Manaus, 18 de junho de 2025

Raízes da Amazônia Lendas I

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*Wilma Tereza dos Reis Praia

Continuação…

Outras Lendas

A POROROCA

Diz a lenda que, antigamente, a água do rio era serena e corria de mansinho. As canoas podiam navegar sem perigo. Nessa época, a Mãe d’Água, mulher do boto Tucuxi, morava com a filha mais velha na ilha de Marajó.

Certa noite, elas ouviram gritos: os cães latiam, as galinhas e os galos cocoricavam. O que é? O que não é? Jacy tinha roubado a canoa de estimação da família. Remexeram, procuraram e, não encontrando nada, a Mãe d’água resolveu convocar todos os seus filhos:

Repiquete, Correnteza, Rebujo, Remanso, Vazante, Enchente, Preamar, Reponta, Maré Morta e Maré Viva. Ela queria que eles achassem a embarcação desaparecida. Mas passaram-se vários anos sem notícia de Jacy. Ninguém jamais a viu entrando em algum Igarapé, algum Furo ou mesmo amarrada em algum lugar.

A Mãe d`água pensava que deveria estar escondida, mas onde? Então, resolveram chamar os parentes mais distantes: Lagos, Lagoas, Igarapés, Rios, Baías, Sangradouros, Enseadas, Angras, Fontes, Golfos, Canais, Estreitos, Córregos e Peraus – para discutir o caso.

Na reunião, resolveram criar a Pororoca, umas três ou quatro ondas fortes que entrassem em todos os buracos dos arrebaldes, quebrassem, derrubassem, escangalhassem, destruíssem tudo e apanhassem Jacy e o ladrão.

Ficou determinado que a caçula da Mãe D’água, Maré de Lua, moça danada, namoradeira, dançadeira e briguenta, avisaria sobre qualquer coisa que acontecesse de anormal.

Foi assim que pela primeira vez surgiu em alguns lugares o fenômeno, empurrado pela jovem moça, naufragando barcos, repartindo ilhas, ameaçando palhoças, derrubando árvores, abrindo furos, amedrontando pescadores.

Até hoje, sempre que Maré da Lua vai ver a família é um deus nos acuda!

Ninguém sabe de Jacy e a Pororoca segue em frente destruindo quem ouse ficar na frente, cumprindo ordens do boto Tucuxi que, resmungando danado, diz: “Pois então continue arrasando tudo”.

E assim a Pororoca continua!

RUDÁ

Rudá ou Perudá é o deus do amor dos índios Tupi. Rudá ou Perudá, um guerreiro que reside nas nuvens, é o deus do amor indígena. Traz como missão criar o amor no coração dos homens, despertando-lhes a saudade e fazendo com que voltem para a tribo de onde saíram em suas guerras e peregrinações.

Estes fatos ocorreram há muitos séculos, quando a autoridade da selva estava passando da mão das mulheres para a dos homens.

Era uma determinação superior, que não admitia contestação. Contudo, essa transmissão de poder não foi feita em um dia. Não foi pacífica também. É claro que as Amazonas não gostaram de ver ruir a base de seu império, tão extenso em terras, riquezas e tradições. Por outro lado, os homens estavam decididos a lutar, até a morte, para impor a sua supremacia.

Houve muitas lutas entre tribos de mulheres e de guerreiros do Vale. Era um tempo em que o homem via a serpente com mais benevolência do que via a mulher. Não titubeava em levar a morte a uma e a outra, esmagando a cabeça delas com desvairado ódio.

As índias guerreiras, por seu turno, emboscavam e matavam tantos machos quantos podiam, afastando de seu caminho, aqueles inimigos cruéis e prepotentes.

A população foi diminuindo. A intolerância era total. Só se entendia a linguagem do ódio e da morte.

Tupã pôs-se a matutar. Confiava em Jurupari, que, sem dúvida, tinha condições de resolver a questão. Porém, a área amazônica é imensa e os problemas ali existente eram tantos, que dificultava a ação do legislador.

Por isso, decidiu ajudar seu delegado, na difícil tarefa de abrandar os ânimos e reconciliar homens e mulheres.

Procurou, então, nas barrancas do rio Javari, uma índia que a muito lhe chamava a atenção. Era a única alma boa e caridosa, que tinha conseguido sobreviver, e que morava, com os filhos pequenos, um menino e duas meninas, em um humilde tapiri de palha ubuçu.

Tratou de aproximar-se da índia. Uma manhã, pelo lado do ocidente, fez o chão levantar-se, modelando uma imensa montanha. Apareceu sobre ela. Falou alto e em bom som que não mais iria admitir o ódio e a desunião entre os sexos. Depois, com a rapidez do raio, dirigiu-se para a frente da maloca da jovem mãe tapuia.

Disse-lhe: “Os teus filhos são bons e educados. Prepara-te que tenho uma missão para tua família. Vocês devem partir, urgente, para o meu reino”.

A índia preparou a canoa, embarcou as crianças e dispôs-se a empreender a viagem para o Tupana Luaca, que julgava ficar logo depois da foz do Amaca, alguns dias de Paraná-Açú acima.

Ao tomar a montaria, foi atacada pelos índios vizinhos, enciumados. Recebeu várias flechadas, caindo morta pelo lado de fora da embarcação. Os filhos se esconderam no fundo da canoa.

De repente, pasmados, os índios maldosos viram a canoa subir para a montanha, depois para o céu, levando as crianças.

A ubá desapareceu nas nuvens.

Tupã voltou ainda uma vez. Tomou a índia nos braços. Transformou-a em mãe da brisa da madrugada, que os índios passaram mais tarde a denominar coemateí.

Depois, iniciou um diálogo com os jovens, dirigindo-se em primeiro lugar ao mais velho deles, disse-lhe Tupã:

“Tu, meu jovem, serás Rudá. Atenderás também pelo nome de Perudá. Serás o deus do amor, entre os Tupi. Ficarás incumbido de unir os sexos, repondo a harmonia no Mundo Verde.

– Receberás poderes para orientar a reprodução dos seres. Deverás restaurar, para sempre, o çaiçuçáua (amor) no coração dos habitantes do Pindorama. Trabalharás muito, por isso, à noite, contarás com o auxílio de tuas irmãs, Cairé e Catiti. Elas tomarão para si a tarefa de criar no peito dos namorados um sentimento chamado saudade”.

Assim foi feito.

Rudá trabalhou incansavelmente. Suas irmãs também. Houve muito esforço e total dedicação. Afinal, os índios adquiriram a bondade natural que têm hoje. Não houve mais choque entre os sexos. Surgiu o amor, como elo entre o homem e a mulher.

Tudo mudou.

A população aumentou.

Já no século seguinte, podia-se ouvir palavras novas.

Kreuzinc, por exemplo, bela cunhã, todas as tardes, voltava-se para o oriente aruã, onde supunha estar o seu jovem namorado, nos misteres da caça e da pesca.

Quando o sol se punha por trás das montanhas, ela pronunciava comovida palavras de um novo código:

“Ó Rudá, tu que estás no céu e que amas as chuvas, os ventos e o orvalho. Tu que estás no infinito, a proteger o coração dos jovens… faze com que meu amor Tupinajé, por mais mulheres que tenha, as ache feias; por mais ocupado que esteja, faze com que se lembre de mim. Com tua força divina, projeta minha alma triste bem para dentro do seu coração”.

Sem dúvida, era um novo linguajar. Tudo tinha mudado no Javari, o lendário vale do Rio das Onças… e assim, perpetuou-se o amor entre os índios.

Continua na próxima edição…

*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.

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