Continuação ….
Cultura
A Amazônia Ocidental
VI
Nesse discurso, após um largo exórdio, Álvaro Maia tece ampla metáfora sobre a natureza amazônica, os rios, a floresta, logo se referindo ao fato político do 9 de novembro. Exorta por um renascimento dos valores da terra e um melhor aproveitamento dos seus filhos. Celebra o sentido heroico dos desbravadores da Região. Do passado e do presente. Denuncia o abandono em que vive a terra em relação aos poderes da República. Há um momento em que Álvaro Maia desabafa:
O Amazonas deve o seu progresso exclusivamente ao esforço próprio. Venceu só, ao impulso de seu comércio e de suas classes laboriosas.
Vazado em linguagem essencialmente poética, o discurso possui passagens maravilhosas como a seguinte:
Na formação da árvore frondosa, que resume a força de nosso berço natal, devemos ter a abnegação das raízes, trabalhando no seio do solo, para que os galhos arracimados reverdeçam e se dobrem ao peso de flores e folhas. Cantem, em cima, os ventos; esplenda o sol, e espalhe o seu pendão de ouro; rujam os temporais renovadores e passem as primaveras; a árvore encante os olhos, e dê alimento, e dê poesia, que a raiz, como um braço sem descanso, persistirá em sua faina religiosa, sem perguntar porque se martiriza na escuridão e na obscuridade, sem a menor revolta pelo destino humilde.
Essa peça oratória converteu-se num autêntico ideário de vida, sempre lembrado pelos intelectuais, programa de ação a orientar a vida política do Estado que, em seguida, voltou às mãos dos amazonenses por um longo período. Aos 35 anos de regime republicano o glebarismo foi o movimento mais significativo na vida política da Amazônia Ocidental, produto do poder criador do povo tão bem polarizado pelo cantor de Sobre as águas barrentas.
Álvaro Maia jamais saiu de sua terra e andava a pé, como o mais simples dos cidadãos, na Manaus que se transformava no início da Zona Franca.
Quando a Álvaro Maia já brilhavam no horizonte as luzes douradas do ocaso, ardia intensamente nos céus da Amazônia a estrela do empresário Isaac Sabbá. Ele nasceu no Pará e veio para Manaus, com os pais, em 1922, aos 15 anos de idade. Seu pai era um empresário de sucesso na cidade de Cametá, empobrecido com a crise da borracha. Em Manaus começou trabalhando como office-boy e faxineiro de escritórios de empresas comerciais. Sempre muito atilado daí a pouco já era pracista, isto é, representante comercial ambulante na cidade, aquele que faz a praça, tornando-se um dos mais hábeis profissionais no setor.
Enquanto Álvaro Maia consumia os seus dias e as suas noites na mobilização dos jovens do seu tempo, no sentido de valorizar o homem da terra, incutindo-lhes uma visão nova na conquista da própria identidade política, Isaac Sabbá ensaiava os primeiros passos na construção de seu papel fundamental no desenvolvimento econômico da Amazônia, como forma também de contribuir com a vitória da identidade regional.
A partir desse momento, conta o sempre bem informado Prof. Samuel Benchimol, o empresário Isaac Sabbá, demonstrando dinamismo invulgar, tocou vários negócios no comércio e na indústria, beneficiamento de borracha e outros produtos regionais como a castanha, consolidando o capital com que iniciou a construção da Refinaria de Petróleo de Manaus, no período de 1955/1956, inaugurada oficialmente pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, no dia 3 de janeiro de 1957.
A construção da refinaria de Manaus suscitou momentos de elevado espírito de luta, com a persistência dos que sabem o que desejam da vida, movidos pelo desprendimento e a generosidade própria dos empreendedores. Isaac Sabbá foi aos Estados Unidos para adquirir os equipamentos e conseguiu interessar os fabricantes desses materiais na produção da sua refinaria considerada pequena, em relação ao consumo do mercado. Os fabricantes só se interessavam por grandes encomendas em termos mundiais.
Isaac Sabbá saiu, na peregrinação por sua refinaria, sem dúvida aplicando o tirocínio adquirido nos velhos tempos de pracista, de influir pessoas e conquistar amigos, trazendo para o seu lado o engenheiro amazonense Arthur Soares de Amorim e o grande humanista brasileiro Roberto Campos , então no exercício da comissão de Cônsul do Brasil em Los Ângeles. Mais tarde, no cargo de Ministro do Planejamento, Roberto Campos recebeu subsídios privilegiados do empresário Isaac Sabbá na concepção do projeto da Zona Franca de Manaus. O Prof. Samuel Benchimol vai mais além. Testemunha que foi o empresário Isaac Sabbá quem sugeriu ao Ministro Roberto Campos, por intermédio do seu sócio na refinaria Arthur Soares de Amorim, a criação da área de incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus. Em seu escritório, situado na esquina das ruas Guilherme Moreira com Quintino Bocaiúva, aconteceram muitas reuniões sobre o projeto do Decreto-lei 288/67, criador da Zona Franca.
Na imaginação criadora do empresário Isaac Sabbá, era estratégica a implantação em Manaus de uma refinaria de petróleo para o desenvolvimento de toda a Amazônia. E ele estava certo. No início da operação da refinaria, em Manaus e na Amazônia Ocidental logo se sentiram os efeitos do empreendimento: a gasolina baixou 21%, o querosene 28% e o óleo diesel 58%.
Com o sucesso dos seus negócios o nome de Isaac Sabbá ganhou vulto. Era requisitado para tudo, para aconselhamento de candidatos ao mundo empresarial, ou políticos aspirantes a cargos eletivos. Os auditores das suas empresas, em determinado momento, sugeriram que ele se mudasse de Manaus e fosse morar em centros mais desenvolvidos, a salvo dos aduladores de plantão, talvez no Rio ou São Paulo, podendo de lá dirigir os negócios por meio dos relatórios que o grupo de seus executivos lhe deveriam mandar, periodicamente. Ele já tinha montado uma excelente equipe de colaboradores, de alto nível e muito bem remunerada, sendo, até nisso, um inovador.
A cidade de Manaus da época tinha por volta de trezentos mil habitantes, muito pequena para comportar uma personalidade da sua projeção e do seu porte, da sua importância, na opinião dos aludidos auditores.
Mas Isaac Sabbá não concordou. Na Amazônia era o seu lugar. Não pretendia deixar a terra de suas raízes. Não pertencia à legião daqueles amazônidas que logo que possam batem asas em busca de outros ares, guardando, contraditoriamente, só a saudade da terra, do bom peixe, das frutas, da excelente tartarugada, etc.. Em Manaus terminou os seus dias, jamais esquecido, procurado pelos jovens, sempre levantando questões sobre a Região, acreditando nas suas potencialidades e no seu desenvolvimento.
Isaac Sabbá cultivava no espírito o otimismo próprio da natureza dos empreendedores. Sabia como resolver a questão do caluniado clima da Amazônia. Seu escritório em Manaus era o ambiente interior exclusivo servido por sistema de ar-condicionado. Por isso era conhecido por buraco frio entre os motejadores provincianos. Mas, o que se observava, simplesmente, é que o notável empresário, na linha das atitudes de autêntico pioneiro, inaugurava o uso agora corrente da tecnologia do ar-condicionado na Região. Hoje o sistema é adotado nos veículos, inclusive táxis e ônibus, escritórios, lojas, casas de diversão e residências.
Álvaro Maia morreu em 1968 e Isaac Sabbá, em 1994. Álvaro Maia deixou legado precioso na obra literária definitiva construída sobre a Amazônia e a imagem de uma vida pública exemplar, de homem probo, líder político limpo e de comportamento democrático; a memória de Isaac Sabbá ganhou o reconhecimento dos seus compatrícios, com o seu nome inscrito nas placas da Refinaria de Manaus e na lenda que se criou em torno dessas duas grandes figuras da Amazônia Ocidental, típicas no comportamento dos bons amazônidas.
Continua na próxima edição…
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17 AMORIM, Arthur Soares (…)
18 CAMPOS, Roberto (Cuiabá, MG 1917 – Rio de Janeiro 2001), economista, diplomata, político.
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