‘Tributo à Manaus’, homenagem justa e legítima aos 24 de outubro de 2024, data comemorativa de seus 355 anos de existência glamurosa e sofrível, generosa e avarenta, acolhedora e hostil. Manaus, coração da Amazônia, capital do principal estado e unidade federativa ecológica do planeta. Manaus, mãe de a Amazônia, morada de territórios e culturas singulares que se encontram em eminente risco de destruição plena. Vidas e partes relevantes da história arqueológica e antropológica da humanidade sendo extintas, em nome do progresso econômico. Tragédia que parece não ter fim. Após diferentes ciclos econômicos, desde a chegada dos invasores europeus, o capitalismo continua destruindo as suas culturas e ecologias. Insiste em eliminar os seus processos vitais de controle biológico e de inter-relações culturais e ambientais, em forma cruel e ampliada. Contraditoriamente, à medida que a educação, a ciência e a tecnologia reafirmam as suas importâncias à humanidade e ao futuro do planeta, os gestores nacionais e regionais intensificam as suas aplicações e usos destrutivos.
As mesmas labaredas de ódio que transformaram a Biblioteca de Alexandria em cinzas viajaram no tempo e se transbordam sobre a Amazônia consumindo suas culturas, diversidades, florestas, bibliotecas vivas e naturais, e memórias coletivas. Vários rios tributários de sua bacia hidrográfica se apresentam como os mais poluídos por mercúrio no mundo, e a miséria social não para de crescer. Desmatamentos, queimadas e contaminações químicas aceleram a sua morte. Intensificada pelo agronegócio, as madeireiras, a mineração ilegal que apodrece os seus rios, os ilícitos através de suas fronteiras, os assassinatos de suas lideranças indígenas, o tráfico de suas floras e faunas, entre outras causas secundárias. Barbárie incentivada por lideranças empresariais e políticas alinhadas aos governantes descompromissados com o seu futuro.
A preservação da Amazônia ainda não faz parte do inconsciente coletivo da população brasileira. Ao contrário, mesmo nos fóruns políticos e na sociedade nacional, há total ignorância sobre sua complexidade e importância ao Brasil e ao mundo. Os políticos e os empresários brasileiros precisam descolonizar os seus imaginários para diferenciarem floresta de mato, progresso de desenvolvimento sustentável, charlatanismo de ciência, invencionice de história, entre outras dicotomias.
Este texto promove Manaus, a partir de sua filha Amazônia, por meio de três poemas centrados em temáticas contemporâneas que articulam suas representações culturais e ecológicas com os processos mundiais. O primeiro poema registra a sua rápida destruição que tem gerado miséria social, desconfortos e constrangimentos nacionais e internacionais. Desde 2017, a Amazônia já perdeu mais de 300 mil km2 de sua cobertura vegetal, apresenta crescente índice de contaminação em seus rios, ausência total de suas políticas de proteção e aumento no número de assassinatos de suas lideranças indígenas. Seus rios estão secando, suas florestas agonizando e suas vidas pedindo socorro e solidariedades. Pode-se dizer que o futuro breve da Amazônia se revela uma tragédia anunciada. Por esta razão, apresento em seguida um poema que ilustra esta proposição.
AMAZÔNIA, NÃO SE VÁ?
Amazônia,
Sua ausência constrange a humanidade,
Velhos sonhos se esvaeceram,
Dores e sofrimentos se espalharam,
Num mundo depreciado e pauperizado,
Prisioneiro de tristezas e futuros incertos.
Seus filhos recordam suas belezas
E generosidades compartilhadas,
Suas contribuições culturais e ecológicas,
Seus acolhimentos fraternos e solidários,
Heranças das sabedorias de seus povos.
Especialistas tentam te clonar,
Memórias e modos de funcionamento;
Distribuem falsas emoções e esperanças,
Promovem ilusões da vida plena,
E das sustentabilidades humanizadas.
Pessoas doentes e famintas clamam,
Por alimentos e paz espiritual,
Num mundo conturbado e destruído
Pela ganância do capitalismo predatório,
E petulância dos governos arrogantes.
Não se vá?
Seus admiradores recordam
Suas diversidades e belezas,
Criações de pluralidades,
E compromissos coletivos.
Não se vá?
Sua ausência esvazia o planeta,
De novos amores e liberdades,
Entre as pessoas e as naturezas,
Potencializa famílias robotizadas.
Não se vá?
Resista, seu tempo ainda não acabou,
O fascismo e o mercado liberal
Serão vencidos e controlados
Pela sabedoria da governança global.
Não se vá?
Você vencerá suas destruições,
Físicas e espirituais,
As trevas da maldição da mais-valia
Descartável e da ambição desvairada.
Não se vá?
Novos propósitos gerarão sua felicidade,
E satisfação em abrigar florestas, rios,
Faunas, floras, múltiplas cosmogêneses
E os espíritos da sustentabilidade.
Você passou,
Deixando-nos órfãos e desamparados
Das sabedorias de seus povos
E das linguagens e representações
De suas naturezas inacabadas.
Você passou,
Não testemunhará os frutos
De sua destruição;
Poluições, tragédias ambientais,
Pobreza, pandemias e insensatezes
Geram as doenças, amarguras,
E tristezas espalhadas ao mundo,
Causando pânico e incertezas
Sobre a perenidade da espécie humana.
Você renascerá nas cinzas do amor,
Em novas bases existenciais;
Reafirmar-se-á rainha da sustentabilidade,
Senhora do amor e tesouro da humanidade,
Farol de nosso futuro sustentável,
Continuamos te esperando.
Amazônia,
Hoje, 24/10/2024, a partir de Manaus,
Festejamos sua presença esplendorosa,
Acolhedora e altiva;
Espantando os males da maledicência,
E da ganância desvairada.
Novamente celebramos a vida,
E a sua política de sustentabilidade plena,
Desafio posto às suas lideranças,
Juventudes e instituições.
Amanhã será um lindo dia.
Manaus, 24 de outubro de 2024
Marcílio de Freitas
A difusão e popularização das complexidades culturais e ecológicas da Amazônia é uma condição imprescindível à sua perenidade. Sua potência existencial precisa ser materializada em programas educacionais que valorizem a natureza e a diversidade cultural, em todos os lugares e momentos. Baseado neste pressuposto, apresento um breve poema aos leitores das esperanças e das sustentabilidades amazônicas e globais.
AMAZÔNIA E OS LEITORES
Cara criança leitora,
Preciso renascer mais esplendorosa
E protegida;
Meus compromissos com o mundo,
Abraçam povos e territórios,
Em todos os continentes e lugares;
Necessito molhar os campos e as cidades,
Liderar o combate às mudanças climáticas,
Distribuir generosidades e esperanças,
E acolher as diferenças e diversidades.
Caro jovem leitor,
Cuidem de meu futuro com carinho,
Sou muito querida e estimada
Pelos meus povos e a humanidade;
Veneram-me como signos da modernidade;
Guardo soluções aos complexos problemas
Da humanidade e desafios para todos vocês;
Tenho as chaves ao pleno acesso
À sustentabilidade compartilhada,
Preciso cultivar minhas bibliotecas vivas.
Caro leitor adulto,
Usufrua a sabedoria de meus povos,
Viaje nos labirintos de meus rios,
Florestas e em minhas dádivas;
Experimente as alegrias de meus sabores,
Cheiros e sonhos;
Divulgue a minha importância ao mundo,
Introduza as crianças e os jovens
Ao mundo da sustentabilidade globalizada,
Centrado nas culturas locais e globais.
Caros leitores;
Crianças, jovens e adultos,
Venham me conhecer,
Povos pluriculturais, ambientes biodiversos,
Alegres, comunitários e altivos,
Formando as sociedades de saber,
E complexos jardins naturais;
Leitores, protagonistas da Era
Do desenvolvimento sustentável,
Marcada pelo combate à pobreza,
Às mudanças climáticas, à injustiça ambiental,
E à promoção da paz.
Fonte irradiadora de sentimentos nobres,
Encontro-me imbricada ao futuro
De todos vocês e, também, da humanidade.
Caros leitores,
Continuo aqui,
Bonita, surpreendente e instigante;
Venham me conhecer.
Amanhã pode ser tarde.
Manaus, 24 de outubro de 2024
Marcílio de Freitas
‘Tributo à Manaus’ apresenta-se como nosso compromisso com o seu futuro e o seu compartilhamento responsável e coletivo. É um texto dirigido aos que amam e sonham com uma Manaus, e também com uma Amazônia, livres e esplendorosas em busca de seus desenvolvimentos sustentáveis, em benefício de suas gentes, do Brasil e da Humanidade. Por esta razão, o terceiro poema retrata a grandeza dos seus hábitos e camadas civilizatórias, intersubjetivas, que tem construído a sua identidade cultural, permeada por encantamentos, sabedorias e esperanças. Revela as belezas associadas às suas convivências altivas, aos seus rios, florestas, assim como, aos seus sonhos e esperanças no atual quadro mundial de pandemia, guerras e incertezas políticas. Um universo de alegrias e sofisticadas culturas e naturezas ameaçado pelas crueldades e perversidades da política decadente e do mercado amoral e excludente.
AMAZÔNIA: REMINISCÊNCIAS DO COTIDIANO
Amazônia,
Beber suas águas, refrescos e sucos
Purificados e gerados por suas florestas,
Guaraná, cupuaçu, açaí, caju, taperebá…
Comer seus frutos e produtos exóticos,
Banana, caju, biribá, abiu, abacaxi…
Banquetes inigualáveis e irresistíveis,
Buquê de sabores e aromas sensíveis,
Tartaruga, pirarucu, tambaqui, jaraqui,
Matrinchã, entre outras alternativas,
Sem esquecer a farinha e o pato selvagem;
Alimentos para alegrar os nossos corpos
E, também, os nossos espíritos.
Respirar os ares filtrados pelos seus mitos,
E brincar com as revoadas dos pássaros,
Lembranças eternas de infância,
Guardadas em nossos corações e almas.
Conviver com seus povos originários,
Viajar em suas águas sagradas
E refletir sobre sua complexidade,
Diversidade cultural, territorial e ecológica,
Hábitos saudáveis de nossa geração.
Dançar os sons das florestas, dos rios,
E os do mundo, bálsamo espiritual
Inerente às nossas famílias, parentes,
E à socioantropologia amazônica.
Rezar pela proteção e redenção divina,
Estudar na escola acolhedora e arejada
Pela sabedoria e carinho das professoras,
Satisfação que se repetia todo dia,
Durante infância e adolescência fugazes;
Imersas em ondas de alegrias,
Aprisionadas em nossos espíritos e futuros;
Parte de nossos imaginários ficcionais,
E de nossas personalidades humanistas,
Conectadas às ondas de rádio.
Infância e adolescência saudosas,
Praticar esportes e jogos coletivos,
Momentos prediletos e muito festejados,
Vôlei, pingue-pongue, futebol,
Natação, basquete, xadrez…
Os preferidos de nossa geração,
No calor escaldante dos trópicos.
Rezar e namorar,
Ocasiões compartilhadas pela maioria,
Na matriz e, depois, na pracinha ajardinada.
Risadas vibrantes, brincadeiras engraçadas,
Beijos furtivos e carícias efêmeras,
Começo de muitos matrimônios
E famílias futuras;
Reminiscências de juventude feliz,
Abraçada pelas generosidades amazônicas.
Lembranças das florestas encantadas,
Do rio-mãe sagrado, das pescarias
E dos banhos nos igarapés,
Dos bailes calorosos nos fins de semana,
E das brincadeiras com as pipas de papel,
Nos ventos quentes tropicais;
Das quermesses paroquiais,
Festejadas com guloseimas deliciosas;
E muitos olhares comprometedores.
Oh! Simpatias e espantos
Com o nosso mundo sobrenatural;
Espíritos protetores das águas e florestas;
Cobra grande, curupira, mapinguari, …,
Iluminaram nossas crenças e criatividades;
Admiração com as histórias
E imagens coloridas, tridimensionais,
E atraentes dos filmes clássicos
De Fellini, Godard e Polanski;
Referências eternizadas por nossa geração.
Sonhos e reflexões sobre as representações
Artísticas e as literaturas clássicas,
Que se reverberavam nos documentários
E filmes de Silvino Santos,
Pioneiro e lendário cineasta amazônico;
Guardião de mistérios e sagas na região.
Amazônia de Silvino,
Lembrança eterna de nossas antropologias.
Amazônia indígena, brasileira, lusitana
E inglesa,
Dimensões sociais sempre presentes
Em nossa juventude,
E, também, nos discursos políticos
Dos governantes,
Nos arranjos produtivos da borracha,
Na urbanização e no acesso
Às cidades-capitais e aos municípios;
Nas belezas dos teatros, dos portos fluviais,
Clubes, e parques de repouso e diversão,
Nas viagens de férias pelos belos rios,
Em barcos aconchegantes,
E também nos aviões lentos e barulhentos.
Saudades de espaços e tempos passados,
Dos bondes, dos compromissos levados pelos ventos,
E das amigas e amigos que já se elevaram.
Saudades de Manaus e a Amazônia intrépidas,
Protegidas e livres das labaredas do ódio,
Do mercado predatório e do caos urbano;
Amazônia alegre de meu pai e minha mãe,
Amores inesquecíveis.
Manaus, 24 de outubro de 2024
Marcílio de Freitas
Link para acesso:
https://books.google.com.br/books/about/Tributo_%C3%80_Amaz%C3%B4nia.html?id=MsmMzwEACAAJ&redir_esc=y
*Marcílio de Freitas é patrono da cadeira 5, Alexander von Humboldt, no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Vencedor dos Prêmios Literários Cidade de Manaus 2024, categoria ambiental – Djalma Batista, com o manuscrito: Amazônia: Vida, Utopias e Esperanças.
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