Quando Jorge Amado completou oitent´anos de vida e enviei um modesto cartão de parabenizações ao notável baiano, fiquei a pensar que não fosse difícil nem longe para se conseguir alcançar esta bela idade. Generoso, ele respondeu com presteza e certo humor dizendo-me: “foi só um sopro de vida”, a sinalizar que, mesmo decorridas muitas luas, ao completar-se esta bela idade, mesmo assim ela ainda será um sopro de vida.
Com meus pais deu-se igual. Festejando os 98 anos de existência, Lourenço e Sebastiana devem ter sentido que a passagem do tempo diante de tantas responsabilidades assumidas, de acontecimentos cotidianos e outros marcantes, tudo se resumia a um sopro como ensinou em poucas palavras o mestre de “Dona Flor e seus dois maridos” e de tantas outras obras de alta qualidade que ornam a literatura brasileira.
Recentemente, falando com os meus botões, fiquei pensando se acontece desta forma com todas as pessoas que têm a felicidade de atravessar decênios, aprimorar-se nos estudos, organizar bem a família e se fortalecer espiritualmente, ou se é privilégio de uns poucos seres humanos. O certo é que, a meu ver, avançar no amanhã e conduzir-se entre atropelos inesperados e alegrias que acalantam o coração é um caminhar para mestres e mestras nos quais deve se transformar qualquer aprendiz.
O que vejo hoje, vislumbrando a estrada que tenho a percorrer e diante de festejo singular de Maria Justina Braga Monteiro que completa seus 80 anos bem vividos, em satisfação constante e sem valorizar os atropelos que atravessou, é que será muito mais sábio vencer o tempo de forma amigável, sem a ele se opor nem a ele resistir, mas conviver com ele de forma fraterna.
É este um dos exemplos que Maria Justina nos oferece a todos que a conhecemos de perto, aos que temos o privilégio de experimentar a sua convivência, sentir pulsar o seu coração, aplaudir as suas vitórias, admirar e usufruir de sua alegria contagiante sem omitir as marcas do que passou.
Pareço vê-la jovem, fardada do Instituto de Educação do Amazonas preparando-se para os desfiles da Semana da Pátria, ou pronta para os folguedos folclóricos na Dança dos Imperiais, ou ainda, bem composta para as disputas de vôlei pelo Olímpico Clube, dentre as melhores atletas de seu tempo. Vem à memória quando estava estudando na sala da casa de nossa residência entre papeis, livros e cadernos, preparando-se na Escola de Serviço Social de Manaus. Emociona-me recuperar a hora certa em que a vi vestindo a bata branca de professora normalista para lecionar no Grupo Escolar “Princesa Isabel”, e tenho na retina, ainda agora, o beijo na fronte que recebeu de nossos pais, orgulhosos, a abençoá-la para esse mister. Pareço vê-la singularmente bela, vestida de noiva e a caminho de firmar seu compromisso com Yano Renée para constituir família que nossos pais abençoaram e Jesus sacramentou.
Se fecho os olhos, tenho a sensação de ouvir o som de seu bandolim, de sua acordeon, de seu piano, executados com delicadeza e habilidade para gaudio de todos nós, sem nunca ostentar qualquer prazer maior que não fosse pelo estudo, pela família, pelos amigos, pelas coisas simples e procurando manter-se feliz.
Assim passaram-se 80 anos e mais vão passar sem que ela tenha perdido a sua essência, a sua paixão e dedicação como filha, irmã, mãe, esposa, professora, colega de trabalho, chefe de repartição, diretora de escola. Sem que tenha se deixado levar pela vida, mas vivido e vivendo para o bem e para o amor, para a família. Dedicadamente para a família. E fazendo deste “sopro de vida” uma eternidade de paz.
Tendo partilhado com ela um bom tempo deste caminho, como o mais novo do clã, eis que agora posso vê-la como excelente escritora transferindo aos leitores a sua experiência de amar, viver, sofrer e ser feliz.
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