Manaus, 27 de outubro de 2025

Crônicas do Cotidiano: O mundo não acabou

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Françoise Collin, pensadora francesa, em entrevista dada à Revista do Instituto Humanitas Unisinos, edição 206, p.12 (20/11/2006), quando inquirida sobre “quais os aspectos do pensamento arentdtiano que podem contribuir para a revitalização do conceito de comunidade” responde: “A noção de “mundo comum” (antes que de comunidade) é essencial para Hannah Arendt, mas o mundo comum não é, ou não é somente um fato, é um ato, requerendo a iniciativa de cada um (a). Ele é compreendido não somente como o comum dos iguais, mas como o comum dos diferentes. O que permite a comunidade dos diferentes é o “diálogo plural”, sobre o qual ela insiste muito: a pluralidade não sendo a multiplicidade, mas a diversidade daqueles que se manifestam. Interpelação mútua de uns pelos outros é o que cimenta o comum”. Não sendo aqui um espaço para fazer uma exegese da obra de Hannah Arendt, recorri aos que têm estofo para dar sentido ao que interessa tratar neste momento: o desencanto com o nosso mundo em decorrência da brutalidade com que estamos nos tratando. Devo lembrar, entretanto, que as obras de Arendt como a Condição Humana, Sobre a Revolução e Entre o passado e o futuro são fundamentais, dentre outras, para se entender a indispensável defesa dos Direitos Humanos e a repulsa aos totalitarismos, que causam ódio e destruição. E, devidos aos sinais de sua volta, nosso mundo está embebido no ódio!

Nas obras citadas acima, temos um discurso acadêmico ordenado, pensado e defendido com as categorias do pensamento filosófico que nos levam a uma reflexão mais profunda. Para nós mortais, pouco afeitos a esses discursos, a ajuda dos exegetas nos coloca em sintonia com pensamentos mais refinados que nos ajudam a entender coisas comezinhas como: mundo comum, comunidade, pluralidade de pensamento e de manifestação e as relações entre os humanos, a natureza e a política. Coisas que o fascismo e similares devoram com a maior facilidade para impor o “pensamento único”, a subordinação e a subserviência aos ídolos com “pés de barro” e suas teorias da conspiração. A banalidade do mal está às soltas. Tudo conspira para a engenhosidade do “perverso”, do “inominável”; do modo de pensar com sinais trocados, forma usual de difundir a “mentira”, essa deturpação dos atos para criar fatos que corroborem na negação da pluralidade de pensamento e da existência humana no mundo comum (a comunidade verdadeira, onde possa existir a liberdade fundada na unidade de propósitos, no respeito às diferenças e à pluralidade).

Seguir alguém ou a uma doutrina cegamente traz a figura da “obediência” e faz desaparecer a pluralidade e o respeito ao diferente. E isso parece ser a tônica atualmente: da mídia nas suas diversas formas de ser; na aceitação do pensamento único, onde a economia ameaça com a catástrofe nas contas públicas das nações, se estas não mexerem nos gastos com os pobres, o que nos deixa indefesos; a aceitação do discurso ambientalista de sinal trocado do negacionismo ou o discurso exagerado de ambientalistas que nos tornam culpados por nossos atos corriqueiros e necessários à vida cotidiana, sem percebermos a manipulação de interesses difusos; aceitação dos discursos moralistas religiosos, que nos condenam a pecadores contumazes para encobrir pretensões de poder, inclusive as de apoderar-se do Estado.

Pensamentos como os de Hannah Arendt nos fazem lembrar que o mundo não acabou, que podemos transformá-lo. Visto com outros olhos, “o mundo não é um mero equivalente da Terra – espaço que delimita o movimento dos seres humanos – nem da natureza, condição geral da vida orgânica: antes de mais nada encontra-se vinculado ao artifício humano, a tudo que é produto de nossas mãos, e também aos assuntos que têm lugar entre os que habitamos juntos nesse mundo”. É o que nos diz Fina Biruléz (O mundo em Jogo. S. Paulo: Editora Amarilys, 2025, p. 48), escorada no pensamento de Arendt sobre o “mundo comum”, mundo das nossas necessidades, “um mundo de relações onde os humanos falam, discutem e se veem”. Enfim, o espaço de alegria, de partilha e de responsabilidades: o mundo comum da nossa cotidianidade!

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