Era um olhar profundo e doce aquele que me abençoava todos os dias desde quando era menino levado, o mesmo que deve ter repousado sobre mim pela primeira vez, quando do meu nascimento e desde então se fez cercado de encanto.
Às vezes me parecia azul, tão reluzente como se fosse o céu mais límpido que a natureza pudesse nos oferecer; às vezes transparecia as águas cristalinas do seu Pernambuco, da Piedade pequena de Jaboatão dos Guararapes. Mas era, sempre, o olhar que bendizia a vida que ela tanto amava e a qual nos ensinou a amar. Olhar que foi ficando ainda mais translúcido conforme o tempo foi passando.
Era com este olhar penetrante que ela abençoava, perdoava, ensinava e confessava a sua paz de espírito, como se estivesse repetindo o que costumava dizer: os olhos são o espelho d´alma. A encantadora alma de mãe, professora, esposa, filha e da menina que brincou de “psi-pau”, sonhou ser pianista e parecia ver seu desejo se perder na saudade, quando decidiu confessar aos filhos o que tanto aspirava desde criança, e pudemos torná-lo realidade.
A candura em alma de mulher que se fez forte desde cedo para conseguir enfrentar as dores do caminho, dores que sentiu fundo ainda pelos quatro anos pelo encantamento espiritual do próprio pai, depois da mãe e em seguida do irmão mais velho que ficara cuidando da família.
Encantadora mulher que ajudou a dirigir a família que construiu com serenidade, e o fez com mãos entrelaçadas com o seu Lourenço, cujo prenúncio de conhecimento se deu em brincadeira de adivinhação de São João e que se fez seu companheiro por toda a vida, após os discretos passeios de bonde nos quais as mãos se encontravam timidamente. Depois, foram estas mãos, unidas por dádivas de Jesus, que nos guiaram pelas sendas mais justas, honradas e dignas que nos permitem olhar o mundo de fronte erguida, após muitos anos de estudos e trabalhos, realizações, alegrias e lutas árduas.
Abraço forte que nos reuniu em afago e orações quando da elevação espiritual de seu amado e nosso pai, hora em que agradeceu a Deus pela felicidade que lhe fora propiciada, rogou luzes para o caminho novo que ele iniciava em busca da Luz Maior, proclamou assim a eternidade do espírito, mas vestiu a armadura de chefe de família e seguiu conosco, renovando o brilho de seu olhar por meio das preces que proferia em segredo falando ao seu eterno Lourenço no silêncio da noite alta.
O olhar generoso, que via nas crianças – todas elas e de qualquer idade – seus alunos desde os de tempos mais antigos na pequena escola Santa Angélica, no Lago do Janauacá, do Grupo Antônio Bittencourt no Alto do Nazaré e depois no Bairro da Glória, aos mais novos que foi buscar às centenas em mutirões de pobreza extrema e quase miséria pelo o Alvorada antigo, da “sapolândia”, para alfabetizar e preparar para a vida; em todas as crianças via a esperança e a luz do amanhã, a elas se dedicava com generosidade maternal e delas recebia cartinhas apaixonados expressando gratidão.
Tudo que fizera com os filhos e os alunos repetiu com os netos que chegaram ao tempo de sua presença terrena, aos quais ensinou, encaminhou e fortaleceu na fé e na retidão do caráter, deixando marcas profundas que reverberam todos os dias e os fazem procurar seguir seus exemplos, traduzindo a sua presença eterna nos corações.
Olhar de paz, que apaziguava as nossas inquietações e dúvidas e apascentava as incertezas que sentíamos. Olhar de minha mãe, Sebastiana, que já não vejo, mas pressinto presente e sei que se encontra encrustado no meu coração.
Olhar profundo e doce o de minha mãe. Olhar de eternidade!
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