Manaus, 19 de setembro de 2024

Carta Amazônica às Professoras do Brasil Quem salvará a Amazônia? Quando? Como?

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Hoje, 5 de setembro, é o dia de celebrarmos a Amazônia. Mas ela está morrendo. Quem a salvará? Quando? Como? Em nome do progresso e da acumulação ilimitada, os políticos arrogantes e subservientes ao capitalismo predatório e amoral e os empresários inescrupulosos contribuem para a destruição deste tesouro do Brasil e da Humanidade. Por esta razão e por meio da carta que se segue, peço a atenção, reflexões e ações das professoras e professores para determos esta tragédia anunciada. Amanhã pode ser tarde.

Caras Professoras, Caros Professores;

Envio-lhes esta singela mensagem a partir da Amazônia. Na condição de Professor-aposentado da Universidade Federal do Amazonas, asseguro-lhes que nunca houve um processo de destruição da Amazônia tão intenso e dramático como o desencadeado nesta última década. Ela está morrendo rapidamente. As autoridades instituídas e os setores sociais e econômicos esclarecidos precisam intervir neste processo, em sua defesa e uso sustentável. Mas, minha preocupação ultrapassa os limites institucionais e políticos, pois a Amazônia é de todos nós e, certamente, constitui a principal herança material e simbólica para a nossa juventude e às gerações subsequentes. Dimensão civilizatória, nacional e universal, que só é plenamente compreendida e apreendida pelas Professoras e pelos Professores, em todos os níveis de atuação da categoria. Esclareço que a inserção da Amazônia nos processos globais abarca questões amplas e fundamentais associadas à educação cidadã das crianças e dos jovens. Essas questões incrustaram a globalização da sustentabilidade aos fundamentos econômicos, religiosos e científicos da civilização ocidental gerando novas centralidades políticas e éticas. Centralidades que promovem e valorizam os empreendimentos locais, e se orientam num sistema ético baseado na reavaliação estrutural das noções de valor e direitos. Valor e direito à vida; valor intrínseco da natureza e dos serviços ambientais; cultura, natureza e valor simbólico; direitos individuais e preservação ambiental; direitos coletivos e relações diplomáticas, entre outros, constituem temas polêmicos que movimentam projetos educacionais, programas de pesquisa, políticas públicas e acordos internacionais.

Colegas Professoras, atribuir novos sentidos aos fundamentos, aos significados explicativos e aos mecanismos operacionais associados à noção de valor também requer revisar as abordagens e as avaliações das crenças e dos desejos humanos. Nesse contexto, três categorias clássicas, valor-verdade, valor-utilidade e valor-beleza têm sido subsumidas por valor-vida, valor-humanidade, valor-cultura, valor-natureza e valor-universo, categorias mais complexas e com maiores alcances heurísticos. Esta nova conformação da história universal potencializa as relações entre os programas educacionais, a ética da sustentabilidade e a Amazônia, numa conjuntura na qual a mundialização da hipocrisia e da barbárie política fortaleceu a importância dos processos éticos e estabeleceu a sustentabilidade como paradigma universal.

As relações da sustentabilidade com a Amazônia suscitam surpresas e contradições, como ilustrado em seguida. Nós, Professoras e Professores, sabemos que interagir com um aluno em sala de aula, com um animal de estimação ou uma planta cultivada em nossa casa é uma rotina universal que se concretiza por meio de diferentes abordagens e exigências técnicas. Em geral, esta interação é acompanhada por momentos de surpresas, alegrias, felicidades e, também de muitas preocupações. Estes sentimentos se revigoram quando este tipo de interação se amplia aos limites de uma escola, de um jardim ou de um bando de animais. E se transforma em experiências complexas quando abarca, em ordem, uma política educacional inovadora, entrelaçada às propostas de uso sustentável das florestas, dos rios, das faunas e floras, ou dos céus e os ciclos da natureza. Em forma ponderada, e em diferentes graus de dificuldades, estes desafios são enfrentados rotineiramente na docência de diferentes disciplinas ou na gestão educacional sob as nossas responsabilidades. Nem sempre temos as respostas prontas e adequadas para diversos aspectos destes processos culturais assentados em experiências seletivas e milenares, e difundidos por meio de linguagens singulares e universais acessíveis às crianças e aos jovens. Numa perspectiva que, simultaneamente, promova a vida e a natureza. Este exemplo ilustra a relevância e a pertinência da ressignificação dos processos de formação plena das crianças e da juventude, quando se consideram as suas relações com a natureza.

Este quadro de referência reafirma a importância do paradigma da sustentabilidade articulando-o com os fundamentos teológicos centrados na vida plena, espiritualizada e incrustada na natureza. Esta nova dimensão civilizatória universal suscita desafios diferenciados à Amazônia, situando-a como o lugar privilegiado e único num mundo ideologizado, tecnificado e transcendental. A sua inserção nas relações do mito de criação do mundo por meio da ecologia integral propugnada pelo Papa Francisco, põe novos elementos aos fundamentos da teologia. Amplia a complexidade das tradições religiosas e suscita possibilidades do conceito de sustentabilidade também ser estendido à dimensão espiritual do ser humano. Portanto, faz-se necessário que a sustentabilidade da vida seja o principal fundamento das governanças e das políticas globais. Nesta conjuntura, as relações da sustentabilidade com as culturas e as naturezas espiritualizadas reafirmam a importância da Amazônia.

Há outra dimensão fantástica da Amazônia que assusta o capitalismo predatório e os governos arrogantes. Os governantes são passageiros. A duração do poder político de um governante é breve. Um político que hoje lidera uma nação no futuro breve morrerá deixando legados do tipo: inclusão social e econômica, prosperidade, cidadania, paz e preservação ecológica; ou miséria, desemprego, desalento, guerra, degradação ecológica e desesperança, entre outros. Cenários mesclando os elementos presentes nestas duas tendências políticas também podem se materializar. Em nenhum destes cenários circunstanciais, passado-presente, as pessoas têm negado a importância da natureza em suas vidas e em suas famílias. Entretanto, a necessidade de preservação ecológica não se resume somente a determinado ponto de vista pessoal ou a um objetivo político. Ela faz parte de um processo que precisa transcender várias gerações em pequenas e grandes escalas espaciais, locais e planetárias. Esta característica da sustentabilidade se opõe às excessivas concentrações de poder, político e econômico, ao expansionismo imperialista e às guerras de ocupação lideradas pelos países centrais. As dualidades do tipo: miséria-riqueza, cidadania-marginalização, esclarecido-alienado, saúde-doença, guerra-paz, destruição-construção, degradação-preservação, escassez-concentração, entre outras, sempre presentes nas políticas públicas, terminam ‘empurrando’ os governantes despreparados e presunçosos em direção à promoção do desenvolvimento predatório, não sustentável.

Nestas condições, a pressão econômica dos grupos transnacionais e as crescentes desigualdades sociais nos países em desenvolvimento contribuem à degradação dos ambientes naturais e potencializam processos de ruptura com os ciclos da natureza. É interessante observar a presença destes elementos políticos na Amazônia com danos irreversíveis às suas populações e aos seus ecossistemas. Isto implica na premência do estado brasileiro intervir neste processo com programas que promovam o seu desenvolvimento econômico em forma integrada à natureza, e em bases sustentáveis.

Tratando-se da Amazônia, isto também requer alianças duradouras da ciência e tecnologia com o conhecimento tradicional regional, por meio das redes e plataformas das sociedades do saber. Esta conjuntura reserva um lugar especial ao desenvolvimento da bioindústria e à implantação da Universidade Intercultural. A indissociabilidade entre natureza e cultura na Amazônia assusta o mercado global que ainda a considera um almoxarifado abrigando um conjunto infinito de recursos naturais descartáveis. A falta de políticas públicas para esta região agrava este quadro e contribui para a sua degradação, embora as resiliências de suas comunidades interioranas e de seus povos originários estejam minorando este processo de depreciação ecológica.

Colegas docentes, incorporar a Amazônia à Política de Desenvolvimento Econômico do Brasil, integrá-la internamente por meios de arranjos produtivos vocacionados, e construir as condições políticas para assegurar o financiamento de seu desenvolvimento em bases sustentáveis, a partir de seus municípios, são exigências prementes. Perspectivas que certamente assegurariam a sua condição de maior centro mundial de desenvolvimento sustentável.

Na verdade, a natureza tem se afastado do ideário humano à medida que o uso da ciência e da tecnologia positivistas imprimiu um caráter pragmático e funcional aos mecanismos de desenvolvimento econômico. A sua incorporação (da natureza) às políticas públicas como mercadoria ou objeto de mais-valia contribuiu para a sua rápida depreciação e desumanização. A possibilidade de desestabilização socioecológica do planeta exige reconciliar as pessoas com a natureza, processo mundial que tem na Amazônia a sua principal referência material e simbólica.

O bem-estar do ser humano também está associado à estabilidade dos ciclos da vida no planeta, que, por sua vez, é muito dependente das culturas, da preservação e do uso sustentável dos trópicos úmidos, dos oceanos e das regiões polares. Três ecossistemas interligados entre si, e em rápido processo de deterioração. A perenidade milenar destas regiões tem sido garantida e aperfeiçoada pelas sabedorias de suas populações tradicionais por meio de alianças compartilhadas com as suas naturezas. As perversidades do capitalismo predatório têm criado rupturas ecológicas e civilizatórias ainda intransponíveis aos desenvolvimentos sustentáveis destas regiões. As suas proteções dependem de ações práticas de lideranças políticas mundiais que detenham imediatamente as suas destruições, que já se encontram em estágios avançados. Neste cenário alarmante, os trabalhadores, os jovens, as sociedades, as instituições, as religiões e os governos compromissados com a sustentabilidade são conclamados para defenderem a Amazônia e o planeta.

Estimadas Professoras e Colegas Professores, a Amazônia é um tesouro incomensurável do povo brasileiro e da humanidade. A sua proteção e o seu uso sustentável continuam sendo o maior desafio político e econômico para as sucessivas gerações de brasileiros. A sua destruição terá impactos perniciosos e irreversíveis à humanidade. Nestas condições ela pode se tornar uma tragédia para o equilíbrio ecológico planetário e para a humanidade. Enfim, por quanto tempo ela continuará guiando nossas concepções e sonhos por um mundo sustentável para todos? Pergunta-se: como seria o Brasil sem a Amazônia? A vida precisa ser construída em bases sustentáveis. Ela é um sopro no tempo da história. Amanhã pode ser tarde.

Professoras e Professores brasileiros, finalmente, após esta longa exposição, sugiro-lhes que incluam a Amazônia em suas disciplinas e em seus incessantes diálogos com a classe estudantil. Insistam e popularizem a sua importância para o Brasil e o Mundo, e a necessidade de protegê-la, em bases sustentáveis. Pois ela continua sendo transformada em fumaças e em lembranças fugazes.

Cordiais saudações;

Manaus, 5 Setembro de 2024

Marcílio de Freitas

Carta publicada no livro autoral “Tristes Trópicos: Réquiem à Amazônia”

Link para acesso: https://www.amazon.com/dp/B0CZTQ4Z1S

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