Manaus, 18 de outubro de 2024

Amazônia e sustentabilidade: a utopia das utopias – texto 28/30

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Nota metodológica: a versão em inglês deste texto foi publicada no “Global Journal of Human-Social Science (C) – Sociology & Culture, Vol 15, Issue 7, Version 1.0, Year 2015, p. 18-21. Publisher: Global Journals Inc. (USA)”, com o título: Sustainabitity: the utopia of utopias.

Resumo: Este artigo-opinião apresenta uma breve descrição conceitual das novas utopias para o século 21. Reafirma a importância de um novo reordenamento econômico e político do sistema capitalista, e a necessidade de ressignificar os conceitos de desenvolvimento econômico e cidadania, permeados pela sustentabilidade, local e global. Esclarece os fundamentos e os significados da inserção da Amazônia nestes processos mundiais.

Palavras-chave: Utopias; sustentabilidade; Amazônia; educação; democracia; ética

1. Nota Introdutória

Esta comunicação baseia-se no texto que apresentei no VII Congresso da Associação Francófona Internacional de Pesquisa Científica em Educação (AFIRSE), realizado na Universidade de Salento, Lecce, Itália, em 21 de maio de 2015. Este Colóquio teve como tema central “Culturas e Educação – Pesquisas, Utopias e Projetos” e propôs discutir as grandes questões que movem a educação no atual e complexo contexto mundial.

A utopia é uma categoria universal. Em certos contextos culturais, pode ser um contraponto reacionário à práxis histórica que se propõe a mudar o “mundo”, de forma crítica e na perspectiva de libertar o homem da alienação e da exploração capitalista. Ela também pode ser considerada como uma referência para a solução de problemas de natureza universal, ou como uma estrutura virtual que move abstrações intelectivas idealistas.

Nesta comunicação, a utopia é utilizada como estratégia metodológica para a construção de um texto analítico consistente. Nesse contexto, várias utopias associadas a questões relevantes da modernidade são analisadas ​​(Freitas & Freitas, 2014).

2. A Utopia Política: o novo contrato político mundial

As concepções dos regimes políticos vigentes são diversas e complexas, em quantidade e qualidade. Nesta conjuntura, o confronto político “ocidente-oriente” tem sido enfatizado. O pragmatismo, o racionalismo, a tecnificação descontrolada, a privatização ocidental exacerbada e o fundamentalismo religioso e político dos países orientais negam a possibilidade de existência de um Estado republicano comprometido com a humanidade integrada e pluricultural.

Governança política global. Fotos: Capturas de Tela

Estas questões conspiram contra a construção da paz e a solidariedade mundial. A utopia política move a construção de um novo mundo por meio de o contrato político que propõe descentralizar a economia e os poderes políticos dos países desenvolvidos. Isso gerará ondas de instabilidades nos processos políticos e econômicos nacionais e internacionais, exigindo contrapontos das sociedades organizadas e da mídia crítica. Estas questões pressupõem construir uma nova centralidade política e uma nova métrica temporal para os processos econômicos e sociais. Uma centralidade política que deve se irradiar a partir das “regiões” e uma métrica temporal assentada no tempo breve das necessidades humanas e, simultaneamente, no tempo longo da preservação do planeta.

Esta conjuntura exige a reinterpretação de os conceitos de cidadania e desenvolvimento econômico (Freitas & Freitas, 2013a). As condições estruturais para a materialização de um novo marco referencial que incorpore a sustentabilidade aos fundamentos dos processos civilizatórios ocidentais estão em construção.

A inserção assimétrica da China, dos Estados Unidos, da Coréia do Norte, do Irã e de Israel num diálogo político mundial são pressupostos para a formulação de uma utopia política no século 21 (Delpech, 2002). Esta utopia propõe a institucionalização da democracia como um sistema político universal com o seu enquadramento econômico e político mundial sujeito às determinações políticas do sistema capitalista. Num contexto em que se propugna a construção de uma nova ordem econômica e política mundial focada na eliminação do culto do racismo e do antropocentrismo. Nesta nova conjuntura é posta a possibilidade de cada cultura ter valores e perspectivas plurais: amor, crença religiosa, arte, comunicação oral, conhecimento técnico e social, organização econômica e política, em diferentes intensidades e gradações. Amazônia é uma entidade-chave na construção desta nova utopia política mundial que se encontra em curso.

3. A Utopia Ambiental: o novo contrato ecológico mundial e Amazônia

A mundialização da questão ambiental é um desdobramento do paradigma da sustentabilidade que considera a ecologia como um processo de produção, desenvolvimento e reprodução da vida. Nesta conjuntura, a utopia ambiental baseia-se, principalmente, no confronto do tipo “natureza versus cultura”. Esta utopia pressupõe a concepção centrada no pensamento iluminista do século 18, que, virtualmente, tem a pretensão em tornar eterno e invencível os “humanos-natureza-cultura”, num mundo marcado por grandes desigualdades sociais e por um mercado consumidor exacerbado.

A ruptura das estabilidades climática, química e termodinâmica dos processos atmosféricos planetários, colocando em risco a futuro da humanidade, constitui uma possibilidade real que preocupa os estados nacionais e exige uma governança global. Nesta conjuntura, o combate às mudanças climáticas e à injustiça ambiental se põe como o principal desafio ecológico deste século (Freitas & Freitas, 2013b).

A incompatibilidade da utopia ambiental com o sistema capitalista constitui uma contradição da modernidade. O regime capitalista dependente de seus processos de acumulação, reprodução e circulação de capital não tem alcance teórico e empírico para salvaguardar a preservação ambiental do planeta, presente e futuro. A possibilidade de perda total do controle sobre o ‘futuro da humanidade’ por causa da degradação e do colapso ambiental tem potencializado a implantação de programas mundiais para a preservação e a conservação dos recursos naturais, incluindo os solos, as águas e a atmosfera terrestre (IPCC, 2013).

Fotos: Capturas de Imagens. Fogo no Hawai, 2023.

Desmatamento na Amazônia.

Esta conjuntura requer a construção de uma nova base simbólica e material para essa utopia. Uma base assentada nos princípios da responsabilidade e da precaução, entrelaçados em rede de integração global através de estruturas móveis. Um novo contrato ecológico mundial resultará em novas formas de organização das cidades, das matrizes industriais, das profissões e das sociedades. Estes marcos referenciais potencializam as necessidades de se implantar o desenvolvimento sustentável e acelerar o combate às desigualdades sociais. Esta utopia ecológica mundial pressupõe, também, a sustentabilidade planetária considerando a Amazônia como um dos seus principais alicerces.

4. A Utopia Social: o novo contrato social mundial

A implantação dos programas pluriculturais e a urgência em combater a crescente desigualdade social são os principais pressupostos da utopia social. A desintegração do tecido social mundial reafirma a necessidade de construir os mecanismos operacionais desta “utopia redentora” que se propõe valorizar a vida em todas as dimensões materiais e simbólicas. A tendência do mercado e dos estados nacionais em criarem novos instrumentos para aumentar a desigualdade socioeconômica, naturalizando-a e incorporando-a às políticas públicas tem que ser invertida. Esta intervenção política requer a sincronização das marchas do estado, do mercado e da sociedade na perspectiva da sociedade (Vivien, 2001). O contrato social mundial deve priorizar a luta contra as oito “pestes” da pós-modernidade, a saber: o racismo, a pobreza extrema, a guerra, o desemprego estrutural, a destruição ecológica, o trabalho infantil, as doenças endêmicas e as doenças epidêmicas, especialmente a AIDS, e a crise moral.

Fotos: Imagens ilustrativas/Captura de tela

A integração global das políticas públicas básicas – saúde, educação, cultura -, e a mobilização de opinião pública mundial constituem o principal desafio postos aos mecanismos operacionais dessa utopia. As guerras; a intensificação dos movimentos migratórios; o recrudescimento da violência e a assimetria econômica mundial reafirmam a importância de se construir a base material dessa utopia. Exige também a necessidade se mudar os fundamentos da educação como agente de produção e reprodução dos fundamentos da sociedade capitalista alienada, consumista e privatista. A Amazônia também se insere nesta utopia mundial que abarca as suas complexidades culturais e ecológicas.

O entrelaçamento da utopia política às utopias social e ecológica contribuirá para minorar as tensões sociais e políticas mundiais agravadas durante o século 21.

5. A Utopia Ética: o novo contrato ético pluricultural mundial

A autodeterminação dos povos, a tolerância política e religiosa e o respeito às diferenças e à dignidade humana são os fundamentos da utopia ética. Os seus mecanismos operacionais têm como base simbólica a responsabilidade coletiva em se construir um mundo generoso, fraterno, solidário e perene, com feições múltiplas e coexistências pluriculturais. Sua base material tem como pressupostos uma nova regulação do mercado e a reestruturação do papel do Estado na concepção, implantação e gestão das políticas públicas, em bases sustentáveis.

Fotos: Imagens ilustrativas/Captura de tela

Suas representações política e cultural consideram as artes e a educação como suas principais referências. Pode-se afirmar que, nesta conjuntura, o paradigma da sustentabilidade tem como pressuposto a ideia central de construir uma “modernidade ética” que detenha a destruição de autoafirmação e do processo de perpetuidade da humanidade sobre a Terra. Numa perspectiva em que se tenha uma modernidade ética e não apenas uma modernidade técnica. Essa ética deve ser construída como uma crítica radical à noção de destino, entrelaçando inteligência e liberdade em um elo virtuoso com o bem.

No entanto, tal ética universal encontra-se articulada com a globalização da técnica e da cultura científica. A ciência moderna metodologicamente supõe a distinção entre fato e valor, realidade física e valor, permanecendo em um ambiente estritamente extrínseco em suas relações com a esfera do bem (Ospina, 2000). Uma nova sociedade mais entrelaçada entre si e com o futuro da humanidade exige a imediata implantação dos mecanismos operacionais desta utopia ética. Isto requer romper com os fundamentos morais e com a tradição capitalista de cultura ocidental. Os fundamentos e os mecanismos operacionais desta utopia ética têm associações duradouras com a Amazônia.

Logo é possível identificar a presença da Amazônia nas principais utopias mundiais estruturantes em curso. Anunciada como uma dádiva ao Brasil, ela pode se tornar uma tragédia mundial após sua destruição.

6. O Futuro do Futuro: a sustentabilidade das utopias

Portanto, a consolidação da sustentabilidade de a utopia política mundial, a cristalização da sustentabilidade da democracia participativa enquanto sistema político universal, a implantação da sustentabilidade de uma nova utopia ecológica, a emergência da sustentabilidade de ampla utopia social mundial, e a afirmação da sustentabilidade de a utopia ética entre os diversos povos, constituem referências utópicas para o século 21. Estas utopias movimentarão a redefinição dos conceitos de cidadania e de desenvolvimento econômico durante este século (Freitas et al., 2015), em conjunturas que abarcam a Amazônia.

Fotos: Imagens ilustrativas/Captura de tela

A sustentabilidade das utopias exige construir um consenso ecumênico que incruste nos corações e nas mentes de todas as pessoas e povos, assim como nas agendas, nos projetos nacionais, nos fóruns internacionais, nas instituições multilaterais, nos acordos, e nas seitas e religiões, a necessidade em se instituir uma concepção filosófica e social centrada na convivência pluricultural e solidária entre todas as sociedades e povos mundiais.

Consenso ecumênico operacionalizado por meio do princípio da complementariedade que inclua todas as exclusões, mútuo ou não, e redimensione os processos disjuntivos e reducionistas tendo como referências o caráter dialético da natureza humana e a complexidade dos processos sociais e históricos. A partir destes marcos, a sustentabilidade das pessoas – em nível físico, psíquico e espiritual -, bem como a sustentabilidade dos lugares, das cidades, das regiões, das nações, dos continentes, dos planetas, dos cosmos (Schellnhuber et al., 2011) e, também, a sustentabilidade das utopias, certamente, deixariam de serem utopias; e porque não afirmar, deixariam de ser uma ilusão. A ciência e a educação humanista têm papéis fundamentais na reinvenção dessas utopias. Esta é a nossa compreensão.

A construção das bases materiais e simbólicas da sustentabilidade constitui o principal desafio político do século 21. A Amazônia tem papel estratégico nesta geopolítica global. O próximo texto analisará esta questão, em forma ensaísta, a partir da Amazônia.

Manaus, 25 de Agosto de 2023

Marcilio de Freitas

Referências: https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author?asin=B0BB3D1DBX

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