
*Vinícius Alves da Rosa
Um estudo da comunidade do barranco de são benedito, em Manaus, e do sagrado coração de jesus do lago do Serpa, em Itacoatiara – Am
Continuação….
3.3 Quilombo: um movimento organizativo
Os quilombolas da comunidade do Barranco de São Benedito nos últimos anos receberam homenagens públicas, reconhecimentos e certificações, como resultado de lutas envidadas ao longo de sua trajetória. Fato demonstra que a visibilidade histórica da presença do grupo no local se expõe e se reafirma sob a identificação de quilombolas, hoje reconhecidos socialmente por diferentes segmentos da sociedade envolvente.
A Lei Nº 4.201, de 23 de Julho de 2015, proposta pelo Deputado estadual Bosco Saraiva, tornou a comunidade quilombola patrimônio imaterial do Estado do Amazonas. Por esta razão, uma placa alusiva à homenagem está afixada na parede externa da residência de uma família quilombola da comunidade.
Segundo afirmou a senhora Hildamira Adjiman Silva, quilombola da comunidade do Barranco, o reconhecimento é motivo de orgulho:
É um reconhecimento da sociedade. Foi algo muito gratificante para todos nós. […] Tenho muito orgulho de fazer parte dessa comunidade, tanto que eu brinquei com o meu irmão e falei que agora mesmo que eu não me mudo daqui, porque agora é Patrimônio Cultural52.
A Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas – SEC realizou o tombamento da comunidade quilombola como patrimônio cultural, conforme a solicitação do Projeto de Lei, de iniciativa do já citado parlamentar, então Presidente da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Amazonas, com a aprovação do Governo do Amazonas.
Para a Presidente da Associação Crioulas do Barranco, Keilah da Silva Fonseca:
Ser reconhecido como Patrimônio Imaterial é de suma importância para a comunidade quilombola (…). Nossos antepassados lutaram bastante por isso, e hoje na quinta geração do Barranco de São Benedito nós conseguimos essa realização. Estamos muito felizes com o tombamento e certificação. Agora temos a intenção de melhorar a vida dos que moram na comunidade53.
Em 2016, a Câmara Municipal de Manaus concedeu uma placa à Associação Crioulas do Quilombo de São Benedito, referente ao dia da Abolição da Escravatura no Brasil, 13 de maio de 1888. A homenagem destacou as lutas das mulheres negras para conseguir a conquista da liberdade, bem como as suas ações de resistências contra o regime de escravatura as quais os negros foram submetidos em todo o país.
Uma comenda de reconhecimento foi conferida ao quilombo do Barranco de São Benedito pelas contribuições e participações musicais dos quilombolas para a produção do DVD gravado em 2018, no Teatro Amazonas em Manaus, com o título “Sabedoria Popular: Uma Revolução Ancestral do Boi-Bumbá Caprichoso do município de Parintins”.
A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, em junho de 2018, realizou uma sessão especial destinada a homenagear o Bairro Praça 14 de Janeiro pelos seus 133 anos de existência. Conforme o requerimento de autoria do Deputado Mário Bastos, na ocasião, entre os moradores do bairro homenageado estava o quilombola Cassius da Silva Fonseca (Vice Presidente da AMONAM). Tais homenagens e reconhecimentos públicos decorrem da efetiva presença dos quilombolas da comunidade do Barranco de São Benedito em Manaus, nas dinâmicas das resistências estabelecidas no território ocupado desde o final do século XIX, onde eles guardam a memória histórica dos seus antepassados.
Neste sentido, a comunidade quilombola superou os preconceitos. Adaptou-se a viver na área urbana, por vezes hostil, com interações construídas na sociedade local. Contudo, ao mesmo tempo, os agentes sociais continuaram a lutar para manter as suas tradições e garantir respeito atribuído à cultura quilombola.
Não obstante, faz-se necessário desenvolver o pensamento crítico, pois no decorrer da trajetória da comunidade, os seus membros foram procurados por autoridades públicas e personalidades políticas que, inicialmente, apresentaram discursos de apoio em relação às necessidades do grupo. Mas, posteriormente, conforme relato dos agentes sociais, tentaram cooptar as lideranças a aderir aos interesses político-eleitoreiros. Contudo, os movimentos de lutas envidados pelos quilombolas os permitiram sair da invisibilidade ao reconhecimento social, em consonância ao que afirma Honneth:
De um lado diferenciado de reconhecimento em que os sujeitos lutam por bens materiais tanto para serem considerados seres humanos de igual valor, como para verem reconhecidos seus méritos e realizações distintivos. É a partir da lógica do reconhecimento, e não simplesmente visando o aumento de bens materiais, que os sujeitos aspiram a práticas redistributivas (Honneth, 2003, p. 34).
A perspectiva deste trabalho não é buscar apoio nos ideais de justiça de comunidade propostos por Honneth (2003), mas enfatizar as conquistas dos quilombolas da comunidade do Barranco de São Benedito, em seus processos estabelecidos por reconhecimento cultural, étnico e político, em igualdade de condições com os demais segmentos sociais da sociedade que o cerca.
O diálogo, aqui, estabelecido jamais almejou esgotar o assunto, tampouco concluir o estudo com relação às comunidades quilombolas, pois entendemos que todo trabalho é inconclusivo, e está sempre aberto para outras análises, considerações, para o “debruçar-se sobre”, assim como para novas leituras e releituras da categoria investigada.
Faz-se necessário considerar, de acordo com as pesquisas e análises empíricas realizadas in loci nos casos específicos do quilombo urbano do Barranco de São Benedito na cidade de Manaus, e da comunidade quilombola Sagrado Coração de Jesus do Lago do Serpa, em Itacoatiara – AM, as diversas situações relacionadas ao grupo constituído por agentes sociais autodefinidos como quilombolas, que têm com o seu território vínculos de pertencimento e ligações afetivas percebidos na relação indissociável com o lugar social ocupado.
Por esta razão, a categoria quilombo deve ser ressemantizada, como propõe Almeida (2011), consoante aos estudos especializados na análise do termo quilombo que se contrapõem às concepções fundamentadas na ideia de quilombo com referências vinculadas apenas ao passado. Ao contrário, é preciso compreendê-lo em decorrência das mobilizações atuais das comunidades remanescentes dos quilombos.
E deste modo, as duas unidades étnicas quilombolas, a primeira localizada em Manaus, inserida em contexto urbano, na relação com o entorno das vivências concretas e citadinas. A outra, situada a partir da realidade rural na região do Lago do Serpa, em Itacoatiara – AM, onde ambas praticam os rituais sagrados da religiosidade popular nos respectivos territórios. Todavia, elas enfrentam repetidas vezes forças contrárias cujos aspectos político-econômicos estão vinculados às vertentes autoritárias do capitalismo presentes no Estado do Amazonas.
Por fim, nos casos concretos citados temos registros de violência simbólica, preconceito, estigma de inferioridade racial em relação à cultura peculiar dos quilombos observados, ficando evidente as tentativas de supervalorizar apenas a dimensão material, em que se quer explorar, com vistas ao lucro financeiro, em detrimento das tradições resguardadas pelos grupos quilombolas, os quais ocupam partes significativas dos territórios espalhados historicamente na região amazônica.
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52 A entrevista da quilombola Sra. Hildamira Adjiman Silva está disponível em:
<http://www. g1.globo.com/am/amazonas/manaus-de-todas-as cores/2017/notícia/luta-e-superacao-marcam-história-do-quilombo-de-sao-benedito-em-manaus. Acesso em 06/08/2018.
53 Esta citação está disponível em: <http://www.ale.am.gov.br>, acesso em 28/04/2018. Trata-se de uma entrevista concedida pela quilombola Sra. Keilah Fonseca, por ocasião da entrega da placa de reconhecimento à comunidade do Barranco de São Benedito, como patrimônio imaterial do Estado do Amazonas.
Continua na próxima edição…
*Vinícius Alves da Rosa é Quilombola do Morro Alto/RS, mestre, professor e teólogo, tem sua formação acadêmica pautada em uma sólida jornada de conhecimento. Sua expertise é ampliada por especializações em Metodologia do Ensino de Filosofia, em Ciências da Religião. Complementou sua trajetória com um Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação e, por fim, obteve seu título de Doutor em Ciências da Religião pela (UMESP).
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