*Jennifer Ann Thomas
Ao desvendar como morreu Lucy, ancestral do homem que viveu há 3,2 milhões de anos, a Ciência fica mais perto de esclarecer a origem de nossa espécie.
Um mistério de 3,2 milhões de anos parece ter sido enfim solucionado na semana passada: a morte de Lucy, a mais famosa ancestral humana. Com 1,1 metro de altura, mãos em formato de gancho (similares às dos chimpanzés) e ombros ultraflexíveis, nossa antepassada tinha o hábito de subir em árvores. Na copa, colhia frutas, equilibrando-se sobre seus dois pés – sim, ela era bípede, então uma raridade -, e construía ninhos, nos quais dormia. Foi provavelmente em uma dessas sonecas que Lucy caiu, de uma altura estimada em 12 metros. Teria acordado no meio da queda, a tempo de torcer o tronco à direita e posicionar os braços à frente, procurando se proteger. Em vão: fraturou o úmero (o osso do ombro) direito, os tornozelos, a mandíbula e a caixa torácica. Um alento: ela morreu rapidamente.
A vida de Lucy começou a ser desvendada em 1974, quando o paleantropólogo americano Donald Johanson descobriu seu fóssil na Etiópia. Conta-se que, logo depois de localizar o que seria 40% do esqueleto dela, Johanson teria comemorado com sua equipe ao som de Lucy in the Sky with Diamonâs, clássico dos Beatles – daí a inspiração para o nome. No rastro da escavação veio uma notícia estupenda: concluiu-se que Lucy teria vivido há 3,2 milhões de anos, ou seja, cerca de 1 milhão de anos antes de o primeiro ancestral do gênero Homo – ao qual pertencemos – andar pela Terra. Membro da espécie Australopithecus afarensis, ela representaria um provável estágio de transição da evolução de macacos para homens. Ainda que, nas décadas seguintes, os cientistas tenham descoberto esqueletos mais antigos, o fóssil etíope é celebrado por ter dado as primeiras provas de que há um chamado elo perdido que ligaria humanos a símios.
Uma dúvida, no entanto, ficou no ar: como teria morrido Lucy? Apostava-se que ela teria sido atacada por predadores. Pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) chegariam, contudo, a novos indícios. Em 2007, quando o esqueleto de nossa ancestral realizava um tour por museus, a equipe do antropólogo americano John Kappelman levou a ossada para um laboratório. Por dez dias, o time digitalizou o esqueleto. Isso rendeu 3S 000 imagens. Ao analisá-las, durante anos, os antropólogos notaram ferimentos típicos de pessoas que morrem em quedas (confira acima). O resultado do trabalho só foi divulgado no último dia 29. Há estudiosos contestando a descoberta – inclusive Johanson, o cientista que encontrou Lucy. Mas a explicação é, até agora, a mais plausível.
Para a ciência, a notícia está longe de ser tão somente curiosa. Se Lucy morreu assim, os antropólogos podem chegar a uma série de conclusões. Por exemplo, que Australopithecus realmente se revezavam entre andar no chão e pular de árvore em árvore. O fato de Lucy ter sofrido o acidente seria uma indicação de que seu corpo estava cada vez menos adaptado à vida nas copas. Isso teria sido determinante para a nossa evolução, visto que a agilidade como bípedes se mostrou fundamental para nos tornarmos melhores caçadores e para sobrevivermos em savanas. Em outras palavras, cada nova descoberta sobre Lucy nos deixa mais próximos de compreender integralmente o maior dos mistérios: como se deu a origem do homem.
*Jornalista inglesa. Artigo na Revista Veja, edição nº 2494, de 07/09/2016.
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