“Vamos valorizar o que é nosso. Integrar ciência, indústria e saberes tradicionais. Fazer da Amazônia não apenas a guardiã de recursos para o mundo, mas o berço de uma prosperidade que respeite nossa gente, nossa cultura e nossa floresta.”
A celebração dos 46 anos do CIEAM reuniu muito mais que memória de uma instituição combativa: trouxe ao evento um coro afinado de lideranças, veteranas e novas, que falaram com a autoridade de quem vive e viveu a história e com a clareza de quem sabe o que não nos serve e o que precisamos construir.
A voz marcante de Etelvina Garcia, aos 85 anos, professora de muitos dos presentes, ecoou como memória viva do Polo Industrial de Manaus (PIM) e de suas lutas. Ela resgatou episódios emblemáticos – da criação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em 1952, como resposta estratégica a pressões internacionais no pós-guerra, passou pelas batalhas pela verticalização industrial para assegurar qualidade e competitividade, como no caso da Honda nos anos 1970, a parceria dos japoneses com Natan Xavier de Albuquerque, um líder nato, autodidata e referência de conhecimento e visão de futuro.
Etelvina alertou para a construção dos novos caminhos e seus sonhos de desenvolvimento regional. A rigor, a mensagem foi simples e poderosa: unir academia, indústria e comunidades tradicionais para transformar o acervo científico e cultural da Amazônia em produtos e soluções que gerem educação, saúde, trabalho e prosperidade – com a floresta em pé.
Ao lado dela, os atuais dirigentes da entidade Luiz Augusto Rocha e Lúcio Flávio Oliveira, ladeados por Antônio Silva, Wilson Perico, Iuquio Ashibe e Maurício Loureiro, liminares da entidade, reforçaram a mesma direção: “não se pode admitir que, com mais de 1 bilhão de dólares repassados pela indústria ao poder público apenas no primeiro semestre de 2025, a Amazônia profunda continue sendo tratada como mero almoxarifado de recursos naturais para outros territórios e atividades”, disse Luiz Rocha. É inaceitável que populações ribeirinhas e interioranas vivam sob as mesmas dinâmicas de exclusão que alimentam a economia sombria do narcotráfico e da destruição ambiental.
As lideranças femininas das Comissões do CIEAM também deram o tom, com Rebecca Garcia, Régia Moreira, Mariana Barrela, Milena Perez e Silvana Aquino, destacando que a luta contra as desigualdades é inseparável da valorização do protagonismo feminino e da integração entre capital e interior. Elas apontaram que as barreiras que separam a capital das comunidades rurais, indígenas, quilombolas e ribeirinhas não são apenas geográficas: são econômicas, tecnológicas e políticas – e precisam ser rompidas com políticas industriais, educacionais e de inovação que respeitem e incorporem o conhecimento ancestral e local.
O apelo coletivo foi claro: transformar o que já temos – conhecimento acumulado, capacidade tecnológica, biodiversidade e capital humano – em força produtiva voltada para o mercado global, mas com raízes firmes no benefício direto à população amazônica. Isso exige, como propôs Etelvina, integrar o INPA, universidades, SEBRAE, empresas e comunidades para gerar protótipos, registrar marcas e patentes, e assegurar que os detentores originais das ideias sejam reconhecidos e recompensados.
Essa visão não é romântica: é estratégica. Afinal, a própria criação do INPA nasceu de uma necessidade de afirmação de soberania diante de interesses externos que já visavam a Amazônia como depósito de recursos ou território a ser ocupado. Setenta e três anos depois, a missão permanece: não entregar nossa riqueza sem valor agregado e sem retorno social.
Ao encerrar, o espírito das falas poderia ser resumido com a sabedoria de Etelvina Garcia:
“Vamos valorizar o que é nosso. Integrar ciência, indústria e saberes tradicionais. Fazer da Amazônia não apenas a guardiã de recursos para o mundo, mas o berço de uma prosperidade que respeite nossa gente, nossa cultura e nossa floresta.”
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