
*Eder de Castro Gama
CAPÍTULO 5
COMO CUIDAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Depois de aproximadamente um mês da atividade da Semana do Patrimônio Cultural na escola do Estevão, ele e seus amigos passaram a ver a cidade de Itacoatiara com outros olhos, pois tudo tinha significado, os prédios históricos não eram mais um mistério na paisagem urbana do lugar, a orla tinha um significado histórico vivenciado no desenvolvimento da Amazônia, a pedra símbolo máximo da cidade foi interpretada e todo o imaginário interno dos mitos, lendas e das festas populares e religiosas compartilhada pelos antigos moradores faziam presentes nas mentes e nos corações das crianças.
Um tempo depois, o tio de Estevão o Senhor Zé, pediu para uns trabalhadores construírem uma fossa séptica, pois pretendiam construir um banheiro no lado de fora da casa na parte do quintal, uma vez que a cidade não dispõe de esgoto público. Pela manhã, depois que o curumim Estevão tinha feito a limpeza do quintal, passou a observar os trabalhadores que cavavam o buraco para construção da fossa séptica.
Notou que após uma camada fina de argila, passou a sair terra preta, na medida que os trabalhadores cavavam e jogavam pazadas para fora do buraco começou a sair pedaços de cerâmicas. Um dos trabalhadores falou:
– Tem caco de índio saindo daqui!
– Neste momento, Estevão ficou atento e passou a observar os pedaços de cerâmica que saiam do buraco, eram pedaços de vasilha, alças com carinhas de bicho. Até que um dos trabalhadores gritou:
– Ei tem um pote aqui! Parece um pote grande de água, está intacto.
Estevão que já estava atento e com os pedaços de cerâmica na mão gritou:
– Parem as escavações! – Estamos diante de um vestígio arqueológico.
Neste momento todos os trabalhadores pararam de escavar, olharam para Estevão e riram, um deles falou:
– Está doido curumim, se pararmos o trabalho vai atrasar o serviço, o Senhor Zé vai ficar bravo com a gente.
– Calma Gente! Descansa um pouco que vou chamar o meu tio para ver. Falou Estevão.
Neste momento, o tio de Estevão vinha chegando do trabalho, deixou sua bicicleta foi quando o menino foi ao seu encontro com os pedaços de cerâmica na mão. E falou:
– Tio, Tio! Encontramos vestígios arqueológicos no fundo do quintal, olha só estes pedaços. Peça para os trabalhadores pararem com os trabalhos, precisamos chamar as autoridades.

– Calma Estevão! Vou lá ver. Falou o tio de Estevão.
Ao chegar no lugar da escavação, o tio de Estevão olhou atentamente os pedaços de cerâmica que estavam espalhados no lugar. E viu dentro do buraco uma enorme peça e em formato cilíndrico parecido com um pote de água, mas com detalhes nas alças e pinturas diferenciadas e desenhos parecidos com pinturas gregas. Ficou coçando a cabeça e se pôs a pensar. Foi quando de súbito foi interrompido por Estevão.
– Tio! Eu sei do que se trata, aprendi na semana do Patrimônio cultural realizado na escola, que estas peças são chamadas de vestígios arqueológicos. Esta pecinha em formato de animal que parece uma alça de pote é chamada de apêndice pelos arqueólogos. Estamos diante de uma grande descoberta aqui. O Seu quintal vai entrar para a história da arqueologia. Falou Estevão.
Neste momento um dos trabalhadores perguntou:
– Isso vale dinheiro Estevão?
– Vale, mas não pode ser comercializado porque isto é propriedade do governo e pode dar prisão.

– Eeee! Tou fora! Não quero problemas com a polícia! Faláramos trabalhadores.
– Temos que chamar as autoridades tio. Falou Estevão.
– Mas quem devemos chamar Estevão perguntou o tio de Estevão.
– Tio temos que avisar a Secretaria da Cultura do Município, as Universidades e o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional o IPHAN. Comentou Estevão.
– AH! Já sei! Vou falar para os meus professores da Universidade Federal do Amazonas, lá na UFAM eles saberão o que fazer. São meus amigos! Teremos que parar a obra por alguns dias, até que possamos resolver tudo. Falou o tio de Estevão.
No mesmo momento, o tio de Estevão foi para a Universidade. Ao saber do ocorrido, seus professores entraram em contato com os Arqueólogos do Museu Amazônico que é um dos departamentos da instituição, que trata da arqueologia na Universidade. De pronto enviaram arqueólogos que chegaria no dia seguinte para retirar as peças do quintal.
No dia seguinte, pela manhã chegaram dois Arqueólogos na casa do tio de Estevão para iniciar os trabalhos de remoção das peças. Todos os vizinhos da rua ficaram curiosos para saber o que estava ocorrendo, uma vez que chegou uma moça e um rapaz numa camionete escrito Museu Amazônico e com trajes diferenciados típicos de arqueólogo de campo, calça caqui, roupa bege e colete com bolsos e diferentes tipos de ferramentas.
Foi explicado ao tio e a tia de Estevão os procedimentos que seriam feitos.
– Primeiro vamos registrar este local, vamos dar o nome de Sítio Jauary, vamos demarcar esta quadra que chamamos de quadrícula, vamos medir a profundidade e camada até esse lugar onde a peça foi encontrada para poder retirá-la. Vamos fazer um croqui para mostrar a relação entre as peças aqui dentro deste quadrante. E após o registro vamos retirar estes materiais com cuidado para não quebrar e levaremos para o laboratório e a reserva técnica da Universidade em Manaus. Onde o material será lavado, triado, classificado, agrupado, reconstituído e comparados com outras coleções. E tenha certeza que o senhor e sua família contribuíra muito com a ciência em nosso país e com a valorização arqueológica do nosso Estado, bem como da cidade de Itacoatiara. Comentaram os Arqueólogos.

Durante os procedimentos de campo dos Arqueólogos, as pessoas olhavam por entre a cerca e se perguntavam o que estava acontecendo. Uns diziam que era ouro que estavam tirando, outros falavam que era um corpo que estavam desenterrando, e muitas especulações. Até que Estevão chegou e começou a explicar que se tratava de um procedimento para retirar uma peça arqueológica. Carlos um dos colegas de aula de Estevão que morava próximo, veio ver assim que soube da descoberta. E juntou-se com Estevão para explicar e reforçar todo os procedimentos dos profissionais.
Depois de 5h de trabalho, os Arqueólogos tiraram todas as peças, e explicaram que a peça maior se tratava de uma urna funerária indígena e no seu interior tinham apenas uns pedaços de ossos quase que em pó. Embalaram a peça e arrumaram na caçamba da camionete para voltar para cidade de Manaus. Eles deixaram os seus contatos com os tios de Estevão e disseram que a família fez a coisa certa. E que os trabalhadores poderiam retornar as atividades de construção da fossa séptica.
No mesmo dia a tarde na escola, Estevão contou sua aventura arqueológica e mostrou para todos, uma colher pequena de pedreiro e um pincel que os Arqueólogos lhe deram de presente. Carlos também contou o que viu, e disse que pôde explicar para os seus vizinhos os procedimentos que os Arqueólogos estavam fazendo.
Então meus amiguinhos, como cuidar do Patrimônio Cultural?
É importante saber que a nossa Constituição Federal (1988) em seu Art. 215, prevê: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Ou seja, o pleno exercício destes direitos culturais, tem haver dentre outras coisas, com a manutenção da identidade cultural de um povo. Esta identidade é a base para o conhecimento de si e o fortalecimento étnico, garante a sobrevivência das minorias.
Preservar o Patrimônio Cultural é o dever de todos os brasileiros, pois assim, garantiremos a preservação da identidade cultural e a memória de uma comunidade. Por isso, não só os Governos têm responsabilidade, mas sobretudo, a comunidade deve-se envolver nas ações de salvaguarda destes bens.
Está claro, que se não existe preservação do Patrimônio Cultural, pode-se ter uma perda da identidade cultural, que pode levar até a extinção de um povo. Os aspectos culturais é o que garante a identidade de um povo. Pois segundo o Antropólogo Clifford Geertz a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem. Essa teia orienta a existência humana. Trata-se de um sistema de símbolos que interage com os sistemas de símbolos de cada indivíduo numa interação recíproca.
Preservar o Patrimônio Cultural parte pelo um processo educativo, de conscientização de toda a sociedade e do Poder Público, que desenvolve sensibilidade diante da importância dos bens culturais, com a criação de museus, arquivos, bibliotecas, lugares de memória etc. Estes equipamentos culturais, fazem com que a comunidade se torne de fato dona do seu Patrimônio Cultural.
A concepção moderna de museu, é de um espaço onde a comunidade pode interagir com as coleções e peças que são dispostas em seu ambiente. Não é um deposito de coisa velha e antiga, mas um espaço de produção de conhecimento. É onde as escolas, as associações de moradores e instituições em geral podem encontrar o poio para o desenvolvimento de pesquisas, valorização das tradições culturais e proteção da memória coletiva.
Está claro que a Educação Patrimonial é urgente enquanto matéria nos conteúdos escolares, sobre conhecimento e conservação do patrimônio. Pode ser ofertado também, como cursos de aperfeiçoamento para educadores comunitários. Uma coisa é clara, você só valoriza aquilo que conhece. Por isso, a criação de públicos para visitar museus, exposições artísticas e culturais e visitação de espaços acadêmicos como Academia Itacoatiarense de Letras, faz-se pela formação na escola e na comunidade.
Defender o Patrimônio Cultural, depende do conhecimento, da denúncia, da mobilização e colaboração.
Conhecimento: É fundamental para saber o como preservar o Patrimônio Cultural, neste caso o Patrimônio Edificado e o Arqueológico. Cada um de nós, deve ter conhecimento da importância de nosso patrimônio cultural e de como protegê-lo, conhecendo os mecanismos administrativos e legais.
Denúncia: A depredação de prédios históricos, obras irregulares, monumentos e praças ou qualquer atividade realizada nas Unidades de interesse e preservação efetuadas com licença da Prefeitura Municipal. No caso dos sítios arqueológicos devem ser comunicadas a Prefeitura, Universidades, IPHAN e Instituições que tratam da preservação do Patrimônio Arqueológico. Endereço e contatos:
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Endereço: TV. Vivaldo Lima, 13, Centro, Manaus – Am, CEP. 69005-440. Telefone: (92) 3633-2822. Site: http://portal.iphan.gov.br
- Museu Amazônico – UFAM, Endereço: Av. Ramos Ferreira, 1036 -Centro, Manaus – Am, CEP. 69010-120, Telefone: (92) 3305-1181. Site: https:/ /antigo.ufam.edu.br>museu-amazônico; instagram@museuamazonico
- SEMCTUR. Casa da Cultura. Rua Isaac Peres. S/N, CEP. 69100-000. Instagram: semctur.itacoatiara
- Academia Itacoatiarense de Letras – AIL. Endereço. Av. ConselheiroRuy Barbosa, 419, Centro, Itacoatiara – AM, 69100-000. Endereço eletrônico:
ailitacoatiara.oficial@gmail.com/ facebookailita_am@hotmail.com
- Instituto Geográfico e Histórico de Itacoatiara – IGHI. Email:csantos1759@gmail.com
Mobilização: Inicia-se com uma reunião entre pessoas interessadas sobre a preservação do Patrimônio. Fale com seus vizinhos, divulgue na rua, no clube, no bairro, para mudar o aspecto do lugar. A união promove as transformações dos espaços. É importante valorizar o centro histórico de uma cidade, com valorização da infraestrutura, com mobilização entre a sociedade e a prefeitura.
Colaboração: É dever de todo o cidadão colaborar com a proteção, manutenção e conservação dos bens de valor cultural, que possam de maneira efetiva resguardar as tradições e a memória de uma cidade. Por meio dos bens tangíveis e intangíveis, como um prédio, uma praça, o rio, a paisagem, os sítios arqueológicos e os costumes.
*O autor é natural de Itacoatiara, vem trabalhando com a temática sobre patrimônio cultural a mais de duas décadas. É formado em Ciências Sociais (UFAM) e Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (PGSCA/UFAM) especialista em Festas Populares e Religiosas da Amazônia. Formado em Direito (ULBRA/Manaus), MBA em Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental (Anhanguera-Uniderp). É professor Universitário. Publicações em coautoria nos livros “Cultura popular, patrimônio imaterial e cidades” (2007) e “Culturas populares em meio urbano” (2012). Autor dos livros “A Senhora, o Folclore e o Festival” (2022) e “Descobrindo o Patrimônio Cultural de Itacoatiara (2024)”. É Assessor Jurídico e sobre o patrimônio imaterial etno-história da Amazônia para empresas de licenciamento ambiental e arqueológico.
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