
*Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro
Biografia de Dom Jorge Marskell
continuação …
CAPÍTULO 1
“SE O GRÃO DE TRIGO CAINDO EM
TERRA NÃO MORRE, FICA SÓ. MAS
SE MORRER, DÁ MUITO FRUTO”
(JOÃO 12, 24)
No dia 2 de julho de 1998 às 7 horas e vinte minutos, falecia em Itacoatiara Dom Jorge Marskell, segundo Bispo da Prelazia, após aproximadamente sete meses de muito sofrimento.
No final de 1997, havia sido detectado um câncer no pâncreas, exigindo rápida intervenção cirúrgica. A conselho médico, foi ao Canadá, sendo operado em 29 de dezembro desse mesmo ano.
Avisado pelos médicos de que no máximo teria um ano de vida, provavelmente seis meses, decidiu voltar ao Brasil para passar os últimos dias junto a sua família, o povo da Prelazia. Em carta ele dizia: “Assim, me resta pouco tempo para estar mais perto de meu Deus, que eu amo tanto… Eu tenho medo somente da dor. Vou retornar ao Brasil, é lá que está minha família, e viverei o melhor possível os últimos dias de minha vida”.
Durante o tempo de sua enfermidade, o povo rezava por ele; em toda a Prelazia, as comunidades faziam vigílias de orações na esperança de um milagre.
Dom Jorge recebe a bênção de Dom Paulo McHugh, antes de sua partida para o Brasil – 1998.
Fonte: Scarboro Missions – janeiro de 1999.
Em 4 de abril de 1998, Dom Jorge chegou a Manaus, acompanhado pelo padre Ronaldo Mac Donnell, colega de Scarboro que havia trabalhado na Prelazia. Foi acolhido no aeroporto pelos Bispos Dom Luiz Soares e Dom Guttemberg Regis, por muitos padres, religiosos e leigos, cerca de quarenta pessoas.
De Manaus, Dom Jorge veio para Itacoatiara, para o Mosteiro Beneditino “Água Viva”, trazido pelo amigo Paulo Filizola. Quando desceu do carro o povo se assustou ao vê-lo; em pouco tempo havia emagrecido muito e envelhecido anos. O coração, porém, era o mesmo. Embora cansado e abatido pela viagem, quis cumprimentar uma a uma as pessoas que, vindas da cidade, esperavam por ele com flores, músicas e faixas onde se liam frases como: “Seja bem-vindo à sua terra”.
No seu retorno ao Brasil, Dom Jorge planejou algumas atividades: a mais importante era celebrar a Vigília Pascal em Itacoatiara; a segunda, participar da Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos, em São Paulo; finalmente, tomar parte na Assembleia do Povo que se realizaria de 5 a 8 de junho, no Centrepi.
Como Jesus, Dom Jorge disse: “Desejei ardentemente comer com vocês esta ceia pascal, antes de sofrer” (LC 22, 15).
Ouvindo dizer que Dom Jorge iria celebrar esse evento o povo veio de todas as partes da Prelazia para oferecer-lhe orações, apoio e encorajamento nessa fase difícil de sua caminhada. Mais de 3.000 pessoas vieram para essa celebração, muitos viajando longas horas de barco.
Quando Dom Jorge entrou na Catedral superlotada, começou uma tempestade de aplausos, que aumentou quando o Bispo, com voz forte, que contrastava com seu aspecto, falou da alegria de estar de novo entre os seus, e exprimiu sua gratidão pelo apoio recebido.
Algumas semanas depois, Dom Jorge, acompanhado pelo padre Ronaldo Mac Donnell, viajou até São Paulo, a fim de participar da Assembleia dos Bispos do Brasil, a segunda parte dos seus desejos. Lá ele reviu com alegria seus irmãos no episcopado e se despediu deles, não aguentando ficar lá por mais de uma semana.
Por causa da doença, Dom Jorge fez uma viagem a Manaus, hospedando-se na casa das irmãs Alzira Fritzen e Anne Bribosia. Lá, a enfermeira Irmã Terezinha Queiroz iniciou um acompanhamento a Dom Jorge, que seguiria até o fim.
Em Itacoatiara, ficou um tempo no Mosteiro “Água Viva”, sendo também acolhido com carinho pelas monjas. Sentindo diminuir-lhe as forças, quis voltar para sua casa, onde passou seus últimos dias.
A cada manhã, formava-se uma grande fila de gente para visitá-lo e manifestar solidariedade. Dom Jorge quase não se levantava mais da cama, não conseguia se alimentar e emagrecia a olhos vistos. Ainda assim, apesar das dores constantes de que não se queixava, sorria e fazia acenos com a mão ou a cabeça quando as pessoas se apresentavam ao quarto. Não era permitido aos visitantes se aproximarem porque todos queriam abraçá-lo e sua fraqueza era extrema.
Pessoas vinham do interior e de outros municípios. Um grupo disse a ele:
– Feche os olhos… não fale, somos nós que vamos rezar… Senhor, olha o teu servidor, nosso pastor, ele cumpriu na sua vida o desígnio de Jesus. Nós somos tuas ovelhas, Senhor, nós precisamos dele, teu pastor.
Visitantes traziam frutas, legumes, sopas, sorvetes, na esperança de que alguma coisa lhe apetecesse, mas ele quase não tocava na comida. No interior e na cidade alguns se cotizavam trazendo dinheiro “para ajudar nos medicamentos”. Nem todas essas pessoas eram católicas; algumas eram amigas de outras igrejas.
O mês de junho, Dom Jorge passou no sofrimento e na luta pela sobrevivência. No dia 2, alegre com a notícia da autorização oficial do Ministério de Comunicação e Transportes para o funcionamento da Rede Vida na Prelazia, Dom Jorge deu uma entrevista ao encarregado da TV.
Desde o dia 5 de junho de 1998, os representantes das áreas estavam reunidos com os agentes de pastoral, no Centrepi, em Itacoatiara, realizando a 8.a Assembleia do Povo de Deus na Prelazia. Esperava-se a cada momento a visita de Dom Jorge. Finalmente, na manhã do dia 6 ele chegou com padre Ronaldo.
Forte emoção percorreu a Assembleia. Dom Jorge cumprimentou a todos e sentou-se sobre a pequena mesa, como gostava de fazer. Falou ao povo palavras inesquecíveis.
Em seguida, ouviu Bento Peixoto, comunitário de Itacoatiara Oeste, e Dirce, de Urucará, se manifestarem em nome dos participantes. Apesar do pedido feito, que ninguém cumprimentasse pessoalmente Dom Jorge, o velho amigo Luiz Magno, de Silves, e a Irmã Tereza Ferreira, de São Sebastião do Uatumã, já idosa, foram até ele. Sr. Luiz Magno chorava. O povo então começou a cantar o Hino da Assembleia, ritmo animado, e letra que dizia no refrão: “Em meio a morte, escolhe a vida; vê teus direitos, gente excluída”.
Para surpresa geral, Dom Jorge pegou pela mão a Irmã Tereza e dançou com ela, acompanhando a música que todos cantavam.
Era assim Dom Jorge: escolhia sempre a vida. Gostaria de lembrar aqui que poucos meses depois, em 18 de setembro, faleceu Irmã Tereza em Manaus, de problema cardíaco.
No dia 10 de junho, Dom Jorge ainda encontrou. forças para, no pátio de sua casa, batizar a menina Geórgia, e à tarde assistiu deitado o primeiro jogo de futebol da Copa do Mundo.
Durante todos os dias de sua doença foi rezada missa no seu quarto. Em torno da cama, o celebrante, a enfermeira Terezinha Queiroz e os amigos mais chegados. Na véspera de sua morte, em 1. ° de julho, a seu pedido, Dom Luiz Soares, Arcebispo de Manaus, veio visitá-lo, juntamente com vários padres da Diocese. Dom Luiz lhe deu o sacramento da Unção dos Enfermos e celebrou a missa ao lado da cama onde Dom Jorge permanecia deitado. No dia seguinte, 2 de julho, às 7:20 horas, Dom Jorge foi para a casa do Pai. Estavam presentes a Irmã Terezinha e os padres Ronaldo, Douglas e Dionísio.
A preparação para o funeral, a missa e o sepultamento começaram em seguida. Durante todo o tempo, podia-se ver a tristeza de todos os agentes de pastoral e do povo da Prelazia; chegavam condolências de várias partes do mundo. O dia todo e a noite que antecipou as celebrações foram de vigília.
A Missa da Ressurreição realizou-se na Catedral, tendo como celebrante principal Dom Luiz Soares, acompanhado por três bispos e dois administradores diocesanos. Mais de 5.000 pessoas da cidade de Itacoatiara e comunidades dos arredores vieram para dizer seu adeus ao pastor amado. Como não cabia tanta gente na Catedral, foram instaladas duas grandes telas de televisão do lado de fora e a missa foi transmitida ao vivo pelo canal da Rede Vida, via satélite.
Terminada a missa, o corpo foi levado em procissão pelas ruas próximas à praça e quase à entrada da Igreja viu-se uma grande foto de Dom Jorge ser levada ao céu por balões de gás: símbolo de sua ressurreição e acolhimento na casa do Pai.
Em 1984, Dom Jorge numa declaração de sua vontade havia escrito: “Eu quero ser enterrado no cemitério entre o povo para o qual eu fui chamado por Deus, no seu amor, a servir”. O povo da Prelazia quis, porém que fosse sepultado num túmulo, dentro da Catedral.
Todos os dias, desde então, numerosas pessoas continuam a visitar o sepulcro do seu Bispo para rezar por ele e pedir sua intercessão. Pois como disse o padre Douglas MacKinnon em seu artigo na revista de Scarboro “na verdade, muitas pessoas já consideram Jorge um santo”.
À Missa de 7.o dia celebrada também na Catedral estavam presentes padre Raimundo O’Toole, do Conselho Geral da Missão de Scarboro, a cunhada de Dom Jorge, Maria, e a sobrinha Elisabeth, as duas últimas vindas especialmente para essa celebração.
Continua na próxima edição…
*Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro, nascida no Rio de Janeiro em 1930 e criada em São Paulo, formou-se em Filosofia e Pedagogia, obtendo um mestrado em Filosofia da Educação. Em 1977, mudou-se para Itacoatiara como missionária leiga, trabalhando na Prelazia com comunidades eclesiais de base e na formação de lideranças populares. É cofundadora da Associação Dom Jorge Marskell (desde 2001) e membro da Academia Itacoatiarense de Letras.
Views: 2