Os princípios e as diretrizes da proposta de uma política de desenvolvimento sustentável para o estado do Amazonas são apresentados neste sexto artigo. A construção de sua política de desenvolvimento sustentável apresenta novos elementos para as suas matrizes produtivas e profissionais. A incorporação do paradigma da sustentabilidade nas estruturas e nos processos de seu desenvolvimento socioeconômico exige reorganizar as suas políticas públicas com base em oito princípios, a saber:
– considerar a vida humana imbricada à natureza, e vice-versa, assegurando as suas perenidades;
– construir novas abordagens, linguagens, estratégias e inovações institucionais que integrem e maximizem, em bases sustentáveis, os benefícios do seu desenvolvimento econômico em todos os seus municípios, setores sociais, em especial às pessoas mais fragilizadas socialmente;
– priorizar os projetos e programas estruturantes de ciência e tecnologia centrados e articulados com as suas diversidades sociais e econômicas como a base material e integradora do desenvolvimento econômico regional, em arranjos produtivos sustentáveis;
– imprimir sustentabilidade e mais conectividade entre as estruturas institucionais governamentais e privadas, fortalecendo as relações entre a investigação científica e tecnológica e as políticas públicas sustentáveis, em especial as políticas básicas: educação e formação pós-graduada, saúde, transportes, indústria, cultura, energia, alimentação, habitação, trabalho, relações internacionais, e informação e comunicação;
– criar cooperações inovadoras com o Polo Industrial de Manaus, por meio de reformas fiscais e tributárias apropriadas, que possibilitem o uso de suas tecnologias hightech ou de outras inovações na exploração dos recursos naturais e da promoção das culturas amazônicas, em bases sustentáveis;
– garantir a aprovação desta política pública de desenvolvimento sustentável nos fóruns políticos apropriados, estabelecendo as suas metas, transversalidades institucionais, mecanismos de avaliação, parcerias públicas e privadas e os seus respectivos orçamentos e aplicações orçamentárias;
– desenvolver e coordenar os mecanismos operacionais dos programas de ciência e tecnologia visando maximizar as inovações e a competitividade dos projetos de desenvolvimento sustentável, e as suas conexões com o mercado sustentável global; e finalmente,
– descentralizar a gestão, a promoção social e a educação para a sustentabilidade local e planetária, possibilitando maior presença deste tipo de desenvolvimento na rotina das pessoas e, simultaneamente, nos processos econômicos globais.
Portanto, esta política pública tem como princípios os compromissos políticos que visam preservar, inovar, empreender, incluir, compartilhar e transcender os seus “principais sujeitos materiais e simbólicos” e os respectivos benefícios sociais e econômicos gerados. Quando os seus mecanismos operacionais se movimentarem entrelaçados entre si, novas formas, conteúdos e potências geradoras de sustentabilidades, locais e globais, serão potencializadas. Um quadro que criará novas conexões entre a gênese humana, as culturas e as naturezas numa perspectiva de envolvimento recíproco. Gerará novas demandas e impactos nas arquiteturas e estruturas dos modelos de desenvolvimento e nas formas de organização das sociedades. Concepção civilizatória que prioriza a promoção social e a preservação ambiental nas relações das pessoas e dos arranjos produtivos com a natureza.
Atualmente, este quadro de referência encontra-se permeado por crescentes desigualdades sociais, injustiças ambientais e pelo processo físico e político de mudanças climáticas que, entrelaçados entre si, ameaçam a perenidade da espécie humana e põe desafios complexos para todos nós e a humanidade.
Esta conjuntura reafirma a necessidade de aperfeiçoar e qualificar os modelos de desenvolvimento econômico incorporando sustentabilidades aos mesmos, num ritmo que detenha a destruição dos ambientes naturais e proteja as culturas e a qualidade de vida das pessoas.
Há vários agravantes. O estado do Amazonas apresenta um quadro ilustrativo. Em geral, os indicadores das condições sociais e humanas das populações amazônicas são preocupantes em termos de renda, educação, proteção infantil, condições de habitabilidade, acesso à saúde básica e perspectivas de ocupação da força de trabalho, entre outras.
Pode ser dito que a situação social amazônica tem se deteriorado rapidamente aproximando-se aos índices de pobreza das populações da África Central. Apesar do diferencial de atenção à saúde, a taxa de mortalidade infantil da população indígena amazônica é 67,7 por mil crianças nascidas vivas em 2015-2016. Em algumas regiões, esse índice eleva-se a 100 óbitos, como no caso das populações indígenas Yanomami no estado de Roraima, Kayapó no estado do Mato Grosso, e de grupos étnicos do Alto Juruá e do Médio Rio Negro. A situação atual, 2022-2023, é dramática. A atualização destes indicadores ainda encontra-se em processo de avaliação.
Esses indicadores sociais da Amazônia brasileira são alarmantes, especialmente quando comparados aos indicadores semelhantes da Finlândia, Islândia, Japão e Noruega que apresentaram três mortes, nos mesmos anos. Os impactos dos projetos econômicos predatórios nas populações amazônicas contribuem para este quadro alienante, patético e constrangedor. A ausência de políticas públicas o agrava. A transmissão da covid-19 na região tem sido aterrorizante. Até 30 de Novembro de 2021, o estado do Amazonas apresentava 429.944 casos de pessoas contaminadas por covid-19 e 13.803 óbitos (Boletim Covid-19, 30.11.2021). Cenário dramático tratando-se de um estado brasileiro que atualmente tem uma população de 4.269.995 habitantes (IBGE, 2021).
Uma tragédia anunciada com possibilidade de extermínio de parte significativa dos povos indígenas, considerando que esta pandemia ainda se alastra nas Amazônias urbanas e profundas. As omissões dos governos, empresários, instituições públicas e privadas, e dos conglomerados econômicos que atuam na região com este quadro sanitário e social trágico já foram naturalizadas. Agem como se nada existisse.
Papa Francisco e a Igreja Católica têm sido enfáticos: precisamos proteger as populações amazônicas que estão muito fragilizadas. As denúncias das Ongs e de segmentos críticos da sociedade não ressoam nos governos estaduais e federais que ainda se encontram subvertidos ao capital predatório. O intenso desmatamento e a poluição de sua bacia hidrográfica agravam este quadro.
As intervenções do Governo Lula, após janeiro de 2023, na região ainda precisam ser avaliadas; mas já se constata a redução no processo de sua destruição cultural e ecológica. Isto é muito significativo, considerando que o uso e a ocupação ilegal e predatória da região contavam com o apoio político e operacional de segmentos representativos das forças armadas brasileiras e de maioria das casas legislativas estaduais e municipais amazônicas. E também da câmara e do senado brasileiros.
Um quadro aterrador, que parecia não ter fim. A falta de um projeto de desenvolvimento integrado e consistente para a Amazônia contribuiu para esta tragédia assombrosa. A ausência de uma opinião pública organizada e esclarecida agrava este quadro de subalternidade política.
Destaque á inserção política e econômica do Polo Industrial de Manaus (PIM) no processo de desenvolvimento do estado do Amazonas. O PIM com mais de 500 indústrias, nacionais e transnacionais, e de abrangência em toda Amazônia ocidental, constitui, atualmente, uma matriz científica e tecnológica sofisticada. Com mais de 50 anos de existência, ela é de natureza não poluente. Gera mais de 120 mil empregos diretos e encontra-se em contínuo processo de expansão física e econômica, à custa de benefícios fiscais e tributários do estado brasileiro. Pode-se dizer que esta matriz industrial movimenta mais de 90% da economia amazonense.
Os seus principais focos são as indústrias elétrico-eletrônica, informática, automotora, química, alimentação e biofármacos com uma pauta de exportação que atinge vários países. Desde sua instalação em Manaus, na década dos anos sessenta, ele já contabilizou lucros acima de US$500 bilhões às empresas transnacionais, com resultados ainda incipientes à melhoria de qualidade de vida das populações regionais.
Este ‘modelo de progresso social e econômico’, baseado em montagens de artefatos manufaturados importados, precisa ser ressignificado e, também, direcionado para o desenvolvimento sustentável do Amazonas, conforme estabelecido nesta ou em outras propostas mais consistentes. A construção de parcerias público-privadas e de um fundo de investimento em projetos e programas de sustentabilidade na região é uma dívida histórica às suas populações, um dever cívico e humanitário destes conglomerados econômicos e do estado nacional. A proposta de ressignificação da Zona Franca de Manaus será apresentada nos textos 19 e 20 desta série.
As posses do Governo Lula e dos novos Ministros brasileiros a partir de 1 de Janeiro de 2023 põem novas perspectivas ao desenvolvimento sustentável para a Amazônia, em especial ao estado do Amazonas. É o que as populações, os povos originários e os setores públicos e privados, esperam.
A Amazônia, rainha da sustentabilidade, apresenta-se como o principal laboratório, biodiverso e aberto, do planeta para os modelos de desenvolvimento sustentável. As suas potencialidades e possibilidades em se afirmarem como centro de referência mundial para o desenvolvimento sustentável suscitam desafios e compromissos institucionais do governo brasileiro em sua política nacional de ciência e tecnologia.
Este pressuposto põe outra questão central ao estado do Amazonas: Como integrar uma plataforma de ciência e tecnologia na construção de sua política de desenvolvimento sustentável? Este desafio será apresentado nos artigos subsequentes. O artigo que se segue inaugura esta série.
Uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos: O estado do Amazonas, um caso ilustrativo
Parte III: Entraves e desafios – TEXTOS 6-7/30
Este sétimo artigo-opinião apresenta novas propostas e formas de gestão de projetos sustentáveis nas regiões tropicais úmidas. Como integrar uma plataforma de ciência e tecnologia à construção de uma política de desenvolvimento sustentável para o Amazonas? Que inovações científicas e tecnológicas devem se integrar aos fundamentos da economia associados aos modelos de desenvolvimento sustentável na Amazônia? Como proteger as culturas e os ambientes naturais amazônicos dos governos estúpidos e do mercado predatório? Como garantir que a produção e o uso do conhecimento científico sejam um bem comum, ao alcance dos povos amazônicos? Como alinhar a ciência com a economia no estado do Amazonas, para melhorar os seus índices de desenvolvimento humano, e construir o seu futuro sustentável? Como assegurar que as novas matrizes produtivas do Amazonas resultem em inserção social e gestão sustentável de seus recursos naturais e de sua matriz profissional? Por último, como interiorizar esta política e viabilizar o acesso de suas populações aos benefícios dos serviços e produtos ambientais na florescente economia verde? Estas questões serão esclarecidas nos artigos subsequentes que apresentam esta política pública.
A contínua destruição da natureza e das culturas indígenas amazônicas contribui para eliminar uma parte importante da história antropológica da humanidade, e acelerar a desestabilização socioecológica do planeta. Este quadro suscita desafios e decisões inovadoras dos gestores públicos, nesta Era da economia globalizada. O ranking mundial dos indicadores de desenvolvimento humano mostra que o crescimento econômico não poderá ser contínuo e ilimitado, com a manutenção dos mesmos pilares da atual matriz industrial poluente.
Os agravamentos das desigualdades sociais, degradação ecológica do planeta, mudanças climáticas e as incertezas e riscos do mercado financeiro associadas à pandemia da covid-19 tornam insustentável esta tendência de crescimento econômico ilimitado. Este cenário impõe restrições aos fluxos de matéria e energia, e reafirma a necessidade de construir modelos de desenvolvimento econômico integrados aos ambientes naturais e às culturas regionais. Preservar e incorporar a natureza, em bases sustentáveis, aos fundamentos dos modelos de desenvolvimento são ações imprescindíveis às perenidades do planeta e da espécie humana. Possibilitarão, também, implantar arranjos produtivos que melhorem os indicadores de qualidade de vida e, simultaneamente, a preservação da diversidade ecológica.
Este quadro de referência mobiliza e dá sentido lógico e histórico à política de desenvolvimento sustentável. Política pública que precisa ter os seus mecanismos operacionais assentados em programas científicos e tecnológicos integrados às culturas tropicais, tratando-se de Amazônia, conforme ilustrado em seguida.
Ciência e: redes de proteção e utilização do conhecimento tradicional; doenças tropicais; habitação; preservação ambiental; educação; serviços ambientais; cultura e artes; e ciência e ordenamento territorial são algumas dimensões das articulações da ciência com os processos sociais e econômicos na Amazônia. Mesma ênfase deve ser atribuída à ciência e: bioindústria; plataformas de tecnologia de informação e comunicação; polo industrial do estado de Amazonas; mecanismos de desenvolvimento limpo; e ciência e tecnologias tropicais centradas nas inovações de novos materiais.
Estas articulações científicas retratam as dimensões públicas e privadas dos alcances institucionais dos programas que poderão integrar os mecanismos do desenvolvimento sustentável com a preservação ecológica do Amazonas, um exemplo para o Brasil e o mundo.
O século 21 reafirmou uma nova tendência mundial: a valorização da vida e da natureza, em todas as suas dimensões. Este processo conduziu à sinergia de esforços nacionais e mundiais para a construção de modelos de desenvolvimento sustentável. Estes modelos ainda apresentam vários problemas estruturais, os principais deles associados aos processos de concentração, expansão e circulação do capital, em contextos de riscos e incertezas. A transição dos modelos econômicos tradicionais aos sustentáveis é muito dependente das dinâmicas regionais e globais do capital.
Este quadro exige mudanças radicais nas matrizes industriais, o combate às crescentes desigualdades sociais, uma governança global dirigida à proteção da natureza, e a implantação da economia verde e circular. Estas medidas têm como pressuposto a construção de um consenso político sobre os limites suportáveis do grau de poluição do planeta, a ressignificação do conceito de soberania nacional, e as mudanças nos hábitos e nas relações das pessoas com a natureza; entre outras providências.
A construção das condições estruturais para implantar e operar os modelos de desenvolvimento sustentável exige altos investimentos financeiros e tensões políticas que os governos dos países industrializados não querem assumir. Entretanto, os atores sociais têm elaborado estratégias para vencer as resistências políticas que dificultam a sua implantação. As sociedades têm incorporado as representações simbólicas universais aos princípios da sustentabilidade, humanizando os seus significados e aplicações, e pressionando os governos nacionais por medidas de proteção da natureza mais rígidas e responsáveis.
Esta dinâmica sociocultural é muito dependente das políticas de educação, ciência e tecnologia. Apresenta complexos desafios aos gestores no século 21. A ausência de consenso político e de articulações dirigidas ao financiamento pleno deste tipo de desenvolvimento constitui o principal entrave à sustentabilidade dos lugares e também da Amazônia.
Em resumo: o novo sistema de referência mundial que imbrica as representações simbólicas da vida à natureza, portanto aos processos sustentáveis, confere mais valor às trocas subjetivas, sejam elas econômicas ou não, e à reafirmação da condição humana como elo fundamental da sustentabilidade. Sua (do sistema de referência) característica multidimensional fortalece o desenvolvimento regional e, simultaneamente, as ações locais, as parcerias em redes assim como as conexões do estado nacional com o mercado financeiro e os setores privados.
Estes empreendimentos políticos estabelecem novas regulações normativas e novas relações entre as pessoas, a sociedade, o estado nacional e as organizações transnacionais. Na Amazônia, as instituições de ensino e pesquisa assim como os seus produtores rurais e urbanos desempenham um papel fundamental neste processo. Num quadro de referência que reafirma a crescente importância da sustentabilidade.
O próximo artigo apresentará as condições estruturantes e a importância do desenvolvimento sustentável para a Amazônia e ao estado do Amazonas. Para finalizar, apresento o poema “Amazônia: protagonismo na Era da sustentabilidade”.
AMAZÔNIA: PROTAGONISMO NA ERA DA SUSTENTABILIDADE*
Amazônia,
Vítima da Era do expansionismo europeu,
E da colonização sanguinária;
Alvo de expropriação material e espiritual,
Celeiro na Era da revolução industrial.
Amazônia,
Prisioneira das repúblicas racistas,
Laboratório das ciências pragmáticas,
Lócus da Era do progresso ilimitado,
Centrada na privatização planetária,
Na democracia excludente,
Na destruição ecológica,
E na desigualdade social exacerbada.
Presa nas teias da globalização assimétrica,
Indutora do capitalismo predatório,
Que destrói as culturas e naturezas,
Subjuga povos e induz as maledicências
Que adoecem os espíritos humanos.
Amazônia,
Protagonista da Era das mudanças
Climáticas e da injustiça ambiental,
Unanimidade na Era das informações
E da sustentabilidade local e planetária.
Amazônia,
Alvo de tiranias civilizatórias,
Matrizes de sua destruição,
E de suas dores e sofrimentos existenciais,
Presentes desde a chegada do colonizador.
Amazônia,
Refém da Era do Antropoceno,
Contaminada pela pandemia da covid-19,
E pelos confrontos políticos mundiais,
Referenciados nas guerras nacionais
E territoriais,
Como a destruição da Ucrânia pela Rússia;
Amazônia e Ucrânia,
Vítimas da selvageria
E do anacronismo civilizatório,
Desintegrado e descompromissado
Com os lugares, as sociedades
E as nações fragilizadas,
Em estágios de morte lenta;
Semelhante ao fim do mundo,
Retratado nas plataformas digitais,
Amoral e desespiritualizado,
E sem memória da história universal.
Espaços e tempos cruzados,
Em busca de novos ideários e utopias,
Para o mundo triste e decadente.
Amazônia,
Subjugada nas Eras dos ‘descobrimentos’,
Dos imperialismos, das colonizações,
Das revoluções industriais e das repúblicas,
Da ciência e tecnologia,
Do desenvolvimento capitalista,
Das sustentabilidades do mercado,
E do antropoceno difuso e confuso;
Invenção da ciência pragmática.
Amazônia e as Eras civilizatórias,
Entidades históricas opressoras
Que a mantém escravizada,
Nas teias políticas e econômicas
Dos interesses globais;
Centradas nos mitos da prosperidade
E do planeta preservado.
Amazônia e a ilusão do fim
Da Era das poluições e degradações,
Refém da política privatista, expansionista,
E colonialista das culturas e naturezas.
Amazônia mergulhada e enraizada
Nas camadas dos interesses globais,
Sua práxis e o seu futuro
Precisam blindar-se da perversidade
Da injustiça social e ambiental,
E do capitalismo amoral;
Sua sobrevivência é imperiosa,
Hoje e sempre, na emergente
Era da sustentabilidade espiritualizada
Que propõe incluir e compartilhar.
Manaus, 26 de Setembro de 2022
*Poema publicado no livro “Tributo à Amazônia”, Marcílio de Freitas, KDP – Amazon Book, 2022
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