
*José Lins
“Estrada Manaus Itacoatiara”, obra de José Lins, é aqui republicada em série com a devida autorização gratuita do Governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, Departamento de Gestão de Bibliotecas (DGB) e seu Centro de Documentação e Memória da Amazônia (CDMAM). A republicação tem fins exclusivamente históricos e culturais.
EDITADO PELO GOVÊRNO DO ESTADO DO AMAZONAS
Secretaria de Imprensa e Divulgação
Palácio Rio Negro
Continuação…
De 1953 1956
De 1940 a 1952 0 assunto de estradas permaneceu no ouvido, em ponto morto.
Nos fins de 1953, entretanto, o fenômeno da enchente do Rio Amazonas e seus afluentes ressuscitou o debate em tôrno do problema da fixação dos nossos hinterlandinos em terra firme, mudando-se, por consequência, o seu hábito de vida nas várzeas dos rios e dos logos, periòdicamente assoladas pelas alagações.
A grande enchente de 53 vinha ratificar, mais uma vez, a necessidade da abertura da nossa floresta secular, para vias de acesso terrestre, capazes de possibilitar não só o escoamento da produção como a criação de outras atividades econômicas mais sólidos e à salvo das investidas destruidoras das águas nas fases de alagação.
Procedeu-se, então, a uma análise da problemática da enchente que, se aliando a outros pontos de estrangulamento da economia amazonense, alertou os nossos governantes sôbre a premência da construção de um eixo rodoviário entre Manaus e Itacoatiara, porque só assim poderia ocorrer a ocupação das terras centrais do Estado. Agora, o sonho de Torquato Tapajós e os trabalhos de Ephigênio de Salles teriam, a qualquer custo, de receber nova dinâmica, pois já não era possível permanecer o Estado na mesma tradição de longos anos, possuindo gigantesco espaço geográfico sem tomar medidas para solucionar os problemas agropecuários e iniciar a penetração para o interior das terras firmes.
Não o fato da enchente, mas a conjuntura dêsses problemas, deu ensêjo a que o senhor Cosme Ferreira Filho, profundo conhecedor dos problemas ligados ao extrativismo regional, desencadeasse uma companha em prol da construção da estrada de rodagem Manaus-ltacoatiara, que, além das suas naturais vantagens, visava também a penetração em um subsolo da era terciária, quando fôssem feitos os grandes cortes da estrada.
Nos jornais e boletins da época, uma série de artigos do autor de “A Amazônia em novas dimensões”, deu lugar a que outras pessoas se interessassem pelo assunto, formando um grupo de jornalistas que deu cobertura à campanha, servindo de suporte e opinião para colimar os objetivos visados.
O senhor Cosme Ferreira Filho escreveu, então, sob o título “Rodovia Manaus-Itacoatiara”, urna série de quatro artigos que passamos a transcrever:
“O Fundo Rodoviário Nacional foi instituído com o elevado objetivo de acelerar, por meio de financiamento permanente e abundante, a construção de um vasto sistema de rodovias de boa qualidade, de que se viesse a beneficiar, para seu desenvolvimento econômico, todo o território nacional
Obedecendo a critério verdadeiramente sábio e de avançado descortínio político, a União, os Estados e os Municípios são aquinhoados na distribuição dos recursos, que o Fundo anualmente arrecada.
Objetiva tal mecanismo permitir que cada uma dessas entidades políticas tenha oportunidade de atender aos seus problemas peculiares, no plano das comunicações rodoviárias, indispensáveis à circulação de homens e mercadorias, no território de sua jurisdição. Cabe, naturalmente, à União a parcela maior, a fim de habilitá-la a custear a execução do Plano Rodoviário Nacional, que compreende as ligações
interestaduais e aquelas, de caráter estratégico, visando segurança do país e ao incremento do intercâmbio com as noções limítrofes. ![]()
Dentro dessa ordem de idéias, cumpriria o cada Estado ou Município, fazendo bom uso daqueles recursos e da autonomia que a lei lhes confere para sua aplicação, destiná-los, preferentemente, à construção de estradas de rodagem, que interviessem, de maneira mais decisiva, no avigoramento de sua economia, facilitando e auxiliando o aproveitamento dos fontes de riquezas existentes, ou para cujo formação a estrada iria contribuir.
Considerando como exato êsse critério – e não há porque deixar de aceitá-lo – o que, de comêço, devericnm as administrações estaduais e municipais realizar, paro a aplicação dos dinheiros do Fundo Rodoviário, seria o estudo, com base em razões históricas e em fatôres econômicos e sociais, para o conhecimento e escôlha das áreas que, beneficiadas com a construção de rodovias, melhor e mais ràpidamente, robustecessem o organismo do Estado e dos Municípios e o aglutinado dos interêsses coletivos, que constituem a razão de ser de sua existência política .
Quando, em que escala e até que ponto esses estudos foram feitos, no Amazonas, é matéria que escapa ao nosso conhecimento, porque não os sabemos divulgados ou integrando relatórios oficiais.
Onde estão os planos e esquemas dessa natureza, que tivessem como escôpo, libertar o Estado ou cada Município, por meio de rodovias, da ingrata contingência de continuarem com a suo economia pendurada às fontes remotas e desorganizadas da produção extrativa, ou à trabalhosa
produção jutícola que, embora oriunda de plantações, se onera da insegurança, da precariedade e de todos os vícios econômicos do extrativismo? Qual, na realidade, a política rodoviária que se traçou para o Amazonas?
Necessitamos de caminhos terrestres de função recuperadora e imediata. E tais caminhos, para que tenham esse caráter e funcionem ativamente, precisam integrar algum sistema de comunicação, reclamado pela pré-existência de fontes de produção mobilizadas e aptas a utilizar as nossas facilidades de circulação, com vantagens para a economia pública e privada. Sem que tenhamos atendido a êsse imperativo, não nos parece razoável nem acertado correr em busca do desconhecido, ou agir na presunção de condições econômicas, cujo estabelecimento escapa à ação do Govêrno e só se tornarão efetivas com o crescimento da população e sua expansão pioneira sôbre regiões até agora desabitadas.
Estradas dêsse tipo, para que sobreexistam, impõem ao Govêrno a tarefa onerosa de organizar e custear serviços permanentes de transportes, única fórmula de atrair e fixar moradores, cumprindo-lhe, ainda, prestar-lhes assistência educacional e sanitária. Longe de proporcionarem solução e um problema, agravam-na e criam outros, para cujo atendimento não estamos aparelhados, técnica ou financeiramente
Antes de pensarmos em estradas de penetração, exemplo da BR-17, ou do tipo da BR-63, esta ligando duas bacias, que operam e continuarão a operar com absoluta autonomia de rotas, porque a economia de ambas se articula a Manaus, pelos caminhos fluviais dos rios Purus e Madeira, devemos cogitar do estabelecimento de uma ligação por terra entre os dois maiores centros urbanos do Estado: Manaus e Itacoatiara
Essa estrada, cuja construção será suficiente poro incorporar uma administração e um homem do Govêrno à história do Amazonas, como um de seus maiores nomes, teria extraordinária missão de dar consistência e seguro apoio à economia do Estado. Provocaria e determinaria uma concentração econômica, no plano agrícola e industrial, que serviria de sólido e definitivo alicerce ao nosso futuro.
Não é a extensão territorial, não é riqueza em potência, existente em nossas vastidões florestais, que nos dará, um dia, expressão material, social e política. Êsses atributos nos virão, com muito maior rapidez, desde o momento em que a economia do Estado possa ser definida através cie um corpo físico forte e hígido em que êsse caminho faria o papel de verdadeira espinha dorsal, emprestando disciplina e harmonia ao seu crescimento e ao adensamento de suo população, numa longa e larga faixa, de acesso fácil e constante. Sòmente com o estabelecimento dêste vínculo entre as duas referidas cidades, a vida econômica e política do Amazonas funcionará como um organismo definido e estável.
Presentemente, nado mais somos do que partes desarticuladas de um corpo em que a cabeça ou o centro, que é Manaus, e suas restantes partes vivas, que são os pequenos núcleos populacionais do interior, flutuam, sem qualquer comunhão de interêsses ou interpenetração de ordem social, na imensidão vazia do nosso território.
Manaus constitui um caso singular de macrocefalia, porque essa cabeça hipertrofiada não se articula, ou melhor, não integra um organismo, para efeito de comandar o seu equilíbrio fisiológico. Somos, política e geogràficamente, um Estado. Não somos, porém, no que tange ao funcionamento de nossa economia e de nossa estruturação social. Esse crânio, anormalmente desenvolvido, absorve, como uma grande esponjo, o sangue e a seiva que deveriam vitalizar as outras partes do complexo estatal. Daí porque, enquanto Manaus cresce, em tamanho e opulência, o resto do Estado
permanece no que era ou perde substância.
Para que o Amazonas possa adquirir consistência, conformação e configuração em qualquer plano, necessário seria unir êsses membros isolados, essas partes funcionais do seu corpo por meio daquela espinha dorsal, cujo primeiro lance seria constituído pela rodovia Manaus-ltacoatiara.
Fenômeno idêntico ocorria no Estado do Pará, até quando seus homens de Govêrno planejaram e construíram a estrada de ferro de Bragança, ao longo de cujos trilhos se apoia a economia paraense, permitindo-lhe sobreviver o tôdas as crises e constituindo, ainda hoje, a viga mestra de seu sistema de produção. Formou-se e fixou-se, ao longo dessa ferrovia, rasgada, aliás, em terras notàriamente pobres, porém, ligando a capital a um núcleo populacional de apreciável expressão, uma extensa cadeia de propriedades agrícolas, que vem permitindo a essa unidade federativa situação destacada na produção de fibras e cereais com influição decisiva em sua vida econômica.
Missão idêntica teria uma estrada de rodagem que viesse ligar Manaus o Itacoatiara. Aliás, com possibilidades extraordinàriamente maiores, porquanto possui Itacoatiara população mais numerosa, é acessível à navegação transatlântica e já se beneficia com a existência de indústrias bem desenvolvidas e mercê da ajuda de agências do Banco do Brasil e do Banco de Crédito da Amazônia.
Lançada em arco, que cortaria, na parte média de seu traçado, as terras ricas do rio Urubu, daria ela ensêjo a que, ao longo de suas margens, se estabelecessem fazendas, plantações de héveas e emprêsas agrícolas de outros tipos, com a exploração das riquezas florestais e de subsolo existentes nessa zona.
Estrada que justificaria, desde logo, tráfego abundante e frequente, porque ligando as duas cidades mais populosas do Estado, ambas constituindo portas de saída da produção amazonense. Sua ocupação e o aproveitamento das terras a que ela servisse, seriam uma decorrência imperativa dessas características de artéria de ligação.
Duos pontas de lança ou duas correntes de penetração partiriam, óbviamente, de Manaus e de Itacoatiara, núcleos que, para essa investida pioneira, dispõem de recursos materiais e de estoques humanos. Sua colonização, por iniciativa provada, se faria ràpidamente, levada, sobre tudo, pelo fato de vir a ser uma estrada percorrida com apreciável frequência, por veículos de uma e de outra cidade, no intercâmbio de mercadorias e com finalidades de excursão e de turismo.
Urna economia de produção, disciplinada e sólida, correndo sôbre veículos motorizados, seria o primeiro ganho a auferir-se dêsse empreendimento. Variantes ou ramais da nova estrada ampliariam e completariam sua área de benefício, dando lugar a que se formasse, no Amazonas, um farto e opulento distrito agrícola e industrial, que seria o alicerce de seu posterior desenvolvimento, em têrmos de vida ordenada e próspera
Não faltará quem afirme a desnecessidade do empreendimento, invocando a alegação seródia de que as duas cidades possuem comunicação fluvial. Todos, porém, conhecem o drama dos transportes fluviais, no Amazonas. Tradicionalmente deficitários, não se mantêm satisfatòriamente, nem mesmo ao calor de vultosas subvenções. Sua utilização é onerosa sob todos os aspectos, porquanto a entrada e saído de mercadorias por ambos os portos, que são alfandegados, exigem complicados processos burocráticos, inúmeros gastos para efeito de embarque e desembarque, o que não ocorre com o transporte por estrada de rodagem, que se processa, sumàriamente, de domicílio a domicílio.
Agrava, ainda, aquela utilização a carência de embarcações transportadoras entre os referidos portos, as quais se contam em reduzido número contra as várias centenas de caminhões e automóveis, que poderão ser lançados, a qualquer hora, no tráfego da rodovia, cuja construção preconizamos. Isto, apenas, no que tange a operação tronsportadora de cargas, uma vez que, em se tratando de passageiros, não poderá haver paralelo entre o confôrto assegurado pelo automóvel e o desconfôrto reinante nas embarcações.
Outro ângulo do problema, que precisa ser considerado,
é o que se refere ao tempo gasto nas viagens entre os dois portos, que é de 18 a 30 horas por via fluvial, contra 4 a 5 horas em rodovia.
Ao que sabemos, o traçado de uma estrada ligando Manaus o Itacoatiara cobrirá uma extensão de cêrca de 240 quilômetros, dos quais aproximadamente 20 quilômetros já se acham concluídos, com a utilização do primeiro lance da BR-17.
Ouvindo técnicos familiarizados com a tarefa de construir rodovias, soubemos que, levada a construção, por meio de contratos com emprêsas idôneas, e partindo os trabalhos, simultaneamente, de Itacoatiara e de Manaus, essa, importante obra poderá ser concluída em menos de três anos, isto é, dentro de um único período administrativo
Feitas estas considerações, não haverá porque deixarem as administrações amazonenses de tomar a iniciativa da construção da rodovia Manaus-ltacoatiara, para a qual seria aconselhável se fizesse um movimento de opinião público nas duas cidades, movimento de caráter permanente e ativo, sob a forma de clubes, que tomassem aos seus cuidados impulsionar, sem desfalecimentos, a ação do Governo com essa finalidade.
Aqui deixamos esta sugestão aos responsáveis pelos destinos do Estado e às populações das duas cidades”.
Continua na próxima edição…
*O Professor Doutor José dos Santos Lins foi um importante educador e escritor amazonense, reconhecido por sua contribuição fundamental para o ensino e a literatura do Amazonas, especialmente na segunda metade do século XX.
Sua atuação se deu primariamente na docência, tendo sido consistentemente referido como Professor Doutor, indicando uma formação acadêmica de alto nível.
Sua obra mais notável é a “Seleta Literária do Amazonas”, publicada em 1966. Este livro se tornou um material didático essencial, servindo como uma importante compilação de textos para garantir que as novas gerações tivessem acesso e compreensão da história e da literatura regional do Amazonas.
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