Manaus, 22 de novembro de 2024

Uma política pública para o desenvolvimento sustentável do Amazonas Programas científicos e tecnológicos estratégicos IV Aprimorando o nosso futuro sustentável – Texto 24/30

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A história amazônica registra tragédias irreparáveis. As chegadas dos bárbaros na região exemplificam um período do expansionismo imperial europeu marcado por ganâncias e crimes hediondos. Apenas para ilustrar, menciono a morte por enforcamento do último imperador Inca, Atahualpa, em 1533, pelo aventureiro Francisco Pizarro, marco na destruição e dominação desta importante nação indígena pelo império espanhol. Similarmente, a submissão forçada e sangrenta da nação indígena dos Manáos à tirania portuguesa na Amazônia, marca outro capítulo desta guerra de ocupação e extermínio na região. Cenário marcado pela trágica morte de Ajuricaba, líder dos Mánaos, que, em 1727, se jogou com o corpo acorrentado de um navio português às águas do rio Negro, para se libertar eternamente após ser aprisionado pelas armadas lusitanas. A verdade é que as armadas e as ciências e tecnologias europeias chegaram e se instalaram na Amazônia pan-americana destruindo física e culturalmente os povos originários e o conhecimento tradicional milenar acumulado na região. A ignorância e a arrogância dos impérios europeus conduziram suas intervenções políticas na região onde prevalecia a existência de povos cultos e integrados à natureza, organizados em sociedades do saber. A implantação de programas educacionais e científicos que possibilitem compreender aspectos históricos desta fase civilizatória, na perspectiva amazônica, é premente. Em especial à reafirmação de suas resiliências, transcendências e antropologias das técnicas.

Portanto, dando continuidade aos artigos anteriores, este texto 24 apresenta, em forma sucinta, mais três programas científicos e tecnológicos estratégicos ao desenvolvimento sustentável do Estado do Amazonas: 8- Os fundamentos da “Universidade Intercultural do Amazonas”; 9- Os fundamentos dos “Museus Vivos da Amazônia”; e, 10. As “Cibermalocas”.

8. A Universidade intercultural será uma síntese da sabedoria da humanidade; incorporará as complexidades das texturas das camadas civilizatórias próprias das representações materiais e simbólicas dos povos originários amazônicos. Abarcará, simultaneamente, as múltiplas dimensões socioecológicas da Amazônia, a partir dela.

Amazônia, tesouro da humanidade, com sua natureza molhada por um mar de água doce e abençoada por infindáveis jardins botânicos. Amazônia, guardiã dos segredos da vida, da cura de doenças, físicas e espirituais, e da estabilidade atmosférica mundial. Amazônia inventada pela sabedoria de seus povos e pela cartografia colonial, com muita dor e sofrimento. Amazônia da origem da viva e morada de múltiplos processos da cultura e da natureza, integrados e indissociáveis entre si. Amazônia, indutora de novas abordagens, metodologias e formas de relações entre as pessoas e as naturezas. Amazônia matriz de múltiplas cosmogonias e interesses mundiais.

Amazônia, esconderijo dos espíritos das florestas e das águas; mundo onde as faunas se comunicam com as floras e a luz solar garante a sua autorregeneração. Amazônia, centro do universo, onde os espíritos do mundo vivo convivem com os do mundo inanimado, numa dimensão ecumênica. Amazônia, farol da sustentabilidade planetária, portal de entrada para um novo mundo livre do capitalismo alienante e predatório. Amazônia e estética, Amazônia e ciência e inovações, Amazônia e tecnologias limpas, Amazônia e sociedades do saber, e Amazônia e bioindústria são dimensões prioritárias ao seu desenvolvimento sustentável.

Compreender a Amazônia e as nossas origens e futuros comuns, compartilhados por todos os povos e construídos pelas gerações que nos antecederam, é o nosso principal desafio, hoje e no futuro. Suas contradições, diversidades e belezas continuam desafiando e instigando as mentes e os corações de seus povos e da humanidade.

A Universidade Intercultural propõe-se mergulhar neste universo complexo construindo novas perspectivas para a promoção dos povos amazônicos, e para a humanidade. Apresento em seguida, os fundamentos, as linhas temáticas e os mecanismos operacionais que poderão nortear a sua organização no Amazonas, estado brasileiro que abriga 70 povos indígenas em seus 62 municípios. Lembro que há quatro questões centrais que precisam ser equacionadas: a reconstrução de um consenso político entre os povos indígenas e a garantia de suas participações neste processo; a garantia da oferta das abordagens e metodologias apropriadas na língua-mãe; a consideração do território e da cultura como elementos-guia; e a indissociabilidade entre cultura e natureza.

A partir destes pressupostos, considera-se que a proposta de implantação da Universidade Intercultural tem como fundamento um conjunto de temáticas que articula o saber indígena com o conhecimento científico, ambos centrados na Amazônia.

Este fundamento movimentará seis grandes temáticas que guiarão a sua organização, a saber: natureza e cultura; educação e ciência e tecnologia; inovações e processos produtivos; economias e serviços ambientais; territórios e povos; e preservação e desmatamento. Estas temáticas se desdobram em cinco eixos estruturantes que possibilitarão a materialização de seu funcionamento acadêmico.

Estes eixos-guia se apresentam como: Conhecimento indígena e políticas públicas; Sociedades do saber e etnociências; Cultura, natureza e artes indígenas; Desenvolvimento sustentável e economia indígena; e Educação indígena e ciência e tecnologia e inovação. Por sua vez, estes eixos estruturantes movimentarão os seus quatro programas interculturais apresentados em seguida: Formação de professores indígenas, e cultura, difusão e comunicação científica; Tecnologias das florestas e das águas e novos materiais sustentáveis; Novas tecnologias e processos de gestão sustentáveis; e, Políticas públicas, artes e desenvolvimento sustentável.

O Projeto básico também propõe organizar um programa para a implantação do curso de licenciatura plena em educação indígena em ensino de ciências, para estes mesmos povos. Os professores formados neste programa trabalharão na docência e na gestão de arranjos produtivos vocacionados e de processos educacionais científicos, no ensino fundamental e médio, nas escolas indígenas deste Estado brasileiro e da Amazônia. Este curso poderá funcionar em forma modular, por meio de uma plataforma tecnológica de ensino à distância, mediado, em parcerias com outras universidades públicas locais.

Esta proposta, multidisciplinar, introduzirá novos elementos aos programas de pesquisa em ensino de ciências para os povos indígenas. Criará novas articulações acadêmicas interinstitucionais nacionais e internacionais. Em sua organização curricular destacam-se inúmeras inovações estruturantes, tais como: a reafirmação da formação de um perfil de professor indígena compromissado com a realidade do ensino de ciências integrado à complexidade cultural e ecológica da região; o caráter interdisciplinar ao projeto pedagógico privilegiando, também, a participação dos professores indígenas na docência de disciplinas deste programa; a incorporação de eixos temáticos situados na fronteira da filosofia com as ciências da natureza e das ciências humanas; a inclusão de abordagens multiculturais com elementos técnicos inovadores que possibilitarão entrelaçar os conteúdos da ciência ocidental com o conhecimento tradicional; a formação de uma grande plataforma de inclusão tecnológica aos povos indígenas; e a integração dos seus discentes às temáticas transdisciplinares fortalecendo as suas formações culturais, as sociedades do saber e o confronto com os princípios capitalistas degradantes.

A Universidade Intercultural poderá ser instalada em cinco anos consecutivos e custará cerca de US$80 milhões durante esta primeira etapa de sua estruturação. Certamente o Fundo Amazônia, O BNDS, o Fundo de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da Zona Franca de Manaus, e as colaborações internacionais se sentirão honradas em financiar um projeto similar a este.

9. Os Museus Vivos na Amazônia são empreendimentos imprescindíveis ao Amazonas. Esclareço este ponto de vista que incomoda os serviçais do colonialismo e os cronistas ‘penas de aluguel’.

Os encontros de duas ou mais civilizações provocam rupturas irreversíveis, para o bem ou para o mal, dependendo do ponto de vista. Na Amazônia, as chegadas dos invasores foram épicas. Bandos de aventureiros em grandes naus movimentadas por centenas de marujos. Sonhos, delírios e preconceitos anunciados pelos seus mosquetes, arcabuzes e balestras que trucidavam as nossas crianças, mulheres e pajés, abrindo novos caminhos às suas crenças e aos seus desejos de dominação. Chegavam cantando hinos religiosos e trechos de músicas épicas de guerras, que ecoavam pelas florestas e pelos rios, em linguagens desconhecidas até então. Chegadas dos aventureiros que espalhavam ódios, dores, doenças, sofrimentos e sentimentos de posse e conquista, numa Amazônia surpreendente e atraente à violência, e ao expansionismo imperial europeu. Invasões que desde 1500, se repetiram durante séculos, eliminando centenas de culturas, povos, ambientes, e memórias importantes da história das civilizações (Freitas, 2022b). Invasores que se apropriavam dos hábitos, dos artefatos culturais, dos mitos e ritos locais, transformando-os em mais-valia para os mercados e consumos europeus. Estimulavam a frivolidade imperial do continente europeu, que transbordava eugenia e racismo no ‘Novo Mundo’, apresentado como o ‘Paraiso Perdido’, o ‘País da Canela’, e o Eldorado de sua ganância e arrogância em busca da fonte da juventude eterna.

Antes, éramos mais de 1000 povos e 7 milhões de pessoas livres na Amazônia, resistindo – com nossas lanças, arcos e flechas, zarabatanas, tacapes, fundas e espiritualidades – às fúrias e às guerras europeias, num mundo complexo e desconhecido para eles. Após três séculos consecutivos, passamos de maioria à minoria, com as nossas culturas e os nossos ambientes contaminados pela ambição, pelas doenças físicas e morais, pela exploração econômica e social, e a desespiritualização cultural de nossos povos submetidos à triste história da ‘Era dos Descobrimentos’ de novos mundos, que já tinham existência própria e floresciam com muita fartura, alegria, musicalidade e integração com a natureza.

Hoje somos menos de 500 mil parentes, espalhados por toda Amazônia brasileira, ainda resistindo às investidas sanguinárias sobre as nossas culturas e organizações, em nome do progresso e da defesa do estado Nacional. Nossas 500 bilhões de florestas e mais de 2000 rios, inventados e cultivados pelos nossos ancestrais, continuam sendo depreciados pela ambição e arrogância dos humanos, que insistem num tipo de desenvolvimento predatório, que deprecia a natureza e põe o futuro da humanidade em risco de extinção e decadência moral.

Os “humanos civilizados” já inventaram uma nova era da civilização denominada “Antropoceno” que delimita um longo período de destruição das culturas e dos ciclos da natureza, incluindo os povos, os territórios, as floras, faunas, águas, atmosferas, religiões, os mitos, ritos, conhecimento tradicional, e as diferentes concepções de mundo. Período marcado por epidemias e pandemias decorrentes da não integração dos humanos com a natureza, tipo: ‘cólera, peste negra, gripe espanhola, ebola, gripe suína, AIDS, doença da vaca louca, gripe aviária, e covid-19’. Doenças que são construções sociais da ‘civilização desenvolvida’. E desconhecidas pelos povos originários até a chegada do progresso trazida pelos europeus ao Novo Mundo, ‘Selvagem e primitivo’.

Longo período que também testemunhou o nascimento e o florescimento da ciência e tecnologia, e das artes e cultura numa perspectiva privatista, concentradora e hierarquizada estimulando o sentimento de posse da natureza e do planeta.

O Antropoceno também apreende as complexidades amazônicas, que clamam pela proteção aos seus povos e às suas naturezas, por justiça ambiental e emergência climática. E, simultaneamente, abarca o combate da miséria e da desigualdade social e econômica de suas populações. Ignoradas, desprezadas e perseguidas pelos governantes e os poderes políticos e econômicos aliançados com o mercado financeiro alienado e concentrador.

A construção de uma cultura de sustentabilidade para o mercado ainda é um desafio. As sustentabilidades dos povos, das religiões, águas, atmosferas, luzes, territórios, várzeas, faunas, floras, répteis, aves, peixes, músicas, artes, culturas, conhecimento tradicional, e também dos mitos e ritos, entre outras, não podem ser regulamentadas por interesses econômicos privatistas. Trata-se de patrimônios da humanidade imbricados na gênese da vida. Da mesma forma, as relações dos povos amazônicos com as suas naturezas estão assentadas em sentimentos de pertencimento, acolhimento e de compartilhamento mútuos, movimentados por crenças num mundo indivisível e integrado pelo amor e pela solidariedade.

Neste sentido, pode-se dizer que a destruição da Amazônia constitui um marco da decadência ética e política da humanidade, principalmente do Brasil e das elites amazônicas. Uma luz multicultural e biodiversa, que se apagará acelerando o nosso retorno à Era da barbárie e da truculência civilizatória, envernizada com as técnicas amorais e desespiritualizadas. As instituições internacionais, os governos sensatos, as religiões, e as sociedades organizadas precisam parar esta tragédia mundial, criando as condições necessárias para a perenidade de seu desenvolvimento sustentável. Os povos originários domesticaram as plantas e os animais, construíram as tecnologias navais, catalogarão as floras e as faunas, inventaram o uso farmacológico das plantas, construíram as primeiras linguagens da astronomia e dos climas, conceberam formas de adaptabilidades integradas às naturezas, descobriram métodos alternativos para o uso sustentável da natureza, criaram métodos para educar os jovens numa perspectiva coletivista e solidária, enfim, construíram várias enciclopédias de inovações que constituem as sociedades do saber.

Os Museus Vivos Do Estado Do Amazonas propõem-se apreender esta complexidade em perspectivas históricas amazônicas que promovam os seus povos criando novos elementos que contribuam para as suas libertações das amarras colonialistas, do passado e do presente, e valorizem as suas culturas.

Conforme apresentado em textos anteriores, a grandeza antropológica e cultural da Amazônia justifica a implantação desta proposta. Suas representações materiais e simbólicas precisam ser mais pesquisadas, compreendidas e divulgadas nacional e internacionalmente. Entre vários desafios postos aos Museus Vivos da Amazônia, destacam-se as pesquisas sobre: a reinvenção da natureza em abordagens que integrem as artes à ciência numa perspectiva amazônica, e a construção de cenografias antropológicas da Amazônia retratando as suas diversas etnografias, desde as chegadas de seus povos originários no continente americano. Estes cenários registrarão o tempo da resistência e do confronto dos povos da região contra as intervenções exógenas e destruidoras de suas culturas e naturezas. Registrarão também diversas experiências de sustentabilidade na perspectiva destes povos, sem a fragmentação e a instrumentalização dos conhecimentos que vigoram atualmente na civilização ocidental.

Esta proposta propõe implantar e organizar oito museus das antropologias e das histórias naturais da Amazônia, um em cada mesorregião do estado do Amazonas. Estes museus se dedicarão à pesquisa, à educação, à exposição e à divulgação científica e cultural da Amazônia. Reunirão exposições, acervos e coleções de peças e espécies de suas faunas e floras, terrestres e aquáticas, que são objetos de curiosidade e estudo por parte de pesquisadores, visitantes ou de instituições nacionais e internacionais. Nestes museus, os protagonistas da exposição serão as culturas dos povos amazônicos, as faunas e as floras dos ambientes naturais, dos rios, da floresta e dos seus igarapés. Serão implantadas diversas inovações tecnológicas criando múltiplas possibilidades de interação das pessoas com os fenômenos da natureza. Conforme as suas especificidades, cada um deles contará com aquários, trilhas, passarelas elevadas, torres e estações de apoio, laboratórios de museologia especializados que oferecerão as condições técnicas de observação orientada dos biomas amazônicos, com as suas exposições e análises técnicas e históricas, apresentadas nas estações de apoio e nos edifícios sede, mostrando o caráter evolutivo das conexões filogenéticas e decifrando o comportamento – percepção, reprodução e relação – das espécies animais e vegetais. Esta rede de informações estará conectada a uma plataforma de comunicação e informação de alcance regional, nacional e internacional num amplo programa de difusão e popularização da ciência e da educação ambiental. Todos os museus estarão conectados entre si por meio de uma plataforma de informação e comunicação que, também, possibilitará as suas interações com as escolas e as universidades das redes públicas e privadas da Amazônia, do Brasil e do Mundo. Destaque às suas estruturas laboratoriais voltadas ao desenvolvimento inovador na tecnologia de transmissores e sensores de odores e, emissores e detectores em diferentes frequências auditivas e óticas. Os Museus Vivos da Amazônia deverão contar com as colaborações das prefeituras e de outras instituições públicas e privadas. O público alvo destes Museus serão as crianças, a juventude, os estudantes e a sociedade. As suas localizações e os seus projetos arquitetônicos serão adaptados às características culturais e geográficas de cada região que os sediarão.

A proposta tem um custo de US40 milhões (US5 milhões / museu / mesorregião) e poderá ser implantada em seis anos consecutivos.

O Museu Vivo da Amazônia, o MUSA, já existe. Ele foi totalmente concebido no Amazonas pelo seu coordenador, Prof. Ennio Candotti, e os seus colaboradores. A sua sede fica na Reserva Ducke e a sua existência dignifica a Amazônia. Basta replicar as adaptações demandadas e efetivar os aperfeiçoamentos necessários aos mecanismos operacionais do MUSA, para que a proposta em questão seja materializada. Quando as competências são alinhadas aos compromissos e à práxis emancipatória, a história dos oprimidos desmascara as versões historiográficas rasas e subservientes prevalecentes. Parabéns Prof. Ennio Candotti.

10. As Cibermalocas no Amazonas são propostas alinhadas aos programas de educação e cultura das populações tradicionais e dos povos originários. Elas também se propõem apreender a riqueza e a complexidade dos ritos e dos mitos destes povos.

Mapiripana era uma sacerdotisa da Amazônia pan-americana que defendia os seus domínios com poderes sobrenaturais, durante a colonização ibérica na primeira metade do século 16. Ela tirava pérolas das águas de rios para formar novas nascentes, a partir das quais nasciam rios maiores. Semeou centenas de rios na região amazônica. Graças a Mapiripana os rios Orinoco e Amazonas têm vários tributários e grandes volumes de d’água. Ela também criou os saltos dos rios Irana, Irúnda e Uapés (Bernucci, 2017, p. 171), região sagrada para os povos indígenas daquela região. Os rios amazônicos se deslocam livremente transportando o passado, o presente e o futuro das populações regionais. Movimentam-se sem pressa, numa métrica temporal sincronizada com os ciclos da natureza, interligando mais de 22 mil comunidades amazônicas interioranas. Reféns dos climas e dos tempos das águas e das florestas, as relações comerciais e cidadãs dos povos da Amazônia profunda com os poderes públicos e privados instituídos são muito dependentes de uma estrutura de comunicação assentada nas circulações de canoas e barcos, de diferentes dimensões e potências. Há disjunções entre os interesses e os tempos de vivências Amazônia profunda e os de sua vida urbana. As Cibermalocas proporão alternativas para este sincronismo temporal acelerando os fluxos de informação entre as populações ribeirinhas e os povos indígenas com as instituições públicas e privadas. Funcionarão como núcleos locais importantes para a educação intercultural e as conexões cibernéticas necessárias, em âmbito nacional e internacional.

Esta proposta prevê a implantação de 100 Cibermalocas em diferentes municípios do estado do Amazonas. A Cibermaloca funcionará como um centro de produção de material didático intercultural. Seu design, conforme as arquiteturas tradicionais dos povos indígenas, incorporará um laboratório de produção de material didático intercultural. Cada uma delas será equipada com dez computadores, com capacidade para editar áudio e vídeo, conectados em rede com um servidor e uma conexão de internet por satélite. Além dos computadores, este centro será equipado com uma câmera de vídeo e gravadores digitais para a captação e o registro audiovisual dos saberes tradicional. Ele viabilizará o intercâmbio de materiais didáticos criados em outras Cibermalocas, gerando uma rede de comunicação entre os professores indígenas e os diversos povos participantes do projeto. Esta rede impulsionará também o intercâmbio de experiências interculturais entre o conhecimento técnico e o saber tradicional, potencializando o empreendedorismo entre os seus participantes. A difusão de conteúdos gerais assim como àqueles produzidos pelos alunos também poderá ser transmitida por esta plataforma de informação e comunicação. As Cibermalocas serão instaladas em quatro anos consecutivos e custarão US$10 milhões (US$100 mil / cibermaloca).

Logo, sem a pretensão em esgotar o assunto, registro que os últimos quatro textos, incluindo este, apresentaram informações básicas sobre mais dez programas estruturantes, em ciência e tecnologia, integrados e estratégicos ao desenvolvimento sustentável do Amazonas. Reafirmo, mais uma vez, sobre a necessidade em se priorizar a implantação de uma plataforma de estruturas laboratoriais em setores tecnológicos e culturais que possibilitem o desenvolvimento de pesquisas e inovações para a sustentabilidade plena deste estado. Este empreendimento criará as pontes e os nexos de articulação entre as tecnologias da economia ecológica e as matrizes industriais da Zona Franca de Manaus, que se encontram em crescente processo de desatualização tecnológica.

Há outros projetos estruturantes importantes que são, oportunamente, omitidos nesta série de textos, dentre os quais destaco: a plataforma de tratamento de resíduos sólidos aos municípios amazonenses; a revitalização das tecnologias navais no Amazonas; o sistema de proteção aos desastres naturais no Amazonas; o centro de modelagem social e climática do Amazonas; o monitoramento geoespacial dos rios e das florestas amazônicas; o sistema de proteção às populações, às faunas e às faunas amazônicas; a revitalização dos portos e dos aeroportos do Amazonas, entre outros. Todos integrados e em convergência com as plataformas de desenvolvimento sustentável, nacionais e globais. Há desafios e trabalho para várias gerações.

Os dois textos seguintes propõem, em ordem, o design do Centro Estratégico de Culturas e Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, e um conjunto de proposituras complementares para a sustentabilidade do estado do Amazonas. Apresento, em seguida, o poema “Amazônia e as crianças celestiais”.

AMAZÔNIA E AS CRIANÇAS CELESTIAIS

Nossos ancestrais afirmam que ao nascer,
Cada criança amazônica origina
Uma nova estrela, sendo por ela adotada.
As crianças semeiam estrelas
No mundo celestial que nos abraça;

Estrelas guardiãs de sonhos,
Esperanças e encantamentos;
Crianças e estrelas,
Amigas que em seus diálogos mútuos,
Transgridem princípios e restrições

Impostas pela ciência;
Constroem novas cordialidades,
E aspirações infantis e celestes.
Estrelas e crianças,
Amigas fraternas e inseparáveis,

Luzes de nosso mundo.
As estrelas orbitam em silêncio,
Levam as crianças para mundos
Distantes e desconhecidos,
Habitados e desabitados;

Por outro lado, as crianças
Renovam suas fantasias e desejos;
Incorporam mais beleza, desafios,
E graciosidade às estrelas;
Vivificam os cosmos.

Crianças e estrelas amazônicas,
Elos de vida e morte, passado e futuro,
Sonhos e realidades, Terra e cosmos,
Matéria e simbolismos sensíveis,
Natureza e cultura,

E sustentabilidade e mudanças
Climáticas,
No mundo em colapso ético.
Estrelas-guia e Mãe-gaia
Protejam as crianças,

Vítimas da mesquinhez política
E da educação robotizada,
Desprovida de sonhos
E fantasias coletivas,
Num mundo em transição.

Estrelas, filhas das crianças amazônicas,
Farol do mundo em movimento,
Fonte de vidas e naturezas,
De diálogos com as floras, faunas,
Rios e as árvores de suas florestas,

Ecoantenas receptoras e transmissoras
De suas mensagens e códigos,
Nesta Era do Antropoceno,
Marcada pela opressão e destruição,
Local e global.

Crianças celestiais,
Filhas da natureza
E de suas subjetividades e estéticas,
Construam a sustentabilidade
Do mundo e protejam a Amazônia.

As suas 500 bilhões de ecoantenas
Estão sendo destruídas numa taxa,
De 18mil a 19mil árvores por segundo;
Crianças celestes,
O mundo viaja ao colapso socioecológico.

O amor e a preservação ecológica,
Precisam ser incrustadas nas mentes
E corações das pessoas,
Para perenizar o nascimento
De novas crianças e estrelas.

Quando as crianças tornam-se adultas,
As suas estrelas-gêmeas desaparecem,
Mas outras continuam nascendo
E incorporando novos sonhos
E esperanças ao ideário cósmico;

Por esta razão os céus estão sempre
Em processo de renovação e cintilação;
Embora seja improvável recriar a Terra,
Com todas as suas belezas e utopias,
Generosidades e transcendências.

Adultos do mundo, crianças no passado,
Protejam o futuro das próximas gerações,
Para que elas deem continuidade
Às mudanças necessárias para libertar
A vida plena sequestrada pela ambição
E a arrogância capitalista.

Manaus, 29 de Junho de 2023

Referências: https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author?asin=B0BB3D1DBX

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