As transformações sociais e culturais da Zona Franca em Manaus são bastante distintas daquelas que aconteceram durante o ciclo da borracha.
Enquanto a cidade era a capital mundial da borracha, Manaus rapidamente se consolidou como centro urbano, e desenvolveu os primeiros sistemas de serviços públicos eficientes, como eletricidade, distribuição de água e esgotos.
Naquele período a cidade teve suas ruas pavimentadas, o seu crescimento planejado, viu crescer o número de hospitais e abriu-se para as influências culturais cosmopolitas. Criou uma Universidade e construiu uma casa de óperas. É claro que todas aquelas vantagens eram direcionadas aos ricos, àqueles que lucravam com o comércio do látex. No entanto, o desenvolvimento de Manaus durante o ciclo acompanhou o crescimento populacional, sem degradação dos serviços. O oposto ocorreu com a Zona Franca de Manaus. Para as elites locais a Zona Franca é uma tentativa de exorcizar o fantasma da bancarrota e da decadência enquanto sublimam que tiveram de engolir sem espernear os projetos megalomaníacos da ditadura militar. O quinhão que nos coube na paranoia do regime de segurança nacional, foi o modelo da Zona Franca de Manaus, que já não existe mais de tão remendado e fuxicado que tem sido pelos tecnocratas de plantão e pelos interesses econômicos dos grandes grupos industriais que foram capturados pelos atrativos dos incentivos fiscais. Mas a dura realidade é que a Zona Franca apresentou desafios que foram ignorados pelas administrações públicas. Tivemos uma fieira de governadores e prefeitos desastrados, corruptos e incompetentes. Se fosse possível traçar um perfil desses políticos, teríamos uma sucessão de elementos ciososno uso do cargo em beneficio próprio e de seu grupo político.
Esta ideologia de meliantes se reflete nas proporções acachapadas das “obras” que deixaram. A malha urbana dos barões do látex, inspirada no senso de modernidade das cidades cartesianas, foi mimoseada com o rendilhado medieval das favelas que a rodearam,com suas ruelas infectas e a completa falta de infraestrutura que só pela afabilidade dos pobres pode-se chamar de bairro. A cidade de Manaus já foi uma cidade culturalmente sólida,embora marcada pela decadência econômica e pelo abandono político. Sua população carregavauma rica mescla de tradições culturais indígenas, europeias e brasileiras, alicerçada por umasólida rede educacional. Era uma cidade que usufruía de uma cultura orgânica, coerente, perfeitamente inteligível para a esmagadora maioria da população. Em 1968 o regime militar após cortar ao meio a região amazônica, dividindo-a em Amazônia Oriental e Ocidental, impõe ao Amazonas a Zona Franca de Manaus, área de renúncia fiscal inspirada em soluções coloniais largamente utilizadas na África no século XIX. Do ponto de vista cultural foi um desastre. Entre 1968 e 1970 a cidade Manaus passa de cerca de 350 mil habitantes para 600 mil, para atingir a marca dos dois milhões em 2009. Nenhuma cidade suportaria tamanha explosão demográfica sem sofrer terríveis consequências.
Especialmente por se tratar de uma explosão demográfica provocada não pelo aumentoexponencial da taxa de natalidade dos nativos, mas pela intensiva migração. O Distrito Industrial, planejado para absorver 40 mil operários com baixos salários, tornou-se um polo de atração para os deserdados dos bolsões de miséria mais próximos. Esta massa de imigrantes provinha de áreas onde não contavam com educação, sistema de saúde, trabalho ou segurança. Este tipo de massa oriunda do campo carrega um dilaceramento cultural profundo, e por isso, em sua nova terra de eleição, não consegue estabelecer vínculos ou compreender a cultura que os recebe, sem que os poderes públicos e a sociedade proporcionem meios de recepção e integração.
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