de desenvolvimento do Amazonas. Embora exista crescente desconexão política e econômica entre este projeto em processo de anacronismo e a política de desenvolvimento estadual, em bases sustentáveis. Em certa medida, os processos de globalização abraçaram e reconfiguraram a Amazônia desde a década dos anos setenta, com os grupos transnacionais e as Ongs subvertendo o futuro da economia regional e os seus desígnios culturais aos processos mundiais descompromissados com uma ética local e global, simultaneamente, compartilhada e sustentável.

Por outro lado, a importância da Amazônia para o Mundo tem suscitado um conjunto de chantagens políticas dos sucessivos governos federais e estaduais, dos sindicatos e da classe empresarial brasileira diante das dificuldades em superar os limites econômicos e políticos do referido modelo. Optam pela manutenção de seu formato institucional e a continuidade do processo de construção das crescentes desigualdades sociais regionais, em nome da preservação da Amazônia. Decisão política equivocada e conveniente que precisa ser esclarecida, e ressignificada com a expansão e a qualificação do modelo, o uso sustentável da Amazônia e, simultaneamente, a eliminação das desigualdades sociais. Esta é uma questão central que precisa ser equacionada pelo grupo de trabalho ministerial.

Mas, ainda há tempo para injetar prosperidade ao futuro social e econômico do Amazonas a partir da Zona Franca de Manaus. Neste sentido, há dois desafios que se apresentam em forma entrelaçada e dinâmica. Como modernizar os fundamentos, as diretrizes e os mecanismos operacionais do modelo “Zona Franca de Manaus” numa perspectiva integradora à Política de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, a partir da Amazônia. Em outra forma: como construir uma política de desenvolvimento sustentável para o Amazonas incorporando em seu design e em suas diretrizes, os fundamentos e os mecanismos operacionais de uma nova Zona Franca de Manaus?

Para melhor compreensão sobre as análises apresentadas, farei breves comentários sobre aspectos relevantes da macroeconomia contemporânea. Desde o passado remoto, o nacionalismo brasileiro tem conspirado contra o desenvolvimento da Amazônia, em especial do Amazonas. Torna-se premente implantar a sua política de desenvolvimento sustentável centrada em elementos universais, mas assentada em suas potencialidades e diversidade culturais e ecológicas, além do PIM, e no mesmo grau de importância global da Amazônia.

Os atuais modelos de desenvolvimento ocidentais têm algumas similaridades e pressupostos: inserem-se em processos democráticos – guiados pela educação, a ciência e a tecnologia – e dialogam diretamente com a sociedade e o mercado por meio de suas políticas públicas e os seus fóruns políticos. Com a emergência do paradigma da sustentabilidade eles têm incorporado dois novos fundamentos estruturantes: os arranjos produtivos, simultaneamente, locais e globalizados, e os compromissos de atendimento às necessidades humanas básicas imediatas e, no tempo longo, a garantia da perenidade da humanidade e do planeta.

Estes modelos privilegiam as políticas públicas de segurança alimentar, de saúde preventiva e curativa, de educação pública e com qualidade, de emprego pleno, de proteção ambiental, de segurança e controle social, as parcerias público-privadas, e os programas de ciência e tecnologia estratégicos aos países. Os especialistas têm construído mecanismos econômicos e políticos para libertá-los do anacronismo nacionalista e do capital predatório.

As suas existências e intervenções têm movimentado os seguintes fundamentos e exigências: consenso político, recursos humanos especializados, disponibilidade de capital, diversidade empresarial, relações internacionais, controle sobre fontes de recursos naturais, logística e metas de produtividade e eficiência e, também, o combate às desigualdades sociais, às mudanças climáticas e à injustiça ambiental, em bases sustentáveis e globalizadas. Em certa forma, a ecologia foi incorporada aos arcabouços estruturais dos atuais modelos de desenvolvimento dos países centrais. Estes pressupostos também valem para o Estado do Amazonas, e com as devidas ponderações, para a ZFM.

Este novo ordenamento dos modelos de desenvolvimento resultou em novas formas de organização das sociedades, do mercado e das relações das pessoas com a natureza. Demandam tecnologias limpas; produtividade eficiente e eficaz; políticas industriais, fiscais e tributárias atualizadas e flexíveis; descentralização e diversificação do capital e dos parques industriais; e novas profissões e formas de comunicação. A economia-guia deste novo ordenamento se materializa no formato de camadas sobrepostas e entrelaçadas entre si, que incorporam, em forma ponderada, desde as respectivas conquistas civilizatórias do passado remoto às vigentes atualmente. Infelizmente, no Amazonas, os gestores públicos nas instâncias estaduais e na ZFM sempre desconstroem as pequenas, mas importantes conquistas das gestões anteriores, com graves prejuízos à continuidade de suas políticas públicas.

A complexidade deste quadro de referência envolve logísticas sofisticadas; fluxos de capital intensivo; políticas fiscais, monetárias e comerciais flexíveis; plataformas e redes de globalização; inovações e empreendedorismos contínuos; vantagens comparativas e uma estatização moderada. Um elemento estratégico e necessário para o sucesso de um modelo de desenvolvimento econômico moderno é a sua política industrial. Em geral ela considera os setores econômicos estratégicos à região e ao país, as vantagens comparativas e as restrições, as prospecções promissoras e as estratégias comerciais, em todas as escalas do produtor e do consumidor. Seu sucesso pleno também depende do Estado nacional ou regional facilitador, de disponibilidade de financiamentos estratégicos, de estabilidade institucional, de pesquisa básica e aplicada, das tecnologias de informação e comunicação ágeis e acessíveis, de tecnologias de produção e de mercado de produtos assim como de inovações e logísticas complexas. Todos estes elementos permeados pelos mecanismos de desenvolvimento limpo e os processos de globalização. Neste universo complexo não há lugar para a incompetência gerencial, o clientelismo político e a endogenia doentia. O insucesso nunca é premiado e cultuado. Não há lugar para a filosofia do ufanismo, da incompetência e da bajulação. Referências técnicas e políticas que se encontram muito presentes nas consecutivas gestões da ZFM, e que certamente serão identificadas pelo grupo de trabalho ministerial.

Os modelos de desenvolvimento dos países centrais adquiriram graus de especialização tão sofisticados e estratégicos que exigem suas parcerias nos investimentos e financiamentos de inovações, apropriações e inserções tecnológicas de grande impacto em suas políticas públicas, algumas delas compartilhadas pelos mesmos. Para ilustrar cito a intervenção estatal em vários países. O Japão e os seus apoios à sua indústria naval, à mineração, à indústria têxtil, entre outras; a Alemanha no financiamento nacional aos projetos de infraestrutura, à sua indústria de base, entre outras; a França e os seus financiamentos aos contratos públicos; a Inglaterra e os seus financiamentos aos contratos públicos e aos de defesa nacional; os Estados Unidos e o seu financiamento aos contratos de defesa nacional e os de transporte, entre outros. Por que o governo brasileiro não financia o desenvolvimento sustentável da Amazônia? Por que a ZFM não concentra esforços para investir na bioindústria e nos mecanismos de desenvolvimento limpo?

As mudanças climáticas introduziram novos diferenciais nestes modelos de desenvolvimento. Emergem tendências para a governança global e um novo ordenamento político e econômico mundial centrado na diversidade socioambiental e nas ciências e tecnologias compromissadas com o mercado verde. Essa conjuntura complexa apreendeu a Amazônia numa posição política estratégica ao desenvolvimento sustentável local e global.

A Zona Franca de Manaus, incluindo o Centro de Biotecnologia da Amazônia, CBA – atualmente denominado Centro de Bionegócios da Amazônia – insere-se nesta conjuntura global demandando novas formas de organização e operação. Como utilizar a experiência exitosa acumulada pela Zona Franca para transformá-la num instrumento imprescindível ao desenvolvimento sustentável do Amazonas? Em outras palavras: Como garantir que a sua institucionalidade, desde a sua existência como centro comercial à zona de montagem de mercadorias e dispositivos hightech materialize-se, em médio prazo, como a principal matriz global geradora de mecanismos de desenvolvimento limpo e de sustentabilidades? Estas questões serão analisadas na próxima seção.

3. Amazonas e a Nova Zona Franca II: compartilhando a sustentabilidade próspera

A análise dos fundamentos e dos mecanismos operacionais das matrizes industriais modernas é complexa. Sua excessiva simplificação banaliza e confunde os cidadãos, especialmente a juventude, distribuindo falsas facilidades numa área de produção da humanidade que abarca estudos e aplicações técnicas e culturais acumuladas por meio de camadas civilizatórias superpostas e entrelaçadas entre si. Este quadro de referência exige, principalmente, esclarecimento e experiência técnica dos gestores públicos e privados.

Encontra-se em curso um novo ordenamento econômico e político em âmbito mundial. A emergência de uma nova métrica política referenciada, simultaneamente, no tempo breve de atendimento às necessidades humanas básicas assim como no tempo longo associado à preservação ecológica do planeta tem papel relevante na legitimação histórica deste reordenamento. Conjuntura política que valoriza os empreendimentos sustentáveis, desde o local ao global. Este quadro de referência requer a ressignificação dos conceitos de cidadania e desenvolvimento econômico. Exige também mais cooperação internacional e uma regulamentação inovadora e diferenciada do mercado financeiro global. É importante constatar que os especialistas em macroeconomia não percebem o sistema financeiro como uma das principais fontes dos processos econômicos e políticos que constroem a pobreza e a degradação ambiental mundial. Eles insistem em uma concepção econômica que potencializa uma sustentabilidade excludente, como se existisse uma sustentabilidade para os pobres e outra para os ricos. Mas, gradualmente, as sociedades organizadas têm pressionado o mercado para que o mesmo incorpore a sustentabilidade compartilhada em suas decisões e deliberações.

O crescente fluxo financeiro do ocidente ao oriente pôs novos elementos neste processo econômico mundial. Embora a preservação do meio ambiente e a pobreza ainda não sejam preocupações centrais para as instituições globais que controlam a produção, circulação e reprodução do capital, essas mesmas sociedades organizadas têm exigido a inclusão da sustentabilidade nas políticas públicas. Isso significa que diversas condições estruturais estão sendo construídas para um quadro social e econômico que incorpore a sustentabilidade como um dos seus fundamentos. A crise das políticas sanitárias dos estados nacionais, a recessão econômica mundial provocada pela covid-19 e pelas guerras e as mudanças climáticas potencializaram novos arranjos produtivos e novas cooperações internacionais. Multiplicar, integrar e politizar as redes sociais e econômicas e as novas formas de organização dos grupos sociais contribuem para a instauração de um novo contrato natural global.

As matrizes industriais, o mercado e as instituições financeiras se encontram em processo de adequação a este novo quadro global, em conjunturas ponderadas pelos estados nacionais e pelas relações de poder em âmbito regional. O capitalismo periférico também está fazendo os seus ajustes estruturais e sistêmicos aos seus centros operacionais.

O desenvolvimento sustentável constitui um eixo-motor desta nova conjuntura global que reserva um papel estratégico à Amazônia, em especial, ao estado do Amazonas. A Zona Franca de Manaus, incluindo o Centro de Bionegócios da Amazônia-CBA, insere-se nesta conjuntura demandando novas formas de organização e operação. É importante frisar que este quadro econômico local se dá numa escala sem impacto na economia global, mas torna-se significativo ao Estado do Amazonas diante de sua fragilidade econômica e social e de sua incipiente política de ciência, tecnologia e inovação.

As cooperações financeiras internacionais para combater a emergência climática por meio do seu desmatamento zero e de sua sustentabilidade têm que ser coordenadas e manejadas por instituições público-privadas sediadas, majoritariamente, em Manaus e em Belém. Devem-se privilegiar a institucionalização da sustentabilidade aos fundamentos da Zona Franca de Manaus e os arranjos produtivos municipalizados por meio de parcerias das respectivas prefeituras com os segmentos empresariais, as Ongs e as instituições responsáveis pelos fundos de investimento pertinentes, sediados na Amazônia e sob o controle social. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social, BNDS, a Financiadora de Estudos e Projetos, a FINEP, a Sudam, as Representações da UNESCO, ONU e do FMI, o Fundo Amazônia, o Conselho Nacional de Pesquisa, CNPq e o Banco Mundial, entre outras, são instituições-chave neste processo que precisam ser parceiras da Amazônia, a partir dela. Atendendo, principalmente, as suas demandas públicas e privadas alinhadas à sua sustentabilidade, centrada em programas estruturantes de ciência e tecnologia municipalizados conforme as demandas locais e regionais. Construir a governança do desenvolvimento sustentável da Amazônia por meio de instituições sediadas fora dela é mais um engodo político inaceitável por suas sociedades e pelos seus segmentos políticos e empresariais. Da mesma forma, implantar programas científicos e tecnológicos internacionais, com financiamento público, na Amazônia sem uma discussão transparente e as participações formalizadas de suas instituições públicas e privadas é outra arbitrariedade e opressão política sobre os seus segmentos sociais e econômicos. O Governo federal, o Governo do Amazonas e a Zona Franca de Manaus precisam assumir o protagonismo deste processo de alcance local e global. Este quadro político e econômico suscita novas responsabilidades institucionais à Suframa, articulando e incorporando novas formulações e responsabilidades institucionais aos seus mecanismos operacionais e aos seus planos e metas de gestão. Trata-se de uma iniciativa imprescindível ao futuro próspero da Amazônia, especialmente do Estado do Amazonas. Esta questão política e econômica também precisa ser considerada pelo grupo de trabalho ministerial.

Preliminarmente à apresentação de outras propostas para a revitalização da Zona Franca de Manaus, destaco ao leitor, um conjunto de esclarecimentos sobre a importância da bioindústria para a Amazônia, em especial sobre os seus fundamentos e as suas multidisciplinaridades.

A Amazônia tem fortes conexões com a bioindústria. Os modelos de desenvolvimento econômico não podem continuar considerando a natureza como matéria-prima descartável. A degradação ambiental planetária tem estimulado a organização de novos arranjos produtivos. O meio ambiente e a reestruturação das políticas públicas são elementos-chave nesse processo que incorporou grandes desafios na última década. Mudanças climáticas, injustiça ambiental, segurança alimentar, mecanismos de desenvolvimento limpo, saúde e qualidade de vida, novas políticas industriais, segurança energética, mobilidade urbana, entre outros, são questões interligadas à bioeconomia articulada à bioindústria, que desafiam os gestores públicos. A construção de soluções para os problemas colocados por esta nova agenda social, econômica e tecnológica global é fundamental para as novas formas de organização das sociedades e do mercado que estão em curso.

A construção de abordagens e metodologias que integrem esses temas, interna e externamente, e conforme os seus graus de relevância para cada sociedade e estado nacional, é um complexo desafio posto aos especialistas. O desenvolvimento sustentável, em especial a bioeconomia, é essencial para o sucesso desta nova etapa de transição econômica na história da humanidade.

Como o autor deste texto define bioeconomia? Ela é considerada como “o setor da economia que produz biomassa bem como a sua conversão em produtos de mais-valia”, tais como alimentos, produtos de base biológica e bioenergia. Este setor econômico é estratégico para o desenvolvimento sustentável considerando o processo de substituição da atual matriz energética mundial baseada no consumo de combustíveis fósseis. Alimentos, engenharia genética e engenharia química, novos materiais de base biológica, bioenergia, medicamentos e cosméticos são exemplos de suas cadeias produtivas que estão em contínuo processo de expansão na bioindústria.

A bioindústria, alicerce da “economia ecológica”, utiliza-se da ciência e tecnologia de ponta para construir novos arranjos produtivos e matrizes industriais voltadas para a exploração dos recursos, serviços e dos ciclos da natureza, em forma sustentável. Sua base teórica e empírica é muito dependente do uso de linguagens científicas e processos tecnológicos próprios da mecânica e química atômica e molecular, fitoquímica, biogenética, farmacologia, engenharia de materiais e das tecnologias sociais para a invenção de novos produtos renováveis ​​e não poluentes. Ela, também, se propõe estudar e desenvolver mecanismos operacionais que inter-relacionem atividades e práticas econômicas com a dinâmica dos ecossistemas, em forma sustentável. A intangibilidade das causas e dos efeitos dos ciclos ecológicos e dos impactos das ações humanas na natureza dificulta a regulação financeira e contábil desse tipo de economia. Medir e avaliar a dinâmica desses processos envolve muitas incertezas e riscos. Em geral, requer cooperação interdisciplinar e temática, bem como a formulação de novas linguagens científicas. Essa nova economia também é potencializada pela diversidade biológica e tem os mecanismos de desenvolvimento limpo como a sua principal matriz econômica. As geociências, a botânica e a biogeografia, também, têm papéis estratégicos no seu desenvolvimento. Os químicos afirmam que cada planta é uma fábrica natural de produtos químicos sustentáveis. Um desafio para a juventude amazônica desvendar nesta região que abriga mais de 500 bilhões de árvores.

A bioeconomia é muito dependente da relação entre o ser humano e a natureza por meio das tecnologias e da educação ambiental. Num nível mais vertical, a sua evolução tecnológica encontra-se centrada em pesquisas complexas e multidisciplinares e na inovação tecnológica. Na Amazônia, há o entrelaçamento entre as técnicas e as relações culturais e sociais. Ou seja: nessa região, a cadeia de operação de um determinado produto abrange um conjunto de processos que incorporam determinadas ações sobre o produto, o uso do conhecimento tradicional bem como a transformação de recursos naturais em mercadorias elaboradas. Os marcos regulatórios, tributários e legais da bioeconomia amazônica precisam ser diferenciados e inovadores. Eles têm que abraçar os saberes tradicionais e as inovações tecnológicas centradas em novos produtos florestais, em forma sustentável e em grande escala, garantindo os royalties e os diretos de usufruto das populações tradicionais.

Os altos custos da pesquisa básica na bioindústria recomendam priorizar arranjos produtivos globais bem-sucedidos. Isso requer priorizar regulamentações que atinjam tanto pequenos quanto grandes laboratórios consolidados, integrando as suas atividades por meio de redes e plataformas tecnológicas, e diversificando as suas atividades devido à grande disponibilidade de recursos naturais na região.

Bioeconomia e sustentabilidade possuem relações técnicas e simbólicas. Elas se encontram inseparáveis entre si e no imaginário das pessoas. A bioeconomia terá um papel estratégico nos processos econômicos locais e globais assim como nas futuras formas de organização da humanidade. Esse arranjo produtivo fortalece o sentimento universal comprometido com a preservação ambiental. Estende-se desde os processos de coleta e troca de produtos de natureza renovável inventados por nossos ancestrais até a economia ecológica e o desenvolvimento de pesquisa e inovação de novos materiais em laboratórios de alta tecnologia. Diversos programas de pesquisa visam substituir a matriz energética poluidora por alternativas renováveis ​​geradas pela bioindústria, em especial, por meio da produção da bioenergia.

A crescente incorporação de linguagens científicas e métodos de matemática, cibernética, engenharia genética, e física e química na bioindústria permitiu a construção de produtos mais complexos e integrados às concepções de um “mundo” sustentável. Pesquisas científicas e tecnológicas inovadoras centradas no desenvolvimento de biomarcadores, genômica, anticorpos associados à imuno-oncologia, compostos medicinais nanoestruturados e nos processos de síntese de produtos biológicos complexos já estão em fase de testes clínicos. Suas aplicações terão grande impacto na medicina preventiva e curativa, abrindo novas perspectivas para a qualidade de vida das pessoas e o aperfeiçoamento das sociedades. Os modelos de desenvolvimento e o mercado já estão incorporando essa nova dimensão tecnológica e econômica da bioindústria. No entanto, a sua compreensão sistêmica, o seu alcance heurístico e os seus impactos em outras áreas do conhecimento e na sociedade demandam novas pesquisas na filosofia e nas ciências humanas. Sua crescente importância para a humanidade precisa ser analisada e avaliada em todas as dimensões materiais e simbólicas. A incorporação da transcendência neste quadro de referência cria novas interlocuções entre a religião, a ciência, o mercado e a sociedade.

O desenvolvimento sustentável tem fortalecido a integração global dos arranjos produtivos e o aprimoramento de diversas políticas públicas. Educação, inovação, inclusão social, empreendedorismo, proteção ambiental, transcendência e marketing são os alicerces desse processo socioeconômico de alcance global, que abarca diferentes formas de relação das pessoas com a natureza.

As novas matrizes industriais da bioindústria empregam poucos trabalhadores, são dinâmicas na comercialização dos produtos e de suas técnicas inovadoras e têm grande impacto econômico e social. Esta é uma tendência mundial que contribuirá para a consolidação do desenvolvimento sustentável tendo a bioindústria como sua principal matriz produtiva. O futuro promissor dos países tropicais é muito dependente do desenvolvimento da bioindústria em suas matrizes industriais.

A bioindústria é prisioneira das linguagens e técnicas científicas especializadas. Suas conexões e integração global por meio de redes e plataformas de laboratórios têm acelerado a invenção de bioprodutos com impactos em todos os setores sociais e econômicos. Nunca antes tantas patentes foram registradas na história da humanidade. A inserção da Amazônia nesse mercado global é paradigmática. A inclusão de seus povos originários nesse empreendimento é um desafio que precisa ser exercitado. A implantação da Universidade Intercultural pode acelerar esse processo, em bases sustentáveis e na promoção social de seus povos.

Especialistas têm identificado cerca de 15 espécies de árvores na Amazônia. A região tem potencial para abrigar até 16 mil espécies diferentes, num total de pouco mais de 60 mil existentes no mundo. Certamente, esta grande biblioteca viva tem respostas para muitos problemas da humanidade. É o maior banco genético do mundo em terra firme contígua ou o maior jardim botânico do planeta. Seus fluxos gênicos e as suas conexões com os processos econômicos precisam ser devidamente medidos, valorizados e industrializados, em bases sustentáveis, devido à sua importância material e simbólica para a região e à humanidade.

Novos produtos alimentícios e medicinais, inovações em cosméticos e perfumaria derivadas de óleos essenciais e diversas ervas tropicais, inclusive corantes, têm sido inventados em laboratórios de biotecnologia com grande impacto social e econômico. Os corantes derivados do pau-brasil, urucum, látex da seringueira, juta, pimenta-do-reino, jenipapo e camomila têm sido amplamente utilizados pela humanidade, no passado e no presente. As populações amazônicas utilizam como medicamentos cerca de 2 mil espécies medicinais oriundas de suas florestas, floras e faunas, além de 1 mil e duzentas espécies aromáticas produtoras de óleos essenciais. É um complexo laboratório aberto a inovações biotecnológicas.

Os bionegócios abrangem diferentes graus de complexidade. Na Amazônia, em geral, estão associados ao aproveitamento da biodiversidade em seu estado natural ou ao simples processamento por meio de instrumentos mecânicos. O comércio de peixes, frutas, folhas, raízes, flores, cascas, entre outros, ilustra esse tipo de economia. Há outro setor que utiliza métodos e técnicas mais elaboradas, como tratamento químico e físico, filtração, destilação, conservação, entre outras, como preparo de bebidas, concentrados, polpas, doces e óleos essenciais. Por fim, há o setor que utiliza tecnologia de ponta para gerar inovações de maior impacto. Todos os setores da biotecnologia têm sido impactados por inovações baseadas principalmente na biogenética, na química fina e na física de novos materiais.

Ênfase às pesquisas para identificar novos princípios bioativos. Em especial, os produtos naturais com atividades antioxidantes contra o envelhecimento celular, antifúngicos, antibacterianos e larvicidas são indicados como remédios contra doenças causadas por fungos, bactérias e larvas. Há também remédios com uso em terapias anticancerígenas e anti-inflamatórias. A atividade larvicida é testada em larvas do mosquito da dengue, por exemplo. Atualmente encontram-se em andamento inúmeras pesquisas sobre o processo de interação das plantas com a luz nos trópicos, para o desenvolvimento de produtos de proteção à saúde humana. Embora muitas espécies em processo de pesquisa sejam de uso popular, é necessário identificar e isolar princípios bioativos e realizar ensaios clínicos voltados para as finalidades pré-estabelecidas. Em mesma ordem de importância faz-se necessário modelar os arranjos atômicos e moleculares da biomassa amazônica voltados à fabricação de novos produtos para uso em todas as dimensões práticas da humanidade. Este é um desafio complexo para a Engenharia de novos materiais que já se encontra em curso em alguns programas de pós-graduação sediados na Universidade Federal do Amazonas desde a primeira década deste século. Repito: desde a primeira década deste século, nos programas de pós-graduação de produtos naturais e de física e engenharia de materiais dos departamentos de química, farmácia e de física dos materiais, respectivamente, da Universidade Federal do Amazonas.

A tecnologia de novos materiais de recursos florestais mundiais é uma fonte inesgotável para a invenção de novos produtos. Essas inovações na bioindústria estão focadas nos setores de alimentos, cosméticos, perfumaria, habitação, vestuário, aeronáutica, engenharia naval, móveis, design, biojóias, floricultura, cerâmica, entre outros. Na Amazônia, o grande desafio é usar a ciência e a tecnologia para agregar inovações de ruptura e valor econômico aos elementos da biodiversidade, preservando as suas culturas e ecologias. Infraestrutura, laboratórios instrumentalizados, recursos humanos especializados, mecanismos adequados para comercialização e marketing em larga escala, plataformas de exportação, regulamentação tributária e fiscal adequada, cooperação tecnológica e financiamento estratégico e programas de pesquisa voltados para o desenvolvimento sustentável são dimensões econômicas que os setores públicos e privados amazônicos precisam exercitar para o sucesso da bioindústria na região. A inserção da Amazônia nesse universo teórico e empírico, sob a ótica empresarial, favorece o estabelecimento de parcerias internacionais para o desenvolvimento da bioindústria na região, em especial no Estado do Amazonas, com o apoio contínuo e sistemático da Suframa. A criação de condições estruturantes e logísticas para a inclusão das instituições amazônicas de educação científica, públicas e privadas, e seus respectivos programas de pós-graduação, neste empreendimento, embora tardio, deveria ser outro desafio para a Suframa. A construção dessa sinergia institucional é fundamental ao futuro das crianças e dos jovens amazônicos, em direção ao mundo sustentável. Esta é outra questão sensível que deveria ser considerada pelo grupo de trabalho ministerial.

Os governos dos estados amazônicos têm que ousar, empreender e inovar as suas gestões executivas. Têm que fortalecer as suas políticas de ciência e tecnologia, financiar a implantação de uma rede de laboratórios de pesquisa e inovação em tecnologias de novos materiais e construir parcerias com o setor privado. Sem esta dimensão política, econômica e tecnológica a bioindústria não se consolidará na Amazônia, que já conta com mais de 350 centros universitários e de pesquisa interiorizados.

Ecoturismo, commodities ambientais associadas aos serviços ambientais com ênfase nos ciclos de carbono, hidrológico, nitrogênio e calor são outras dimensões da bioeconomia nas regiões tropicais. A utilização de tecnologias de ponta pelos arranjos produtivos regionais e globais para explorar as suas riquezas preservando a floresta é um dos grandes desafios da modernidade ecológica. Alinhar os sistemas de ciência e tecnologia às culturas locais e aos saberes tradicionais é outro diferencial que acelerará o desenvolvimento dessas regiões, em bases sustentáveis e na perspectiva de seus povos. A operação do CBA em Manaus, também em forma empresarial, poderá ter impactos significativos na economia regional, embora a sua inserção regional ainda seja incipiente. Sua integração com os núcleos municipais de inovação, criará novas perspectivas sociais e econômicas ao Estado do Amazonas. Esta é uma questão chave para o sucesso da bioindústria na região e que deveria ser examinada com prioridade pelo grupo de trabalho ministerial.

Este texto propõe algumas estratégias e propostas para integrar a Zona Franca e o CBA ao desenvolvimento econômico do Amazonas, em bases sustentáveis. Quadro de referência que exige um conjunto de providências técnicas, aqui sumarizadas: privilegiar as tecnologias limpas e a implantação de laboratórios de pesquisa e inovação e desenvolvimento; prospectar as áreas econômicas e comerciais estratégicas; priorizar a instalação de plataformas e arranjos produtivos bem-sucedidos; induzir e financiar as pesquisas aplicadas de inovação estratégicas ao desenvolvimento econômico e às políticas públicas; redirecionar o parque industrial para o desenvolvimento sustentável compartilhado e global; incubar indústrias vocacionadas e em rede; diversificar, descentralizar e municipalizar os núcleos de inovação e produção; flexibilizar a política fiscal e tributária por meio de novas parcerias público-privadas, e avaliar e estabelecer metas de produção e crescimento, entre outras providências necessárias. Este é um quadro de referência importante para o futuro próspero da Amazônia ocidental, que deve também ser considerado pelo grupo de trabalho ministerial.

Há mais de quarenta anos se discute, sem sucesso, entre setores econômicos amazonenses, isolados e fragmentados, modelos alternativos à Zona Franca de Manaus. Esta discussão, de natureza pública, precisa ultrapassar a barreira pragmática e positivista de segmentos isolados da economia dependente do Estado do Amazonas, aglutinando outras contribuições consequentes e fecundas. Embora tardiamente, ainda há tempo. Esta dimensão técnica e política será rapidamente apreendida pelo grupo de trabalho outorgado pela Portaria GM/MDIC 395.

O papel do Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) na política de desenvolvimento sustentável do Amazonas é destacado e qualificado neste texto, ainda que em forma sumarizada e com possibilidades de incertezas devido ao seu precário funcionamento na última década. O seu potencial papel como agente indutor e construtor de inovações à sustentabilidade amazônica pode ser mensurado e avaliado pelos esclarecimentos sobre a bioindústria já apresentados neste texto. O seu novo formato institucional, sob a responsabilidade da Fundação Universitas de Estudos Amazônicos, FUEA, terá personalidade jurídica própria e poderá captar recursos privados para inovar a partir da biodiversidade amazônica. Em tese, a sua implantação e organização não têm as complexidades acima citadas. A sua estrutura física já se encontra parcialmente consolidada. O desafio, que não é simples, é integrar e ajustar a sua materialidade política e econômica às demandas tecnológicas e econômicas da modernidade. Seus gestores não podem transformá-lo num escritório gerador de burocracias imobilizadoras. Com independência técnica, administrativa e financeira e personalidade jurídica própria, o CBA terá autonomia para construir novas parcerias estratégicas, captar recursos financeiros e construir um portfólio de pesquisas e negócios consistente e integrado à Amazônia e ao mercado. Os seus administradores responsáveis por sua gestão têm que compreender que similar à Zona Franca de Manaus ele não se posiciona como o ‘Polo de Desenvolvimento Redentor do Amazonas’. Da forma como se encontra organizado, ele não tem a potência tecnológica e empresarial necessária para transformar este estado brasileiro numa referência da economia verde global. Entretanto, em parceria com a Suframa, ele poderá se constituir num vetor tecnológico importante para a construção da matriz de um conjunto de biofábricas estratégicas e imprescindíveis ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Dimensão científica e tecnológica que, bem manejada, poderá criar conexões fecundas entre ele e a Zona Franca de Manaus, por meio da pesquisa aplicada ao desenvolvimento de novos materiais sustentáveis, a partir dos recursos naturais da região. E, simultaneamente, implantar as suas articulações com os processos econômicos globais, sempre em direção ao seu futuro promissor e próspero. Aproveito para fazer uma breve pontuação sobre os três principais desafios das pesquisas aplicadas à bioindústria sob o ponto de vista tecnológico.

A base da pirâmide deste tipo de desenvolvimento ainda se encontra assentada nas modelagens atômicas e moleculares desenvolvidas pelos físicos, químicos, os geneticistas, e os engenheiros moleculares que compreendem e aplicam as linguagens próprias da genética e da mecânica quântica às propriedades da matéria e dos seres vivos. Sem essa dimensão científica e tecnológica não há bioindústria consequente e consistente.

Portanto, a essência e o principal fundamento da bioindústria são as pesquisas básicas e aplicadas e não o empreendedorismo. Tratando-se de bioindústria, sem pesquisa básica e aplicada não há o que empreender no que se refere às tecnologias de ruptura. Isto significa: disponibilidade de laboratórios bem equipados, planos de pesquisa bem ajustados e factíveis, grupos de pesquisa qualificados, financiamentos adequados e forte participação da iniciativa privada, entre outras providências secundárias. Isto exige: definir um portfólio de pesquisas em novos materiais estratégicos à região e ao mercado; estabelecer metas; criar um modelo que possibilite uma interação proativa com o setor privado; nuclear especialistas com competências comprovadas; priorizar os grupos locais e regionais com produções científicas e tecnológicas consolidadas; investir na estrutura e na logística de pesquisa; e envolver, se possível – e em grande escala -, a nossa juventude nos processos de formação e de desenvolvimento desta plataforma de inovações que também estará conectada aos núcleos de inovação municipais. Esta é uma dimensão da Zona Franca de Manaus, equivocadamente ignorada pelos seus gestores durante décadas, que não pode ficar despercebida do grupo de trabalho criado pela Portaria GM/MDIC 395.

Exige-se, também, muita paciência e tolerância, pois erros ocorrerão, mas no limite, num prazo de seis a dez anos, os resultados positivos surgirão e impactarão o mercado regional e global, e o desenvolvimento sustentável do Amazonas garantindo melhor distribuição das riquezas geradas localmente. Os grupos e os programas de pesquisa em nível doutoral, os especialistas de referência, as instituições universitárias e os potenciais estudantes envolvidos ou em disponibilidade para este tipo de atividade já existem nas instituições e nos institutos de educação e pesquisa sediados em Manaus, desde a primeira década deste século. Bem próximos do CBA e da Zona Franca de Manaus. Muitas vezes, por falta de esclarecimento e de empreendedorismo de ruptura por parte de seus gestores, a Zona Franca de Manaus tem freada a consolidação da bioindústria no Amazonas, e também na Amazônia. Teoricamente, esta questão pode ser resolvida rapidamente, embora a endogenia e a incompetência gerencial local por parte de grupos cristalizados em cargos estratégicos desta instituição possam dificultar a sua solução técnica em curto prazo. O grupo ministerial tem que ficar atento a essa questão sensível que envolve vários atores políticos.

Os gestores públicos e os empresários não esclarecidos têm dificuldades em compreender esta dimensão da ciência e da tecnologia e, também, do mercado. A bioeconomia da coleta, do extrativismo e a dos arranjos produtivos tecnificados de mercadorias de origem biológica também são importantes, mas não têm alcances econômicos para movimentar as bolsas de valores globais. Ambos têm que ser apoiados, mas sempre fortalecendo a ciência aplicada, matriz das inovações de ruptura e das sustentabilidades locais e globalizadas. Certamente uma unidade fabril para produção de farinha ou de sorvete com os deliciosos sabores regionais é importante, mas não determinante nesta plataforma de alcance global.

Retornando ao foco dessa análise, por questão de prioridade, deixarei de apresentar a logística e as principais características físicas e laboratoriais do CBA. Mas, ressalto que o seu quadro técnico e administrativo tem sido muito móvel considerando os seus diferentes ritmos de funcionamento ao longo de sua existência, e os entraves burocráticos à sua plena operação técnica. O sucesso em suas atividades é muito dependente da qualificação de seus servidores e de suas condições estruturantes voltadas à invenção de inovações biotecnológicas. Até 3 de Maio de 2023, o CBA tinha um quadro funcional frágil, 28 profissionais para também manejarem suas pesquisas em seus 26 laboratórios. Este quadro institucional precisa ser revertido por meio da fixação ou de colaborações efetivas de mestres e doutores em sua estrutura funcional. Sem esta iniciativa não haverá inovação, nem bioindústria, nem bionegócios, pelo menos numa perspectiva de escala de mercado.

Em tese, o CBA deveria ter uma atuação conjunta aos órgãos do Estado na formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável com base biotecnológica; apoiar as iniciativas técnico-científicas dirigidas à criação de indústrias de base biotecnológica nas municipalidades da Amazônia, em especial no Amazonas; interiorizar o empreendedorismo em biotecnologia por meio de incubadoras nas principais centros de desenvolvimento dos municípios da Amazônia ocidental; e atuar diretamente nas cadeias produtivas dos setores de biofármacos, fitoterápicos, produção de alimentos e invenção de novos materiais. Esta é outra questão que deveria ser considerada pelo grupo de trabalho criado pela Portaria GM/MDIC 395, considerando a importância da Suframa neste processo de longo alcance econômico e político.

O CBA, também deveria integrar-se às parcerias do Ministério de Ciência e Tecnologia com os Estados da Amazônia no processo de implantação e organização dos Centros de Vocações Tecnológicas nas capitais e nas municipalidades amazônicas; induzir e liderar a criação de uma rede de núcleos de base biotecnológica na Amazônia; envolver a sociedade neste processo por meio da divulgação de resultados e ações de extensão tais como: cursos, palestras, seminários, promoção de prêmios, entre outras. Esta dimensão empresarial e educativa do CBA também deveria contar com a participação da Suframa.

É sua responsabilidade institucional (do CBA): construir novas parcerias nacionais e internacionais que possibilitem entrelaçar o conhecimento tradicional dos povos amazônicos ao conhecimento científico desenvolvido em seus laboratórios, respeitando os direitos de posse e usufruto deste tipo de ação; investir fortemente na capacitação por meio da formação de pessoal em todos os níveis (técnicos, graduados, especialistas, mestres e doutores); aprimorar as relações com as universidades e os institutos de pesquisa internacionais, incorporando novas tecnologias e mobilidade científica regional em projetos e programas de interesse da Amazônia e do Brasil; e finalmente melhorar a infraestrutura das tecnologias de informação e comunicação para aprimorar os bancos de dados e as redes científicas acelerando o acesso do cidadão aos benefícios do conhecimento e aos produtos da bioindústria.

Portanto, o CBA tem que ter uma estrutura orientada ao desenvolvimento de programas e projetos. Estrutura flexível e capacidade em se adaptar à inovação e à evolução do saber, dando resposta rápida à crescente interdisciplinaridade do conhecimento em biotecnologia e à racionalização da gestão dos recursos. Os seus projetos exigem foco, organização e gerência independentes, e orçamentos, metas e cronogramas de execução bem estabelecidos. A ausência de um quadro técnico bem qualificado e atuante na área básica e aplicada, o sucateamento dos equipamentos laboratoriais mais sensíveis, a falta de um plano de cargos e salários compatível com um empreendimento deste porte, a ausência de colaborações internacionais de grande porte tecnológico com os seus projetos e programas, a falta de recursos suficientes para financiar os programas estratégicos de médio e longo prazos, e as intervenções clientelistas de grupos políticos estaduais e federais têm conspirado contra o sucesso desta importante instituição, agora denominada ‘Centro de Bionegócios Amazônico’. Certamente, novas perspectivas e compromissos institucionais estão sendo incrustados neste importante Centro, com a posse de seu novo conselho deliberativo.

Neste sentido, a nucleação e a fixação no Amazonas, de grupos empresariais transnacionais bem sucedidos e vocacionados são estratégicos ao seu ecodesenvolvimento induzido. Um projeto Além-PIM. Uma forma de globalizar o parque industrial e a economia do Amazonas por meio de redes de prosperidade sustentáveis, criando novas formas de induzi-lo ao desenvolvimento sustentável. A intervenção política do Presidente Lula neste processo poderá potencializar a sua materialização em curto prazo. O seu discurso global de desmatamento zero e preservação ambiental da Amazônia tem que estar alinhado ao fortalecimento do desenvolvimento sustentável da região, em especial ao combate de suas desigualdades sociais.

No setor de biofábricas, em especial nos setores farmacêutico e de alimentação destacam-se: Nestlé, Johnson & Johnson, Novartis, Roche, Pfizer, Sanofi, Merk, Kraft Heinz Company entre outras. Nos demais setores estratégicos destacam-se a ‘Industrial Design Companies’ e a ‘CocoChanel’ no ecodesign; a ‘Eurobois’ na ecomovelaria; a ‘BHP Billinton’ na ecomineração; a ‘Alliance’, a ‘Hyundai Heavy Industries’ e a ‘UK Marine Industries’ no polo tecnológico naval, em bases sustentáveis; a ‘International Eco tourism Society’ no ecoturismo; e a ecoeconomia que precisa ser institucionalizada por meio dos serviços ambientais amazônicos nas bolsas de valores de New York, Tokyo, London, Euronext, Shanghai, Hong Kong, entre outras.

Certamente com as inclusões e as participações das instituições acadêmicas e de pesquisa assim como das iniciativas empresariais regionais, com as devidas regulamentações e normatizações técnicas e jurídicas que defendam os interesses do estado do Amazonas, das instituições acadêmicas públicas e privadas regionais, dos segmentos empresariais, do estado nacional e dos povos originários.

A construção de uma política industrial que integre as estruturas, os sistemas e os processos da matriz industrial (ainda que parcialmente) da Zona Franca à política de desenvolvimento sustentável do Estado do Amazonas é premente. Até mesmo para que ela se transforme num Polo Industrial de Desenvolvimento Sustentável, matriz de sustentabilidades locais e globais. Isto requer marcos regulatórios globalizados, uma reforma fiscal e tributária local e atualizada assim como a criação de logísticas que possibilitem inovar e interiorizar o modelo, nos moldes das propostas apresentadas nos seis artigos anteriores. Certamente isto requer altos investimentos em projetos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento, à instalação e ao desenvolvimento de laboratórios de pesquisa aplicada e à formação de recursos humanos especializados atuando em áreas estratégicas, tais como: tecnologias de novos materiais, novas formas de energia limpa, bioindústria, tecnologias de convergência, robótica, artes e design, ecoturismo, tecnologias sociais e culturais, tecnologias das florestas, das águas e das várzeas, entre outras. Certamente, os fundos de ciência e tecnologia poderiam ser aplicados em programas dessa natureza. Esta é outra questão estratégica e imprescindível ao redirecionamento da Suframa que deveria ser avaliada pelo grupo de trabalho ministerial.

Reafirmo que atualmente a Amazônia abriga mais de 350 instituições de pesquisa e de ensino superior, públicas e privadas, incluindo os seus campi universitários. Uma plataforma científica e tecnológica especializada e pronta para integrar e mobilizar o conhecimento organizado para a construção do seu desenvolvimento regional. Insisto que a participação das universidades e dos institutos de pesquisa locais neste projeto, assim como a criação de parques tecnológicos vocacionados aos diversos processos produtivos da região, com as devidas colaborações internacionais, são garantias de seu sucesso pleno.

A imediata criação de um fundo de investimento específico para o desenvolvimento de inovações para as áreas tecnológicas e culturais sustentáveis, a partir dos lucros das empresas deste polo industrial, é uma alternativa factível. A criação de novos Fundos econômicos para a captação de contribuições internacionais e/ou do Fundo Amazônia, também são alternativas concretas. Destaca-se que a legislação atual da Zona Franca de Manaus com este propósito é confusa, difusa e alcança somente alguns setores científicos e tecnológicos, sem impactos consideráveis na sociedade e na inovação científica e tecnológica gerada localmente. A parceria público-privada, também, é fundamental para a geração e a aplicação de inovações tecnológicas nos trópicos úmidos. Paralelamente, deve-se insistir que, também, o estado-nacional financie a sustentabilidade da Amazônia, em especial do Amazonas.

Logo, a falta de uma política industrial integrada à região e a total dependência da Zona Franca pelos incentivos fiscais projetam um futuro incerto e imprevisível para a Amazônia ocidental, região com a maior cobertura vegetal no mundo e que abriga mais de cem diferentes povos indígenas. Há grande tendência de deterioração dos seus indicadores de desenvolvimento humano. Quadro técnico que também deveria ser considerado pelo Grupo de especialistas formado pela Portaria GM/MDIC 395.

O combate ao processo de pauperização da sociedade nacional, o crescente consumo interno no mercado nacional e a mudança de seu sistema tributário podem potencializar novos empreendimentos e iniciativas institucionais para o aprimoramento da Zona Franca de Manaus. Para a Amazônia, é fundamental incubar as indústrias vocacionadas em redes e induzir o apoio às plataformas tecnológicas estratégicas por meio do financiamento público e privado. As dimensões continentais e ecológicas da região também exigem implantar e integrar os mecanismos de desenvolvimento limpo às tecnologias de informação e comunicação e à bioindústria. Isso reafirma a importância de sua integração por meio de uma política de desenvolvimento com estruturas polivalentes, e concessões e privatizações com diferentes regulamentações e participações públicas e privadas na região. Com regulamentações adequadas e contextualizadas, o desenvolvimento sustentável na Amazônia poderia incorporar os princípios e as diretrizes positivas assemelhadas às utilizadas na política industrial da Coreia do Sul e da China.

Integrar e desenvolver a Amazônia pan-americana com a sua preservação ecológica é urgente e desafia os gestores públicos. A importância estratégica de suas trezentos e oitenta e cinco culturas indígenas e de sua complexa biodiversidade para a humanidade reafirma o seu status como o principal signo cultural e ecológico global. Portanto, o futuro da região, também, depende fortemente do desenvolvimento sustentável de outros países que compõem a Amazônia pan-americana.

Colômbia, Peru e Venezuela são países amazônicos com muitos conflitos sociais e econômicos em suas fronteiras com a Amazônia brasileira. Nestas regiões fronteiriças há muitas práticas ilícitas, como o crescente contrabando de madeira e outros produtos coletados nas florestas e nos seus rios. O tráfico de drogas, armas, animais silvestres e minerais preciosos, e os movimentos de guerrilheiros também são problemas presentes nesta vasta região. A ausência de políticas públicas e de projetos de desenvolvimento nessas regiões contribui para esse quadro social, que gera profundas desigualdades socioeconômicas em suas populações, nossos parentes desde o passado remoto. O mercado sul-americano e caribenho continua sendo muito importante à Zona Franca de Manaus. O apoio federal, certamente, acelerará este processo.

O Brasil necessita institucionalizar uma Política de Estado de Desenvolvimento Sustentável, priorizando um conjunto de compromissos federativos com a sustentabilidade da Amazônia, em especial no Amazonas, estado mais preservado dessa região. Ela não pode continuar refém da burocracia niilista da ZFM, e do pragmatismo e da arrogância de segmentos empresariais, científicos e de Ongs que insistem em reduzi-la num poço de carbono. Torna-se premente as ações públicas que possibilitem o acesso às políticas públicas plenas pelas suas comunidades ribeirinhas. Uma questão de justiça social que se complementa com o combate às injustiças ambientais locais.

No período de 2019-2022, o governo federal acelerou a destruição cultural e ecológica da Amazônia em proporções nunca registradas desde o advento da República brasileira. A gestão administrativa do atual presidente Lula ainda se encontra em processo de organização política e reconstrução das políticas públicas federais na Amazônia. Mas ela continua morrendo. Quem a salvará? Quando? Como?

Portanto, torna-se imperativo ressignificar a matriz industrial da ZFM com a implantação de uma cadeia de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em rede entre si e com os arranjos produtivos municipais, e a nucleação de colaborações tecnológicas internacionais estratégicas. Destaque também à necessidade de um fundo de investimento à sustentabilidade da região e o estabelecimento de uma Zona Franca ágil, eficiente, indutora de novos programas sustentáveis, e sem empreguismo, entre outras iniciativas apresentadas neste texto.

Como afirmado no início do artigo anterior, a ‘reindustrialização verde do Brasil’ tem que começar na Amazônia. As relações diplomáticas, econômicas e tecnológicas ‘Brasil-China’ põem elementos novos neste cenário promissor. O governo do Amazonas, os gestores da Zona Franca de Manaus e os diversos segmentos representativos, públicos e privados, da economia amazonense têm que construir propostas alternativas ao atual modelo econômico do Amazonas e da Amazônia. As instituições públicas e privadas do Amazonas não podem deixar que as Ongs internacionalistas e os segmentos econômicos nacionais centralistas solapem as legitimidades e os protagonismos amazônicos no desenvolvimento sustentável desse estado brasileiro, a partir do mesmo. As instituições regionais precisam assegurar que os financiamentos internacionais priorizem os programas de desenvolvimento sustentável desenvolvidos pelas instituições e os setores econômicos amazônicos, a partir da região. É importante que os setores econômicos percebam que o futuro da Amazônia depende mais da política que da economia. Isto exige mais mobilização e intervenção destes segmentos econômicos regionais em fóruns desta natureza.

Pela brevidade deste texto, omitirei a apresentação de onze programas estruturantes e um conjunto de proposituras estratégicas para a construção de uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia, em especial no Estado do Amazonas, várias deles articulados à Nova Zona Franca de Manaus. Todos publicados em 2023 no portal da ciência do Blog do Francisco Gomes, e posteriormente organizados no livro autoral “Tristes Trópicos: Réquiem à Amazônia*”.

4. Amazonas: sonhos e esperanças por uma Zona Franca ressignificada

A riqueza material e simbólica gerada pela Zona Franca de Manaus depende necessariamente de seus trabalhadores. A melhoria de suas condições de trabalho e renda é uma perspectiva que deve sempre ser perseguida. Por uma questão de prioridade técnica, omitirei esta dimensão social da ZFM, que precisa ser aperfeiçoada imediatamente, quando se compara os ambientes e os contratos de trabalho da matriz industrial local com as de outros países, por exemplo, dos Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Coréia do Sul, entre outras. Atualmente, o Estado do Amazonas lidera o ranking do trabalho análogo à escravidão. A Suframa pode, também, ser instrumentalizada para reverter este quadro trágico que já foi naturalizado por seus gestores e governantes.

Em linhas gerais, dentre outras perspectivas em curso, estas são as contribuições autorais que encaminho à sociedade local e nacional para serem analisadas visando a ressignificação da Suframa em sua nobre missão de gerir e fiscalizar a Zona Franca de Manaus. O alinhamento das lideranças executivas nacionais às lideranças políticas, às instituições empresariais e comerciais e aos sindicatos dos trabalhadores do Estado do Amazonas é essencial para acelerar as mudanças estruturantes da Zona Franca de Manaus que precisam ser materializadas no futuro-próximo.

Portanto, que seja bem-vindo à Amazônia o Grupo de especialistas formado pela Portaria GM/MDIC 395. A Amazônia os abraça e espera que a Suframa, como uma fênix, renasça distribuindo novas esperanças e prosperidades ao povo amazonense, vítima da endogenia política doentia e do capitalismo predatório e excludente.

Manaus, 4 de dezembro de 2024

Marcilio de Freitas

Marcilio de Freitas, freitasufam@gmail.com

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